O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

336-D DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Podia ter com effeito de desempenhar ali serviços; já lá houvera ido em outras vezes, mas não tão precipitadamente e em estação tão impropria.

Velho, alquebrado, com setenta e cinco annos, este facto parece-me que devia pesar num coração humano para não se mandar este homem para Diu, como agora se fez, obrigando-o a uma viagem difficil e incommoda, tendo que atravessar maus caminhos, de matos e rocha, a pé durante horas.

Mas estava na lei, e elle foi sem protestar. Incommodou-o é certo, elle não m'o disse a mim, mas tenho a certeza, a forma menos correcta; a forma, que eu não classifico, porque se mandou um funccionario civil d'aquella categoria sair no praso de quarenta e oito horas, por ordem verbal, para a praça forte de Diu para ir inspeccionar uma escola de instrucção primaria!

Facto urgentissimo! Mandou-se pela secretaria que partisse no praso de quarenta e oito horas, e particularmente lhe foi dito que não voltaria sem ordem expressa do governador!

Nenhum documento ficou registando esta ordem, que foi verbal. Estando suspensas as garantias, prohibida a imprensa, deportava-se assim no praso de quarenta e oito horas, por ordem verbal, sem mais explicações do que a necessidade urgente do se inspeccionar uma escola de instrucção primaria em tempo de revolta.

Foi, obedeceu; era lei; a lei dizia que havia de ir inspeccionar uma escola, e elle foi.

Note-se que já um outro governador tinha dado licença a meu pae, attendendo á sua idade e porque era um trabalho fadigoso, e mesmo por não sor indispensável a sua presença, que fosso em seu logar um ajudante pago por seu bolso, fazer a inspecção, o informal-o depois; mas agora foi necessario que elle fosse em pessoa; e elle foi.

Quanto tempo leva a inspeccionar uma escola de instrucçao primaria? O governador da India com a sua grande competencia nesta materia poderá dizer que são necessarios dez annos, e eu digo que não, porque tambem teuho alguma auctoridade para o dizer. Quando as auctoridades militares fazem o que fazem, tambem eu não desejo abdicar da competência que tenho para dizer que é inaudito pensar-se que para inspeccionar uma escola de instrucção primaria seja necessario muito tempo. E depois, que necessidade havia, urgentissima, do se mandar inspeccionar em uma praça de guerra, na praça de Diu, uma escola de instrucção primaria, quando se dizia estar a India em revolta?

O que houve foi o fim premeditado de obrigar meu pae a estar lá; e elle a quem nunca faltou, até nas horas ultimas, o zelo e a intelligencia para se desempenhai- das suas obrigações, respondeu dentro do tempo que lhe pareceu conveniente á commissão de que tinha eido incumbido. Mas era preciso que ello lá ficasse, e o governador nomeou-o contra lei para uma nova commissão á industria da tecelania.

Em tempos houve na India a industria da tecelania, circumscripta sobretudo às povoações da proximidade de Diu; mas depois desenvolveu-se na India ingleza, em Surrate e ara Bombaim principalmente esta industria, e a industria mechonica veiu supplantar os trabalhos manuaes, fazendo estas duas Manchesters da India ingleza concorrencia á propria Manchester de Inglaterra a ponto de exportarem pannos para Africa.

Esta industria na nossa India está morta, e ha de estar. Faltam braços, falta dinheiro, e, sobretudo, faltam as condições para uma industria se desenvolver, quando a dois passos, no territorio inglez, ha grandes manufacturas que dominam os mercados, e que de ha largos annos destruiram por completo os primitivos teares á mão. Pois era necessario uma commissão especial a essa industria, e Bernardo Francisco da Costa, que não era obrigado a desempenhar essa commissão, acceitou-a por disciplina e porque não queria que se dissesse que tinha o espirito do rebellião. Sempre habituado a mandar, quando tinha de o fazer ou na vida particular ou na vida publica, tambem sabia obedecer. Por isso obedeceu, embora contra lei; e terminou a commissão.

Não era só elle; mais quatro funccionarios tinham sido nomeados, e deram fim ao seu trabalho.

Pois muito bem. Isso não bastou. Terminaram as duas commissões. Naturalmente meu pae, obedecendo sempre, nem seria capaz de pedir um favor ao governador geral, nem a ninguem, se motivos extraordinarios o não complissem a isso; ponderou todavia que seria conveniente regressar para assistir aos exames em Goa, e pelo telegramma seguinte presuppõe-se que já estaria doente. Sentia-se influenciado pelas febres. Naturalmente desejava ver a sua filha única que estava em Goa. Pois não lhe foi permittido regressar.

Passo a ler á camara o telegramma, depois do primeiro que nos veiu dar o golpe certeiro no que tenho de mais caro e querido no coração, veiu este em resposta a outro para saber qual a origem da morte; de proposito, devo dizel-o, se mandou perguntar por esta fórma: "explique origem morte", para não haver duvidas nem hesitações. A resposta é esta:

"Concluidas commissões ponderou regressar exames. Recusaram.

Morreu febres Diu."

Morreu victima das febres de Diu. Na idade provecta podia ter morrido de morte natural. O golpo era profundo. Mas morrer por esta forma, victima. de uma perseguição calculada, doe e fére cem vezes mais, e eu, deputado da nação, aqui está de novo o dedo da Providencia que às vezes parece ver as cousas, que vim aqui para defender os interesses nacionaes e os da agricultura, tudo quanto fosse a bem do paiz, vejo-me agora na necessidade, desculpe-me o governo, de não perdoar, e não poder attenuar a responsabilidade tremenda que tambem pesa sobre o mesmo governo que, conhecendo os factos que se deram na India, os actos de perseguição, não deu as ordens terminantes para que esse governador que abusava, embora em circuinstancias extraordinarias, para ser embusteiro, querendo ser heroe, não o demittisse immediatamente.

É essa reparação do meu aggravo que eu venho pedir á camara, e não ao governo, a única reparação possivel, porque não póde dar a vida a meu velho pae, embora se diga que era velho; um quarto de hora que tivesse de vida, devia tel-a, porque tinha direito a ella... Para que se veja quanto meu pae, estando afastado das cousas publicas...

O sr. Presidente: - Reconheço a posição especial em que o sr. deputado se encontra, mas lembro que a hora vae adiantada e vae passar-se á ordem do dia.~

O Orador: -A camara abriu às trea e meia horaa, e eu creio que não tem decorrido mais de meia hora, depois que estou fallando, cabendo-me o direito de fallar uma hora. V. exa. de certo não quererá obstar a que eu me desaggrave, estando ou de mais a mais dentro do regimento, entretanto requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que se abra um incidente sobre este assumpto e eu continue com o uso da palavra.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara póde o sr. deputado continuar.

O Orador: - Muito agradecido a v. exa. e á camara, e eu vou ler a carta a que desejava referir-me, carta sentidissima, não pelos tropos, mas simplesmente pela simplicidade e singeleza com que está escripta, que é a, prova mais evidente da sua innocencia em quaesquer suppostaa combinações políticas autonomistas, e a condemnação do actual governo, que lança ao abandono a vida e os interesses da nossa India; assim posso fallar porque não tenho compromissos que me agrilhoem ao governo, e se os tivesse teria a coragem de quebrar esses grilhões para defender a memoria santa de meu pae.