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Discurso que devia ser transcripto a pag. 843, col. 2.ª, lin. 46.º do Diario de Lisboa, na sessão de 18 de março

O sr. Casal Ribeiro: — Sinceramente folgo, sr. presidente, da moderação e cordura que tem presidido a esta discussão. Vera ella sobre assumpto que muito interessa á economia! publica e aos interesses financeiros do paiz. Não é intento nem desejo meu dar-lhe o caracter irritante das questões j politicas.

Não sei se o projecto de que nos occupâmos pertence só ao nobre ministro da fazenda, como na ultima sessão pareceu indicar o illustre relator da commissão, ou se pertence a todo o gabinete, como em prompta replica observou o sr. ministro. Ignoro se pertence á responsabilidade isolada do sr. ministro da fazenda, ou á responsabilidade collectiva e solidaria do ministerio, como me parece mais curial; e por isso não posso n'esta parte censurar a observação do sr. ministro. Ignoro mesmo se este projecto, filho de um só ministro ou de todo o gabinete, se acha aqui quasi como exposto e abandonado, entregue ao acaso da sorte, como aquelle de quem se não apetece muito a exclusiva gloria, porque a gloria traz comsigo a responsabilidade. Ignoro se o gabinete todo, ou em particular o sr. ministro da fazenda, liga I a sua existencia ministerial ao triumpho da sua idéa. Tudo isto ignoro, e nada d'isto pergunto, porque sejam quaes forem as respostas, outras devem ser as rasões de decidir para! qualquer dos lados da camara (apoiados). Não o pergunto 1 porque, como disse, não desejo transportar esta questão da região placida do argumento e do calculo, para o terreno ardente da paixão politica.

Mas sendo este o meu intuito, e esperando desempenha lo na oração que tenho de proferir, não posso comtudo dispensar-me de tocar, ligeiramente um incidente politico que a esta discussão trouxe, na parte final do seu discurso, o illustre orador que em primeiro logar tomou a palavra em 1 defeza do projecto. Muito de proposito o faço antes de entrar no assumpto, para não misturar com elle a curta e singela replica que devo á observações do illustre deputado. Sinto não ver n'este momento na sala o Sr. Guilhermino de Barros, porque desejava na sua presença prestar lhe sincero testemunho de agradecimento, pela maneira como se dirigiu ao lado da camara a que tenho a honra de pertencer.

O illustre deputado, fallando do partido em que milito, não só nos tratou com esmerada cortezia, mais o que é mais, com um espirito de justiça e imparcialidade para nós tanto mais de agradecer, quanto estamos menos acostumados a ser assim tratados pelos nossos adversarios (apoiados). Não repetiu elle a sabida e nunca acreditada lenda da reacção. Viu em nós um ramo, embora com casa áparte, de uma nobre familia. Viu em nós crentes sinceros e fervorosos da grande christandade politica, a que chamam o partido liberal, embora se lhe afigurasse que representávamos nós, os da opposição, os dissidentes, os protestantes, os Lutheranos, no seio d'esta mesma christandade, emquanto que a maioria guardava a doutrina orthodoxa.

Mais longe ainda levou o illustre deputados sua benevolencia comnosco. Manifestou a esperança, não sei mesmo só a aspiração, de que um dia nos veriamos fundidos todos no mesmo gremio; esperou que talvez em breve estes protestantes, estes Lutheranos entrariam na communhão catholica. E por fundamento d'esta esperança traçou o nobre deputado, á que me refiro, certos indicios, que julgou divisar n'este campo; certas disposições para aceitar a supremacia do chefe visivel da igreja historica.

Creio que reproduzi fielmente o pensamento do illustre deputado.

Aceito a definição, applaudo o simile, lisonjeia-me a esperança, mas sinto a triste necessidade de a declinar. Singelamente vou dar os motivos.

Onde se viu indicio de approximação não havia mais que a cortezia de adversarios leaes (apoiados). Onde se viu signal de attracção havia antes gravissimo ponto de divergencia.

E que talvez nem o illustre deputado previu todo o alcance da sua comparação. É que em politica somos effectivamente uma communhão protestante! Temos o nosso evangelho. São os principios liberaes. N'elles cremos firmemente. Mas na nossa igreja não ha papa. Não reconhecemos em politica definidor infallivel do dogma (apoiados).

Nem tudo o que vae bem á religião quadra igualmente á politica. É que a idéa religiosa funda se na fé, e a fé na auctoridade; e a idéa politica vive do livre concurso de opiniões libérrimas.

Assim tal acto, tal procedimento pôde ser louvavel e excellente em materia religiosa; e deverá ser apreciado por outro criterio, se se trata de materia politica.

Citarei um exemplo. Ha trinta anãos em França o conde de Montalembert, em companhia de outros illustres talentos daquella terra, fundou um jornal, cuja principal idéa era demonstrar a harmonia entre o dogma catholico e o progresso social. Entretanto n'aquelle jornal escaparam algumas proposições em materia religiosa, que desagradaram á curia romana. O conde de Montalembert e seus companheiros foram censurados. Não hesitaram elles em submetter-se á censura, e retractar em publico as opiniões condemnadas.

Figuremos uma hypothese, outro exemplo, não já historico mas de imaginação. Supponhamos um pequeno consistorio de quatro bispos. Supponhamos que n'esse consistorio estão discutindo sobre materia de disciplina ecclesiastica. Tres bispos pronunciam-se calorosamente por uma opinião. O quarto, mais reservado, mais prudente, mais cauteloso, abstem-se de votar. Pouco depois o Summo Pontifice adopta a opinião contraria á que prevaleceu na maioria do consistorio. Os prelados sujeitam-se; e humildemente abdicam o seu modo de ver, diante da auctoridade do chefe da igreja.

Alguém talvez encontrará neste procedimento resaibos de exageração ultramontana. Por mim confesso que não me atreveria a criticar os virtuosos prelados.

Mas supponhamos agora o consistorio transformado em parlamento. Imaginemos, era vez de bispos, ministros da corôa; em vez de papa, presidente do conselho; em vez; de questão de disciplina ecclesiastica, uma questão politica grave; averiguar, por exemplo, até que ponto as suspeições politicas offendem a essencia do governo representativo. Supponhamos tudo isto; e que o procedimento foi igual... Será igualmente louvavel?... Não me inclino a este ultramontanismo politico (muitos apoiados.)

É que somos na verdade uma communhão politica protestante. Estou encantado da comparação; e plenamente a aceito.

Somos recalcitrantes n'este ponto. Não fiâmos as chaves da arca santa de nenhum levita privilegiado. Traduzimos o evangelho das nossas crenças, cada um á luz da propria intelligencia (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O Orador: — Reprovámos em politica a interpretação authentica e inspirada (apoiados).

Com taes disposições, não tendo papa na nossa igreja, não o desejando, não o querendo eleger e consagrar no nosso campo, como poderiamos aceitar um pontifice universal de todos os cultos, interprete supremo de todos os ritos, recebendo em Roma a herança de S. Pedro, e addindo em Constantinopla o legado do propheta, pregando ao Occidente o evangelho, o alcorão ao Oriente?!...

Não pôde ser; não; mil vezes não pôde ser (muitos apoiados).

Por mais auctorisada que seja a pessoa, por mais respeitavel, carregada de serviços e merecimentos, o officio é demasiado para creatura humana.

Será isto em nós origem de debilidade politica? Não falta quem o pense. Será impedimento impediente ou dirimente, que nos obste de chegar aquillo (apontando para as cadeiras dos srs. ministros) que se julga a terra da promissão? Talvez. Que importa? Aponta-la-hemos, como Moysés ás tribus; e guardaremos intactas as tábuas do decálogo (mui tos apoiados).

Eis-ahi dada a explicação que exigiam as palavras do illustre deputado, o sr. Guilhermino de Barros. Eis-ahi como a sua esperança, embora lisonjeira para nós, não passava de uma illusão fallaz.

Agora, desbravado o terreno de todo o incidente politico, vamos á questão.

Entremos neste vasto campo coberto de nicociana; não