SESSÃO N.° 63 DE 24 DE ABRIL DE 1902 3
O Sr. Madureira Beça: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para tratar do assumpto de que se occupou o illustre Deputado o Sr. Charula; mas como não quero tomar tempo á Camara, não reproduzirei nem ampliarei as considerações de S. Exa., limitando-me por agora a chamar a attenção do Governo para um unico ponto.
Pelos telegrammas publicad s nos jornaes da manhã, confirmados por outros que eu e outras pessoas recebemos, sabe V. Exa. que lavra grande excitação na cidade de Bragança, devido a haverem circulado boatos de que surgiam embaraços á approvação, pelas Camaras, do contrato para a construcção do caminho de ferro de Mirandella áquella cidade.
Hontem á noite, em Bragança, toda a população percorreu as ruas da cidade numa manifestação energica e ruidosa de desagrado; e consta-me que hoje se repetiu essa manifestação. A classe artistica abandonou o trabalho, o commercio fechou as portas e a exaltação tendo a augmentar.
Telegrammas que recebi de Macedo de Cavalleiros dizem ser tambem grande ali a exaltação dos animos.
Na minha opinião estas exaltações são, no fundo, justificadas até um certo ponto; mas a sua manifestação é talvez prematura, porque ainda confio que o Governo ha de cumprir as promessas que, verbalmente e por escrito, repetidas vezes tem feito. Confio na sinceridade das palavras do nobre Ministro das Obras Publicas, e tambem na lealdade do Sr. Presidente do Concelho. No entanto, como não é conveniente deixar progredir a agitação dos povos do districto de Bragança, sobretudo no momento actual, eu peço ao nobre Ministro das Obras Publicas que, em nome do Governo, faça qualquer declaração que leve a tranquillidade a todos os espiritos.
O Sr. Ministro das Obras Publicas (Manuel Francisco Vargas): - Sr. Presidente: Antes de tudo, eu felicito o illustre Deputado, o Sr. Alberto Charula, pela estreia brilhante que hoje fez nesta casa, e congratulo-me com toda a Camara, por contar, no seu seio, um parlamentar que enfileira ao lado dos mais distinctos. Permitta-me V. Exa. e a Camara, e não me leve a mal o illustre Deputado, que, apesar da muita consideração que S. Exa. me merece, eu não entre em largas esplanações, acêrca do assunto por S. Exa. tratado, porquanto a melhor resposta que posso dar-lhe, aquella que seguramente mais o satisfará, tenho-a eu aqui. Não serão palavras, serão factos, e estes sobrelevam ao melhor discurso que eu pudesse, aqui pronunciar.
Res non verba.
É precisamente isto o que se dá hoje commigo.
No entanto, não posso deixar sem reparo uma observação feita pelo Sr. Charula. Disse S. Exa., cheio de amor patrio, que nos faz ás vezes levar a exageros, que a provincia de Trás-os-Montes, e sobretudo o districto de Bragança, havia sido tratado, por todos os Governos, como filho bastardo.
Ora, S. Exa. foi profundamente injusto no que acabou de dizer, e sobretudo relativamente a mim.
O Sr. Charula: - Eu disse: até hoje tem sido abandonado.
O Orador: - Eu agradeço a S. Exa. essa rectificação.
O Sr. Charula sabe o amor que tenho a Trás-os-Montes; sabe o que eu tenho feito em prol d'essa provincia, relativamente a viação; eu recordarei a V. Exa. e é Camara que foi sob a minha gerencia quo foram postas em hasta publica as duas pontes, a do Pinhão e a do Focinho. (Muitos apoiados).
Não tem, é certo, a provincia de Trás-os-Montes uma larga rede de estradas, como seria para desejar, e quanto á viação accelerada S. Exa. tem-me ouvido dizer sempre que a provincia de Trás-os-Montes é apenas cortada na sua orla sul pelo Caminho de Ferro do Douro, e que havia uma injustiça flagrante em que as duas capitães do districto não estivessem ligadas á rede de viação accelerada do país, e digo agora: era mais do que uma injustiça, era uma divida que era necessario pagar, e eu felicito-me por ser o Ministro que vem trazer á Camara uma providencia que tem por fim realizar este pagamento.
Dito isto, a resposta mais cabal e completa que posso dar ás observações dos Sra. Deputados Alberto Charula e Madureira Beça, é mandando para a mesa a seguinte proposta de lei, que autoriza o Governo a applicar parte do fundo especial dos caminhos de ferro do Estado, para occorrer aos encargos da construcção e exploração dos caminhos de ferro de Mirandella a Bragança, e da Regua por Villa Real e Chaves 4 fronteira. (Muitos apoiados).
(S. Exa. não reviu).
A proposta de lei vae publicada no fim da sessão.
O Sr. Antonio Cabral: - Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a attenção do Governo, muito dignamente representado pelo Sr. Ministro das Obras Publicas, para dois factos que traduzem outras tantas prepotencias praticadas, o que não é de estranhar, pelas autoridades que tão apropriadamente representam este Governo nas circunscrições administrativas do país.
A primeira d'essas prepotencias passou se no concelho de Peniche, e eu vou referi-la á Camara em duas palavras.
Tem ali o Sr. Antonio Rodrigues Pereira uma casa em que actualmente não habita, porque está residindo na Lourinhã. Como se deram alguns casos de meningite cerebro-espinal na villa de Peniche, o administrador d'aquelle concelho entendeu que; devia exigir do Sr. Antonio Rodrigues Pereira a casa que aquelle senhor ali possue, para nella estabelecer um hospital para doentes d'aquella enfermidade, e telegraphou para a Lourinhã, neste sentido, a esse senhor. O Sr. Rodrigues Pereira respondeu que não podia ceder a casa para aquelle fim, por isso que tinha de ir em breves dias habitá-la. Era uma desculpa a mais racional
justificada possivel, mas o administrador do concelho não se conformou com ella, e intimou o caseiro, que estava habitando a casa, para que lhe entregasse a chave, sob pena de o prender e arrombar a porta da casa, para metter ali os doentes. O caseirocommunicou immediata neste ao Sr. Rodrigues Pereira áquella arbitrariedade da autoridade administrativa, e recebeu como resposta "que não cedesse senão á violencia", mas o pobre homem, atemorizado com as ameaças do administrador, cedeu e entregou a chave.
De posse da chave, o administrador do concelho fez da casa do Sr. Rodrigues Pereira, arbitrariamente, contra todas as regras e direitos de propriedade e de liberdade do cidadão, um hospital de doentes atacados da epidemia de meningite cerebro espinal.
Ora devo dizer a V. Exa. Sr. Presidente, muito fria e serenamente, que o proprio administrador do concelho tinha uma casa em muito melhores condições para aquelle fim do que a casa do Sr. Rodrigues Pereira, e, portanto, parece que devia elle ser o primeiro a dar o exemplo de se sacrificar pela causa publica, pelas necessidades do momento, cedendo a sua casa para ali metter os doentes; mas o administrador, ao contrario, entendeu que a caridade bem entendida, devia começar por elle, e por isso guardou a sua casa para os fins que necessitava e foi occupar a do Sr. Antonio Rodrigues Pereira, que para ali queria ir habitar.
Alem d'isso, naquella villa, alem da casa do Sr. Rodrigues Pereira e da do administrador, ha outros edificios era muito melhores condições para nelles se metterem os doentes.
Portanto, entendo que o Sr. Ministro do Reino, que não vejo presente, e por isso peço ao Sr. Ministro das Obras Publicas a fineza de lhe communicar estas minhas considerações, deve dar ordens terminantes ao administrador do concelhos de Peniche para que elle faça entrar o Sr. Antonio Rodrigues Pereira, immediatamente, no gozo da sua