SESSÃO N.º 63 DE 24 DE ABRIL DE 1902 7
O Sr. Presidente do Conselho affirmou tambem, que divergia do convenio Espregueira pelas seguintes razões:
1.º Porque era inconveniente estampilhar os antigos titulos em circulação, convindo trocá-los por titulos novos.
2.° Porque divergia do plano da elevação successiva de juros externos em determinado periodo até 2 por cento.
3.° Porque não concordava com a representação dos portadores da divida externa na Junta do Credito Publico.
4.° Porque a consignação dos rendimentos das alfandegas não devia ser concedida sem a expressa declaração de ficar salva a autonomia financeira, economica e administrativa do paiz.
5.° Porque o convenio-Espregueira envolvia um emprestimo, o que não é opinião sua fazer.
Estas razões estão todas no Summario, excepto a quinta que existe nas minhas notas particulares.
O Sr. Beirão perguntou: quaes são os meios com que o governo conta para as despesas do convenio e para os respectivos encargos?
O Sr. Hintze respondeu: o Governo não fará emprestimos, não está isso na sua intenção, porque julga ter os recursos necessarios para occorrer a essas despesas.
É incontestavel a exactidão d'estas perguntas e d'estas respostas, porque não só constam do Summario da Camara e das minhas notas particulares, mas prova e, tambem, o silencio dos dois oradores, que me escutam, os quaes sem duvida rectificariam em materia tão importante qualquer inexactidão de palavras ou de opiniões.
(Breve pausa).
Com entes elementos indiscutiveis vou, pois, apreciar o convenio. N'esta discussão, hoje como sempre, tenho o direito de não ser considerado pelos homens, que se sentam nas cadeiras do Governo, como um simples explorador da opinião publica.
Podem as minhas convicções, as minhas paixões se quiserem, nortear mal o meu pensamento, pode ser incompleto e mal dirigido o meu estudo; mas ninguem, até hoje, tem o direito de me chamar explorador da opinião publica, e muito menos o Sr. Presidente do Conselho, que me conhece de longa data e comigo trabalhou no ministerio de 1893. A phrase de s. Exa. decerto se não referiu a mim, porque seria injusta.
Pois bem, Sr. Presidente, sincera e maduramente fui pensar sobre a natureza das perguntas e das respostas, que acabo de condensar, e nobre o ultimo discurso pronunciado pelo Sr. Hintze Ribeiro, magnifico discurso, sem duvida o melhor que lhe tenho ouvido no Parlamento.
Pensei profundamente na phrase do Sr. Hintze Ribeiro - que o assumpto em discussão é o mais grave, gue se tem apresentado para a nacionalidade portuguesa - e procurei encontrar uma formula de conciliação entre as minhas opiniões adversas ao convenio e as do Governo, hoje favoraveis a este acto, cuja gravidade actual e futura reconhece o proprio Presidente do Conselho.
Vou, pois, desenvolver as minhas propostas. É certo que a minha força não ameaça; estou só, só com a minha justiça e as minhas convicções, são essas as minhas unicas forças; espero, todavia, que sejam acceitas as minhas ídéas, constituindo realmente uma verdadeira transigencia, era que ponho de parte principios fundamentaes acêrca do convenio, mais de uma vez expressos n'esta Camara.
Investiguemos em primeiro logar um ponto, que deve merecer, pelo menos, algum reparo.
Porque seria que o Governo, possuindo auctorizações especiaes e larguissimas na lei de 25 de junho de 1898, - a que auctorizou o passado ministerio progressista a negociar um convenio sobre a divida externa, - veiu pedir novas auctorizações?
É tanto mais singular o facto, quanto ao apresentar-se ao Parlamento o Governo actual me respondeu, contrariando a minha opinião, que a lei de 1898 não caducara e devia considerar-se em pleno vigor.
A este respeito, o Sr. Presidente do Conselho declarou que as bases actuaes não estão todas compreendidas na citada lei, o que é manifestamente erroneo, como facilmente se verifica. Por outro lado, o Sr. Ministro da Fazenda, no seu ultimo discurso, defendeu-se de accusações progressistas, mostrando que as bases em discussão estavam todas - todas! - comprehendidas na lei de 1898!
Como tudo é irregular e discordante nesta malfadada questão do convenio!
Mais ainda: o Presidente do Conselho actual presidiu tambem o ministerio de 1893, de que eu fiz parte; ora, esse ministerio, regulando a questão da divida externa, apresentou ao Parlamento uma proposta - depois transformada na lei de 20 de maio de 1893 - fixando as condições d'esta operação, isto é, reduzindo a texto definitivo e inalteravel as combinações anteriormente realizadas; porque não segue S Exa. agora o mesmo caminho, que o bom senso lhe aconselhou outr'ora e a experiencia demonstrou ser o melhor?
Quaes foram as razões de ordem logica ou politica, que alteraram as declarações expressas de S. Exa., quando o actual Ministerio se apresentou pela primeira vez á Camara?
Sr. Presidente, comprehende alguem, ou pode admittir-se, que seja o parlamento de uma nação o primeiro a acceitar bases, sobre que outrem, n'este caso os credores externos, tenha depois de resolver em ultima instancia?
Não se comprehende.
Porque a camara não pode ignorar como se vão passar os factos, mas se o ignora, vou eu expor-lh'os. Estas bases, que hoje discutimos, se forem approvadas pelo Parlamento, serão em seguida sujeitas a uma reunião de comités, provavelmente realizada em Paris.
Veja a camara, sujeitas aos comités, que as podem ou não acceitar, e ainda depois serão estes comités que devem aconselhar á generalidade dos credores a sua definitiva acceitação!
Ora, sinceramente, pergunto á Camara se o processo é digno para nós; se em tudo isto não ha qualquer cousa que melindra a dignidade e a soberania de uma nação livre?
Será isto, ao menos, util para o governo? Não é.
A vantagem do governo, quando não fosse o seu dever, era escudar-se com o parlamento, negociar sempre na referendum para e parlamento, para nós que somos emfim os representantes da soberania nacional e os unicos que turnos direito e capacidade legal para ligar o paiz a quaes quer compromissos.
Porque não procedeu, agora, o Sr. Presidente do Conselho, como praticou em 1893, adoptando identico processo que ao mesmo tempo garantia a dignidade e os interesses do paiz?
Quaes foram as razões d'este irregular procedimento?
Devem ser muito grandes, muito poderosas! O tempo e os factos darão resposta a esta pergunta; oxalá que essa resposta não seja grave e dolorosa.
Rasões ha, porém, de secundaria importancia, - porque decerto não foram essas que abalaram as firmes convicções de S. Exa. o Presidente do Conselho, - que podemos desde já definir.
A camara lembra-se, sem duvida, de um celebre relatorio do Sr. Madeira Pinto, que eu mandei em tempo para a mesa e não foi até agora publicado?
Tenho presente uma copia d'este famoso documento, onde se leem estes singulares periodos:
"O comité de Paris lembrava tambem a conveniencia de antes de se ultimar o convenio pedir o governo ás côrtes a approvação de novas bases, na parte em que pudessem exceder a auctorização já conferida pela carta de lei de 25 de junho de 1898, a fim de evitar que a ratificação