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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

vontade e aos desejos de Vossa Magestade oppõe-se o governo anteriormente formado, que invocou e obteve a dissolução por não ter maioria, e que, em regra, de antemão sabe que a não póde ter, se o paiz, livremente consultado, apparecer legitimamente representado. Por isso o governo não consulta o paiz; unicamente, a pretexto de o consultar, fórça, corrompe, violenta e opprime os eleitores, porque longe de querer, como Vossa Magestade, que a vontade nacional se manifeste livremente para a maioria formar governo, só promove e só consente que appareça eleita uma maioria que o venha apoiar a elle governo que está formado. A administração, suspensa para tudo mais, só para este fim trabalha com notavel actividade.

«Este systema, deploravel sophisma, praticado durante longo tempo, enervou, e em parte destruiu, as forças do paiz para a politica activa. Grande parte da nação, a mais importante talvez, já não elege nem se deixa eleger. Os eleitores abandonam a urna; este facto é bem sabido. Os elegiveis,— não os que procuram, mas os que costumam ser procurados, — escusam-se ou recusam-se á eleição. Descreram da efficacia d'este meio: natural é que se occupem a procurar outro, certo e seguro, para resolver difficuldades que um paiz nunca deixa sem solução.

«Este facto explica-se facilmente. Desde que o candidato á eleição popular tem de curvar primeiro a cabeça no ministerio do reino; desde que elle tem de attender mais ao favor do ministro do que á confiança do povo; desde que, não o fazendo, tem de sacrificar os seus amigos e de lutar contra as resalvas do recrutamento, contra a elevação ou diminuição dos impostos, contra os favores ou contra as violencias de todas as leis de administração, que o governo, em torpe e immoral veniaga, expõe em hasta publica, como inevitavel alternativa, em que deixa livre a opção, tornando-a só dependente do facto de se votar a favor ou contra o seu candidato; desde que os eleitos, de mais a mais, sabem, que não são chamados a representar a vontade nacional para esta constituir governo, mas só para apoiarem contra a vontade da nação o governo existente, caído o qual terão de apoiar outro peior, ou de ser por elle dissolvidos, para nas mesmas condições repetir o novo ministerio a scena eleitoral do primeiro; desde que a organisação do poder executivo, imitando ou excedendo a immutabilidade da rotação de certos astros na abobada celeste, passa necessariamente, como que obedecendo a ignotas leis de symetria ou monotonia, de umas a outras presidencias, entre poucos e sempre os mesmos individuos, como se só elles fossem o paiz; desde que só estes, quaes conselhos de Veneza, pesam sobre a liberdade e sobre os interesses dos eleitores, não para que livremente se façam representar, mas para que a troco de qualquer preço concedam ao executivo nomeado uma apparencia de representação propria; desde que isto se observa e se pratica invariavelmente, não póde esperar-se, que muitos verdadeiros cidadãos d'este paiz, illustrados, independentes, e pela sua posição mais interessados na prosperidade da patria, se sujeitem nem ás genuflexões perante os ministros, nem a consentir no sacrificio inutil dos seus amigos e vizinhos, nem, e muito menos, á hypocrisia, já talvez vulgar, de falsos protestos e fementidas promessas aos ministros eleitores, com a premeditação de os abandonarem e trahirem, quando appareça momento opportuno de subirem outros ministros, que a seu turno e em breve sejam grandes eleitores tambem.

«E, pois, consequencia necessaria o resultado, que entre nós observâmos — a indifferença absoluta da parte mais sã e mais importante da nação. Salvas excepções, ficam quasi sós em campo os que especulam com todas as lutas eleitoraes; os que as desejam para receber ou negociar os favores que, a troco dos votos, prodigos concedem os governos; os que se não cansam com a repetição, antes se incommodam com a demora das dissoluções, para elles sempre poucas e tardias; os que concedem maioria a todos os governos; os que adoram todas as religiões, tanto a de Christo como a de Mafoma; os que, na presidencia do conselho de ministros, serviriam com igual zêlo Mousinho da Silveira e Passos Manuel, o conde de Basto e o bey de Tunis. É assim que se finge eleger, ao menos na maioria, a ficticia representação nacional.

«Não é o povo. Não é a nação. Não tem culpa a victima, paciente em excesso, de um systema vicioso, longo tempo praticado, o qual produz necessarios o abatimento e a indifferença, de que a nação já não póde erguer-se, a não tentar um esforço violento e supremo. O paiz não tem força para em luta legal reagir e vencer contra o abuso das leis, com que o governo estabelecido entra armado nas convocações eleitoraes.

«Alem d'isso os nomes, que no poder se succedem e que officialmente dirigem as eleições, sempre os mesmos, quasi tantas vezes experimentados, quantas o paiz desenganado e desgostoso d'essas tristes experiencias, não inspiram, nem podem aspirar a merecer a confiança precisa, para que o paiz se levante da indifferença em que jaz, para que desperte e se erga do lethargo em que adormeceu, e muito menos para que, no campo legal, desenvolva a actividade e a energia, sempre grandes nas lutas eleitoraes, mas extraordinarias de difficuldades e de sacrificios, quando cumpre combater, em vez de qualquer influencia individual ou politica, toda a força e todo o peso dos favores e das violencias com que a auctoridade entra na luta.

«O paiz não tem partido. Em menos de tres annos deu maioria nas eleições a todos os grupos, que entre nós se dizem e se apresentam como partidos politicos. Estes partidos não representam a confiança do paiz, porque todos elles, e tanto um como qualquer dos outros, vencem eleições, sendo poder ou sendo auxiliados pelo governo, mas apparecem microscopicamente representados no parlamento, quando o poder os combate na urna. Todos os governos caem, não porque os partidos contrarios tenham força para os derrubar, mas só porque nenhum dos habituaes governos tem força para se conservar. É o paiz que não confia, e portanto que não dá força aos governos, os quaes, ao primeiro abalo ou ao primeiro sacrificio que exigem aos contribuintes, morrem da propria fraqueza.

«As circumstancias reclamam urgentemente a organisação de um governo, em que o paiz confie. É talvez difficil o problema, mas a difficuldade é de certo muito inferior ás luzes de Vossa Magestade e ao amplo poder, que, para a livre escolha dos ministros, lhe foi conferido pela carta constitucional da monarchia.

«Dos chefes dos grupos politicos a lista foi exhausta em repetidas experiencias, todas as quaes deram, sem differença muito sensivel, resultado analogo. Os diversos grupos, cada um do seu lado, divididos e separados por mesquinhas divergencias pessoaes, nem se juntam lealmente, nem cada um isolado póde formar governo que se sustente. O paiz está do outro lado, contra as divisões dos grupos e contra as lutas estereis, em que elles mutuamente se degladiam. Quando ha partidos politicos, que representam o paiz, d'esses partidos deve formar-se o governo. Quando um paiz não tem partidos, fortes e organisados, conhecidos pelas idéas e separados pelos principios, o governo deve saír do paiz, e não póde, sem perigo, formar-se de grupos exclusivos.

«Vossa Magestade encontra nos logares superiores do estado, retirados da politica activa, estranhos ás pequenas dissensões e ás incompatibilidades pessoaes dos ultimos tempos, homens eminentes e profundos, alguns ministros d'estado em epochas mais difficeis, todos os quaes offerecem, como seguro e irrecusavel penhor do seu affecto e dedicação á monarchia, uma vida inteira de sacrificios e de excellentes serviços. Qualquer d'elles, agrupando facilmente em torno de si homens realmente prestantes, que hoje parecem incompativeis, póde desde logo organisar um governo da plena confiança do paiz, ou pelo menos dirigir, sem a perverter, uma eleição geral absolutamente livre,