SESSÃO N.º 84 DE 8 DE JUNHO DE 1900 3
tamente prohibida; porem, tem-se feito um largo abuso e victimado quem não conhece a planta e nem ao menos suspeitava da sua existencia.
Toda a gente sabe que a herva santa tem uma propagação enorme e por mais deligencia que se faça para a sua extincção, reproduz-se de uma maneira extraordinaria. Os empregados do fisco chegam a vexar os proprietarios, obrigando-os a pagar umas multas exorbitantes, arrastando-os a prisão, tendo a mais completa certeza de que elles ignoravam a sua existencia e desconheciam por absoluto a planta.
Todos sabem, como já disse, que a herva santa reproduz-se de uma maneira extraordinaria e que póde ser levada pelo vento, nos bicos das aves, etc., etc.; reproduz-se nos troncos das arvores e nas paredes velhas, nas pedras, nos terrenos mais safaros e até nas charnecas onde não houve nunca cultura. Será justo que o proprietario de um terreno onde apparecem alguns pés d'esta herva, soffra os rigores de tão dura lei, quando se prove á evidencia que não tinha conhecimento da sua existencia?
Necessariamente o legislador não quiz que a lei se applicasse tão duramente. Posso affirmar a v. exa. que tenho visto praticar pelos guardas fiscaes verdadeiros abusos, em casos em que o proprietario não tinha conhecimento da existencia nos seus terrenos de similhante planta. Ha tempo estava eu n'uma terra da provincia o vi um velho do setenta e tantos annos, um padre respeitavel, entrevado, que ia preso por terem sido encontradas pelos guardas fiscaes e apprehendidas no seu quintal inculto, junto de um muro arruinado, cinco plantas de herva santa que elle não conhecia, que nunca tinha visto e não sabia da sua existencia.
Estas cinco plantasinhas de herva santa, que eu vi pela primeira vez e que se as tornar a ver não as conheço, tinham apparecido arrumadas a um muro velho de um quintal inculto.
Esta planta tinha as dimensões e a configuração da planta de couve quando se tira do viveiro para ser disposta nos canteiros das hortas. Era absolutamente evidente que elle não conservava no seu quintal cinco pés de herva santa e não tinha conhecimento da sua existencia, pois não lhe valeu nada d'isto para soffrer todos os rigores da lei.
Este padre tinha estado entrevado todo o inverno, havia muitos mezes não ia ao seu quintal, que nem sequer estava amanhado, era um padre morigeradissimo nos seus costumes, a honra do clero portuguez, não póde evitar de ser preso pela guarda fiscal, soffrendo vexames extraordinarios e foi precisa a intervenção de todos, para não ir para a cadeia, mas não se póde evitar de pagar a multa. Chamei a attenção do commandante da guarda fiscal para este facto e elle respondeu-me: a lei manda-me proceder d'esta forma e não posso evitar todas as consequencias que d'ella derivam.
A muito custo se póde conseguir que o padre não fosse para a cadeia, pagando apenas a multa.
Este grande delinquente era o padre José de Amorim, da villa de Obidos, ha muito impossibilitado de fazer serviço, pela sua idade e pela suas enfermidades. Nada lhe valeu, para que o levassem proso para Peniche, a 4 leguas de distancia da sua terra, afiançado por todos, como um modelo do bom cidadão, que nunca tinha sido preso na sua vida. De Peniche estava destinado a marchar immediatamente para a cadeia das Caldas, a 6 leguas distante d'aquella villa pelo grande crime praticado e que não podia merecer perdão.
O que se deu com este homem, tem-se dado com muitos outros, de que eu tenho conhecimento e vou tambem referir á camara.
Apesar do attestado de todos as pessoas de consideração, de que o padre Amorim era incapaz de conservar no quintal a herva santa, se tivesse conhecimento d'ella, nada lhe serviu. Entendeu-se que elle era um grande criminoso, para o qual não podia haver perdão.
Sr. presidente, dizia-nos o empregado encarregado de applicar esta multa e de fazer cumprir esta penalidade: eu não podia fazer o contrario, porque parte da multa é Dará os guardas e elles, se isto se não fizer, ficam prejudicados! Devo dizer que o official a que me refiro, era um official distincto e cumpridor dos seus deveres, mas entendeu que não estava nas suas faculdades proceder de outro modo.
Oh! sr. presidente, isto é uma atrocidade!
Póde a gente ser castigado por um delicto que não commetteu?
Realmente, quem applicar a pena, deve ter o criterio sufficiente para não levar as cousas a este extremo. Conheço um cavalheiro de uma alta respeitabilidade, tão grande que não póde ser excedida, que está preoccupadiasimo com estes casos que se têem dado e foi elle que me pediu que chamasse a attenção dos poderes publicos, a fim do evitar que pessoas de respeitabilidade e verdadeiros innocentes soffram um vexame como o que acabo de expor. Tem elle uma propriedade, onde de quando em quando apparece a herva santa sem se saber como lá foi parar.
Tem empregado todos os meios para a exterminar por completo e, não obstante isso, todos os annos se reproduz e lá apparece, umas vezes nos muros de uma casa velha, outras por entre as pedras, etc., etc.
Tem mandado picar as paredes, rebocal-as e não ha meio de se ver livre da herva. Prova á evidencia que tem empregado todos os meios, ao seu alcance, para fazer desapparecer esta planta, mas não tem podido conseguir. Mal ella apparece, manda logo destruil-a.
Póde um individuo, n'estas condições, estar sujeito aos vexames de tão dura lei, applicada sem criterio de guardas fiscaes, que a nada attendem senão á parte que lhes póde pertencer da multa applicada? Appcllo para a consciencia da camara.
Parece-me que, sem prejuizo nem para o estado, nem para a companhia dos tabacos, se póde remediar este estado de cousas de maneira a evitar que os innocentes soffram vexames d'esta natureza.
Sr. presidente, vou ainda referir um outro caso, de que tive conhecimento, analogo ao que acabei de expor.
Haverá dois ou tres annos, na estrada publica que vae dar á villa de Obidos, proximo da povoação da Delgada, onde um pobre homem tem uma pequena casa, passaram os guardas fiscaes, e vendo umas pequenas plantas de herva santa, perguntaram pelo referido dono e responderam-lhe os vizinhos que estava na eira, no seu serviço de debulha.
Mandaram-n'o logo chamar. Veiu immediatamente e os guardas disseram-lhe: você tem aqui herva santa e esta herva é prohibida.
Mas eu não a conheço e ali atrás da casa, para o lado da estrada, ainda tenho mais alguns pés d'essa herva, que eu não sei como se chama e de que nenhum caso tenho feito.
Pois saiba que esta herva é para fazer tabaco, e está preso.
Levaram-n'o logo para Peniche, sem elle ter culpa alguma, e ficando espantado pelo que lhe succedia, assim como os vizinhos que tal presenciaram.
Os seus vizinhos e amigos acompanharam-o e declararam que elle nenhuma culpa tinha, e que, se appareceu essa herva e não a tinha logo destruido, era porque não a conhecia.
Pois nada d'isso lhe valeu e foi preso, como disse, para Peniche, a 4 leguas de distancia de sua casa.
Depois de muitas peripecias, foi enviado para as Caldas, sede da comarca, onde se póde afiançar. N'isto levou dois ou tres dias, em que a familia e os amigos estiveram.