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O sr. Teixeira Marques: — Uma vez que a sessão esta prorogada parece-me que poderia agora usar da palavra para dar algumas explicações...
Uma voz: — A sessão estava prorogada, mas era para a votação.
O Orador: — N'esse caso peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me permitte dizer agora duas palavras.
Vozes: — Falle, falle.
O sr. Teixeira Marques: — Depois da declaração do illustre relator da commissão, em virtude da qual queria s. ex.ª retirar o artigo por que termina o parecer da maioria, e substitui-lo pelo da minoria, podia eu forrar-me ao dever de dar estas explicações; s. ex.ª hontem acoimou-me de incoherente dizendo que — a commissão, á excepção da minha pessoa, tinha cumprido a sua palavra! — Mas desde o momento em que s. ex.ª declarou que o artigo do parecer da minoria era o mesmo, era igual ao da maioria, e por isso o adoptava como substituição, claro esta que não existe a contradicção que até aqui se tem querido indicar. Isto é, maioria e minoria, na questão fundamental, estão perfeitamente de accordo.
S. ex.ª dizia hontem que —não entrava no debate, porque se achava opprimido pela bills, assim como tambem se sentia um pouco perturbado na sua rasão. Effectivamente parece que s. ex.ª, de ha um mez a esta parte, tem dado provas de que anda repleto de bills, e então precisava atacar um individuo que nunca lhe fez mal (apoiados). Póde ser que alguma vez o meu voto se não prestasse a qualquer plano secreto que s. ex.ª tivesse em vista; mas o illustre deputado póde tambem ter a certeza de que nunca hei de sacrificar o meu voto e a minha consciencia á realisação dos seus planos. Offendi-o por isso?
Por mais que medite, não me recordo de um unico facto, pelo qual possa suppor que o sr. Santos e Silva tenha motivos para me aggredir! E não obstante fê-lo!
Disse s. ex.ª, repito, — toda a commissão cumpriu a sua palavra, á excepção de um membro—. É preciso que eu diga quem foi versátil nas suas opiniões, e que o diga bem alto, trazendo para aqui factos que se passaram na commissão de fazenda. Auctoriso-me para isso com os precedentes de s. ex.ª e de outros illustres oradores, que têem vindo á tribuna revelar factos passados no gabinete da commissão de fazenda, e mesmo porque me parece que as sessões da commissão não são secretas. A commissão de fazenda ou outra qualquer representa uma delegação da camara e representando uma delegação da camara os seus actos necessariamente devem ser patentes á mesma camara.
Que se fez? Eu digo. O ministerio passado apresentou aqui uma proposta sobre desamortisação. Votei essa proposta sem a menor declaração, e talvez fosse esse o unico projecto da situação passada que votasse com enthusiasmo, porque achava n'elle um grande alcance financeiro; talvez que outras pessoas não tivessem a mesma opinião.
Depois o governo transacto reconheceu os attritos e as difficuldades que tinha a vencer, não só pela cotação das inscripções a 50 por cento, mas, e muito especialmente, por causa da desamortisação obrigatoria dos passaes dos parochos. E o que fez? Pediu o adiamento da sessão, e este adiamento importava o da questão (apoiados). Até quando? Até á proxima reunião do parlamento (apoiados). O adiamento da camara importava necessariamente o adiamento da questão (apoiados). Era uma cousa clara.
E n'essa occasião não se levantaram os escrupulos dos homens dos principios, dos homens que pugnam pelos santos principios da liberdade, não se levantaram para condemnarem o procedimento do governo, e agora, quando se trata de adiar a mesma questão, talvez pelos mesmos motivos por que se adiava então, é que elles lhes vieram! E por que se dão esses escrupulos? Vou contar á camara o que aconteceu, não commento, e se acaso proferir alguma expressão menos conveniente, desculpem-m'a, porque não esta no meu proposito, não quero, nem desejo faltar ao respeito que tenho a esta camara em geral, e a qualquer dos seus membros em particular.
O governo actual, vendo que não podia fazer passar a lei da desamortisação tal como estava, diante das difficuldades que se levantaram, apresentou outra proposta em que subtrahia á acção da desamortisação os passaes, e não incluia as inscripções cotadas a 50 por cento.
Foi esta proposta presente á commissão de fazenda, e a commissão declarou que a approvava porque não queria levantar obstaculos nem difficuldades ao governo; mas declarou tambem que, se acaso na camara se apresentasse algum additamento tornando extensiva a desamortisação aos passaes, a commissão o aceitaria.
Effectivamente assim se fez. Veiu o parecer da commissão sobre esta proposta do governo; na discussão porém o sr. Rodrigues de Azevedo apresentou um additamento para serem comprehendidos os passaes. Esse additamento foi votado pela camara, e no dia. seguinte apresentou-se o illustre deputado, auctor do additamento, explicando o que queria dizer aquella votação. O sr. relator da commissão declarou o seu voto no mesmo sentido. Eu votei sempre em principio a desamortisação dos passaes.
Houve outra reunião na commissão de fazenda em que se pediu a interpretação que commissão dava á proposta do sr. Rodrigues de Azevedo. A esta sessão assisti eu conjunctamente com os meus collegas, e a commissão disse que não podia dar-se outra interpretação senão aquella que se tinha dado, e unica aceitavel, de que a desamortisação dos passaes era obrigatoria.
No dia immediato houve outra reunião da commissão de fazenda, a ultima. Apresentaram-se então as emendas feitas por alguns srs. deputados ao projecto da commissão, e entre ellas a do sr. Freitas e Oliveira. Foram rejeitadas todas, á excepção da do sr. Freitas e Oliveira.
N'essa occasião o illustre relator da commissão, que me accusa de incoherente, apresentou-se perante a commissão com dois pareceres, sendo um aquelle que o illustre relator assignou e apresentou á camara, e outro para a hypothese contraria, isto é, para o adiamento puro e simples, não obstante ter-se votado na camara outra cousa...
O sr. Santos e Silva: — É menos exacto.
O Orador: — E exacto, e este parecer esta em meu poder; eu vou lê-lo á camara, e peço aos srs. tachygraphos que o transcrevam. O parecer do sr. Santos e Silva diz o seguinte:
«São pois attendiveis as rasões produzidas pelo sr. ministro da fazenda, mas a commissão não póde nem deve prescindir de um principio por ella claramente professado, como é a desamortisação obrigatoria dos passaes. Entretanto de um principio á sua applicação vae a distancia que a opportunidade e as circumstancias politicas, em certos casos, podem crear.
«A commissão, attendendo a que o governo, perante ella, se comprometteu solemnemente a apresentar, na proxima sessão legislativa, uma proposta de lei que torne obrigatoria a desamortisação dos passaes dos parochos, regulando a applicação d'este principio, e estendendo-o a outros bens e direitos prediaes, é de parecer que tão importante materia seja adiada para a proxima sessão legislativa.»
A conclusão d'este parecer foi pelo sr. presidente da com, missão posta igualmente á votação...
O sr. Santos e Silva: — Eu já vou explicar-me.
O Orador: — Pediu-se o voto do sr. Faria Guimarães, rejeitou; seguiu-se depois o sr. Faria Blanc, votou a favor do adiamento; depois seguiu-se o sr. Santos e Silva, e este senhor disse que se reservava para votar a final, porque seguiria a opinião da maioria. Por ultimo cumpriu a sua palavra, rejeitando o adiamento, e dando o seu voto em favor da proposta do sr. Freitas e Oliveira!!!
Eis-aqui esta o voto consciencioso do sr. Santos e Silva. Se s. ex.ª não tivesse atacado o meu procedimento, não ouviria isto.
Seguia-me eu a votar em quarto logar, e declarei que no estado em que a questão se apresentava era muito difficil dar desde já o meu voto. Effectivamente não votei nem o parecer da maioria, nem o da minoria, e pedi um praso para pensar, como têem feito muitos srs. deputados.
Depois de ter meditado votei com a minoria.
Lembra-me bem que, quando se tratou da questão do caminho de ferro de sueste, o sr. Santos e Silva, na primeira sessão da commissão de fazenda não votou, e em outra sessão disse: «preciso esclarecer-me sobre o verdadeiro merito do contrato, porque não sei se será melhor votar um contrato mau, ou fazer caír o ministerio». Depois veiu e votou a favor do contrato! Eu votei contra, e votando eu assim, diz s. ex.ª que caí em grande contradicção! Está enganado, não fui contradictorio então, nem agora, como foi s. ex.ª A prova é que s. ex.ª veiu hoje pedir á camara a substituição do artigo, por que acabava o parecer da maioria, pelo artigo por que termina o parecer da minoria!
Agora com respeito a uma expressão que hontem o sr. Santos e Silva soltou, relativamente ao que eu tinha dito, fazendo-se como que zelador da minha palavra, declaro aqui e em toda a parte que a rejeito.
(O orador não reviu este discurso).
O sr. Santos e Silva (para explicações): — Querer o illustre deputado attribuir-me coleras que eu não tenho, é fazer-me uma graça que eu não aceito. S. ex.ª é que acaba de dar uma prova á camara, que as está exhalando por toda a parte. Felizmente eu e a camara temos esperanças de que passadas vinte e quatro horas s. ex.ª esteja restabelecido do seu grave incommodo, porque estes desabafos trazem taes resultados que são sempre muito uteis (apoiados).
O illustre deputado, emquanto não desabafasse, estaria sempre alterado, mas ámanhã é provavel que esteja melhor, e até bem commigo.
Tenho a declarar a s. ex.ª que esta equivocado. É o que costuma produzir a tal cólera. Eu não disse que o illustre deputado tinha faltado ao seu dever e á sua palavra; disse que a maioria da commissão tinha cumprido o seu dever e a sua palavra.
O sr. Teixeira Marques: — Referiu-se pessoalmente a mim.
O Orador: — Referi-me para contar os factos como se passaram, o sem dizer que o illustre deputado tinha deixado de cumprir o seu dever; e até me parece que no meu discurso haverá alguma expressão d'onde se collija que eu não quiz emittir opinião alguma a esse respeito. Deixei essa apreciação á camara, e omitti o meu juizo.
Não tive pretensões a exercer tutelas, e portanto não tem nada a rejeitar, como o pretendeu fazer com tão grande indignação.
Emquanto a um papel, que deitei para baixo da mesa na commissão de fazenda, e foi apanhado não sei por quem...
O sr. Teixeira Marques: — Não deitou para baixo da mesa, foi votado.
O Orador: — Foi votado? Votado o que? Eu explico á camara como este negocio se passou.
Ventilara-se na comissão de fazenda, se se devia ou não aceitar uma emenda, para consignar no projecto n.° 1 a desamortisação obrigatoria dos passaes. Dividiram-se as opiniões; uns pugnavam pelo principio, outros inclinavam-se para as rasões de opportunidade produzidas pelo sr. ministro da fazenda. O que lá se não discutiu foi a idéa que a minoria consignou no seu parecer. Ou a desamortisação effectiva e obrigatoria desde já, ou um adiamento definido e limitado até á proxima sessão legislativa; foi sobre isto que versou a discussão.
Quando a discussão ía em certa altura, pedi eu licença para ler o meu parecer, acrescentando que, se a maioria não o aceitasse, teria de aceitar o adiamento, fundamentado em taes e taes rasões, que então expuz, e que acabava de apontar a lapis n'um bocado de papel. Tudo isto devia ter sido presenciado pelo illustre deputado, que se sentava junto de mim. E pois menos exacta a affirmativa do illustre deputado, quando disse, que eu trazia dois pareceres feitos de casa. Até creio, que mostrei ao illustre deputado o meu borrão na occasião em que o fiz, antes de o ler á commissão. Declarei tambem que estava disposto a seguir a opinião da maioria, e a relatar um parecer em conformidade com as suas decisões. Foi por isso que me reservei para votar no fim. Eram estes os meus compromissos; eram estes os compromissos, creio eu, do nobre deputado. A camara apreciará quem fallou á sua palavra, quem faltou ao seu dever e quem reconsiderou. Não fiz, nem faço, observações n'este sentido.
A sessão terminou, aceitando a maioria o meu parecer e a moção, para se consignar na lei a desamortisação obrigatoria dos passaes. Perguntei aos illustres dissidentes, se queriam que se fizesse menção, no parecer, do seu voto em separado. Tres disseram que sim. O sr. Teixeira Marques ficou suspenso.
O tal papel que ficou debaixo ou em cima da mesa tornou-se uma cousa inutil, e se foi discutido ou votado, foi de certo rejeitado por mim. Aqui tem a camara o tal famoso documento, com que o illustre deputado me quer fulminar. É uma cousa que eu rejeitei, é uma cousa que, se tem dono, não pertence de certo a s. ex.ª, para vir aqui fazer uso d'ella. Entretanto eu não reclamo direitos de propriedade. Aquillo não compromette nem liga ninguem. Nem lá está o meu nome, nem lá estão as minhas opiniões. Era trabalho adiantado para uma hypothese, que se não realisou. Era um borrão, era um rascunho a lapis, sem formalidades e sem assignatura. O illustre, deputado apanhou-o ou alguem lh'o forneceu, para me vir fazer carga com uma cousa que não é sua. A camara avaliará o que valem armas d'esta natureza.
Mas vamos á questão. O que tem o tal papel com o parecer da minoria? Nada. Um adiamento definido, em presença de qualquer rasão de estado, que me podesse convencer, poderia eu aceitar; mas um parecer, cujos considerandos estão a brigar com as conclusões, e cujo artigo esta a brigar com os seus §§, isso é que é inaceitavel, isso é que é contradictorio.
Disse o illustre deputado que a camara não aceitára o parecer da maioria da commissão; mas eu posso tambem responder ao sr. deputado que a camara acaba de demonstrar a consideração em que tem pareceres tão logicos e tão sensatos, como o da minoria.
A camara rejeitou-o apesar de vir escudado com a protecção do governo. Repito, se a maioria dos meus collegas da commissão de fazenda tivesse adoptado um adiamento definido, fundado em rasões serias, aceita-lo-ía. O que ninguem póde aceitar é um artigo contradictorio, que garrota n'um § o principio que estabelece. Isto é novo entre nós.
Pretendeu tambem o illustre deputado achar-me em contradicção, como se as minhas contradicções podessem salvar as suas, quando descobriu, que eu ha pouco aceitava o artigo da minoria. De certo. Aceito, porque é o nosso principio ampliado aos bens e direitos prediaes, que fazem parte da dotação do clero. Onde esta aqui a contradicção? O que eu não aceito, o que eu rejeito in limine, são os seus §§, e principalmente o § 2.°
Não digo mais nada. Peço por ultimo ao illustre deputado, em nome da honrosa profissão que exerce, em nome da humanidade, que esta entregue aos seus cuidados, em nome dos altos interesses politicos do paiz, que tenha o seu espirito mais pacifico e conserve a ma rasão mais fria, como precisa ter para tratar dos seus doentes e entregar-se, nas horas vagas, ao estudo dos negocios publicos. Não continuo n'essa irritação que lhe faz mal, e me esmaga o coração quando o remorso vem aguilhoar-me, recordando-me que fui eu o auctor do estado de exaltação e irascibilidade em que s. ex.ª se encontra. Se eu adivinhasse que havia de accumular-se no seu coração aquella grande porção de cólera que veiu aqui derramar, não tinha proferido a seu respeito uma só palavra, porque os negocios publicos podem perder muito se continua o seu estado de irritação.
Tenho dito.
O sr. Presidente: — A deputação que ha do apresentar a Sua Magestade alguns authographos das côrtes geraes é composta dos srs. Lobo d'Avila, barão da Trovisqueira, Faria Blanc, Almeida e Araujo, e Annibal. Os srs. deputados serão avisados do dia e hora em que Sua Magestade recebe a deputação.
A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje e mais os projectos n.ºs 15 e 16.
Está levantada a sessão.
Eram quasi cinco horas da tarde.