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1815

Em relação á provincia de S. Thomé desejava que s. ex.ª me dissesse quaes os motivos por que até ao presente não foi cumprido n'aquella provincia o decreto de 25 de outubro de 1859, que mandou tirar da circulação a moeda provincial de cobre para ser substituida pela moeda do reino.

Todos sabem que a moeda de cobre da provincia de S. Thomé é uma moeda muito depreciada, uma moeda que tem um valor intrinseco muito insignificante, e que sendo ali bastante procurada para todas as transacções, da sua falta resulta um grande agio contra os que d'ella precisam quando pretendem trocar oiro por cobre.

D'esta carestia necessariamente ha de resultar, se por mais tempo deixar de ser cumprido o decreto de 25 de outubro de 1859, a importação de algum dinheiro por contrabando, e por fim ha de ser o governo e o paiz que ha de ter de pagar todo o dinheiro que a maior existir illegalmente.

Por consequencia desejo saber quaes os motivos por que até hoje não foi cumprido o decreto de 25 de outubro de 1859.

A outra pergunta que desejo fazer a s. ex.ª é se, em virtude do artigo 14.° do decreto de 12 de outubro de 1852, que mandou proceder ao recenseamento de toda a divida publica nas provincias ultramarinas, e por consequencia, na provincia de S. Thomé, as juntas de fazenda têem habilitado o governo com o recenseamento d'essas dividas.

E a terceira pergunta é — se o decreto de 23 de julho de 1862, referendado por s. ex.ª o actual sr. ministro da marinha, decreto que elle publicou para a devida execução do outro de 18 de dezembro de 1854, que ordenou a venda das roças do estado, existentes na provincia de S. Thomé, têem ou não sido cumpridos, como eram os desejos de s. ex.ª, como foram sempre os meus desejos, e como foram os desejos do ministro que em 1854 publicou aquelle decreto.

S. ex.ª, levado pelo zêlo que tem mostrado pelas cousas publicas, e conhecendo a necessidade de se cumprir aquelle decreto, publicou, como disse, o decreto de 23 de julho de 1862, o qual, no artigo 3.°, para facilitar os trabalhos preparatorios e indispensaveis para a realisação da venda d'aquellas roças, encarregou ao administrador do concelho, sob a inspecção superior da junta de fazenda, de proceder com os peritos á medição, confrontação e avaliação das roças de que trata o artigo 4.° do decreto de 18 de dezembro de 1854.

Consta-me porém que houve um conflicto entre a junta de fazenda e o administrador do concelho; e a junta arbitrariamente nomeou um individuo para fazer as vezes do delegado do procurador regio com o vencimento diario de 20$000 réis. Supponho que este vencimento era só para os dias em que o individuo ía assistir á medição das roças; é certo porém que as juntas de fazenda não podem votar despezas que não estejam auctorisadas por lei, e no orçamento da provincia de S. Thomé não vejo auctorisada similhante despeza. Se o delegado podia assistir, não devia a junta de fazenda nomear outro individuo para o substituir...

O sr. Ministro da Marinha; — Foi o proprio delegado que o nomeou.

O Orador: — Então se foi o proprio delegado que nomeou o seu substituto, não tinha a junta obrigação de pagar nenhuma gratificação.

A quarta pergunta que eu desejo fazer ao sr. ministro da marinha é — se s. ex.ª viu o projecto de lei que o sr. marquez de Sá da Bandeira apresentou na outra casa do parlamento, relativo á abolição, desde já, da escravidão em S. Thomé, e nas outras provincias quando poder ser.

Eu desejo que a abolição da escravidão se estenda a todos os dominios portuguezes, e n'este ponto concordo com a idéa do projecto do sr. marquez de Sá. Mas no que não posso concordar é nos meios que o mesmo projecto apresenta para indemnisar os senhores dos escravos.

Desde que se abolir a escravidão em S. Thomé, ha de seguir-se necessariamente uma indemnisação aos senhores, porque emquanto existirem escravos não pôde deixar de se reputarem uma propriedade dos senhores.

Segundo um officio do governador de S. Thomé, enviado ao ministerio da marinha em 7 de setembro de 1$56, e segundo o registo feito n'aquella provincia, vê-se que na provincia de S. Thomé havia perto de 8:000 escravos; e portanto querendo-se abolir a escravidão em S. Thomé, é necessario que o governo veja o modo como ha de indemnisar os senhores.

Chamo tambem a attenção do sr. ministro da marinha sobre a necessidade de mandar ordens terminantes para que os empregados da Ilha do Principe sejam pagos em dia, assim como o são os de S. Thomé.

Os empregados da Ilha do Principe andam atrazados nos pagamentos cinco a seis mezes, e eu não acho rasão que possa justificar similhante atrazo, porque a verba de despeza votada no orçamento nunca se gasta toda, e havendo, como ha, uma receita sufficiente na provincia de S. Thomé, entendo que todos os empregados devem ser pagos em dia.

Lembro tambem a s. ex.ª a necessidade de fazer uma promoção nos officiaes existentes na provincia de S. Thomé, ou então dar as ordens convenientes ao governador de Angola, para que cumpra o decreto de 15 de julho de 1857, que obriga a apresentar com regularidade as suas, propostas para as promoções, nas quaes devem ser comprehendidos os officiaes de S. Thomé e Principe.

Aquelle decreto não foi cumprido por muito tempo, eu por muitas vezes pugnei n'esta casa pelo seu cumprimento; e o meu amigo, o sr. Carlos Bento, quando era ministro da marinha, foi o primeiro que fez a promoção dos officiaes da provincia de S. Thomé. Depois d'essa epocha julgo que ainda não houve outra promoção...

(Áparte do sr. ministro da marinha.)

O Orador: — Já houve outra promoção no tempo do actual sr. ministro, mas supponho que os officiaes de S. Thomé ainda se acham preteridos. Peço portanto ao sr. ministro da marinha que tome algumas medidas a este respeito, e indague se tem sido devidamente cumprido o decreto de 15 de julho de 1857.

Eram estas ao reflexões que eu tinha a fazer em relação á provincia que tenho a honra de representar n'esta casa. Em relação a outros pontos de administração concernentes ao ultramar, tambem chamo a attenção de s. ex.ª sobre a necessidade de se derogar ou ao menos alterar o decreto de 27 de dezembro de 1852, que trata das syndicancias ordinarias a que estão sujeitos alguns empregados do ultramar.

Até hoje, por melindre pessoal, tenho-me sempre conservado silencioso sobre este objecto, porque tendo eu servido no ultramar, e sendo um dos empregados que tinha syndicancia ordinaria, não quiz levantar a minha voz n'esta casa para mostrar a necessidade da derogação d'aquelle decreto, emquanto não tivesse as minhas syndicancias julgadas.

Hoje porém que já estou livre d'aquellas syndicancias, porque já estão ambas tiradas, e uma já foi julgada, e a outra em breve ha de se-lo, cumpre-me fallar desassombradamente sobre a necessidade da derogação ou alteração d'aquelle decreto.

Eu não quero que o governo deixe de estar armado com uma lei para mandar syndicar de todos os empregados do ultramar, mas quero que as syndicancias sejam mandadas tirar extraordinariamente, e quando houver queixas ou suspeitas contra quaesquer funccionarios, eu quero as syndicancias extraordinarias, mas reprovo as syndicancias ordinarias, e é n'esta parte que eu entendo que é altamente inconveniente o citado decreto de 27 de dezembro de 1852. Ao governo, quando tiver motivos para mandar syndicar dos actos de qualquer empregado, não quero tolher o direito de mandar tirar a syndicancia, mas as syndicancias ordinarias não servem senão para terem o empregado, que tem cumprido o seu dever, debaixo da pressão de não estar ainda julgado.

Sem embargo das terminantes disposições do decreto que citei de 27 de dezembro de 1852, acontece que decorrem annos sem se tirar as syndicancias ordinarias, em prejuizo dos funccionarios do ultramar, e em manifesta violação das disposições d'aquelle decreto.

Por exemplo, diz o § 6.° do artigo 2.°:

«Esta inquirição summaria será concluida dentro de trinta dias da affixação dos editaes...»

E diz mais o § 13.° do mesmo artigo 2.°:

«Todo o processo preparatorio até aqui estabelecido se concluirá em tres mezes, ao mais tardar, contados do dia em que o syndicado deixar de exercer o seu cargo, e se retirar do logar em que residiu, nos termos do § 1.°...»

E diz mais o artigo 16.° do dito decreto:

«Quaesquer auctoridades ou funccionarios que forem omissos ou negligentes no que d'elles depender, para se processarem e julgarem as syndicancias, incorrerão em uma multa de 10$000 a 100$000 réis, sem prejuizo de maior pena quando procederem com dólo, nem da que já fica comminada no artigo 2.º aos juizes que não tirarem as syndicancias quando cumprir.»

Todas estas disposições são claras e terminantes, e apesar d'isto ha funccionarios que depois de servirem tres, quatro e seis annos não se lhes tira a syndicancia. Isto assim não pôde continuar.

A este respeito annunciei uma interpellação na sessão de 6 de março do anno passado, interpellação que foi publicada no Diario de Lisboa n.° 53 do mesmo mez; e então para fundamentar a minha interpellação mandei um requerimento pedindo ao governo que enviasse a esta camara a relação de todos os empregados que tinham concluido as suas funcções desde 1852, e aos quaes se não tinham tirado as syndicancias. Essa relação não veiu, naturalmente por esquecimento; e tambem por esquecimento s. ex.ª não respondeu aquella interpellação.

Hoje não pretendo verifica-la, e sómente desejo chamar a attenção de s. ex.ª para a necessidade de dar ordens muito terminantes para que sejam tiradas as syndicancias a todos os funccionarios que tiverem concluido as suas funcções.

Portanto, chamo a attenção de s. ex.ª sobre a necessidade de mandar rever aquelle decreto e apresentar as modificações que julgar convenientes.

Eu, pela minha parte, declaro que votarei pelas syndicancias extraordinarias, mas votarei contra qualquer proposta de lei que tenda a estabelecer as syndicancias ordinarias, porque estas, como disse, nao servem senão para ter de baixo de uma pressão, e muito grande, os empregados que têem a consciencia de, que cumpriram com os seus deveres. E não é só por isto que eu quero ver esta lei derogada ou alterada, é ainda porque nas suas disposições ha ambiguidades que dão logar a interpretação umas vezes favoravel aos interessados, e outras vezes contraria.

Por exemplo, o artigo 18.° diz:

«Nenhuma das pessoas, a que se refere o presente decreto, depois que deixar de exercer o respectivo cargo, e antes de ter tido logar a competente syndicancia, e ficar n'ella absolvida de toda a culpa e imputação, poderá ser despachada para o conselho ultramarino, nem exercer qualquer commissão de serviço publico administrativo, militar, ecclesiastico ou municipal, no ultramar, nem ser agraciado com qualquer mercê honorifica.»

Já vê a camara que o individuo que acaba as suas funcções, emquanto se lhe não tirar sua syndicancia, não pôde ser agraciado, nem pôde ser nomeado para qualquer cargo no ultramar, á excepção dos juizes, que podem seguir a sua carreira.

Mas como tem sido interpretada a lei? Tem sido interpretada d'esta maneira; têem sido agraciados individuos que se achavam no exercicio das suas funcções, porque se diz que = a lei prohibe que sejam agraciados depois de exercerem o respectivo cargo, e que o podem ser emquanto estiverem em exercicio =.

Muitas vezes tem succedido serem transferidos um governador, um secretario ou um individuo que exerce um cargo administrativo de uma provincia para outra sem terem sido syndicados, e serem agraciados com mercês honorificas tendo concluido as suas funcções, mas sem terem as suas syndicancias.

Isto não é indifferente, porque a lei estabelece penas terminantes tanto aos individuos que aceitam essas graças honorificas e proveitosas, como aquelles que as dão.

O § unico do citado artigo 18.° diz:

«Aquelle que aceitar cargo, posto ou emprego contra a disposição d'este artigo, incorrerá em uma multa igual ao seu ordenado de um a tres annos, perderá as condecorações e titulos que tiver, e ficará inhabil para todas e quaesquer funcções publicas por tres a dez annos. Na mesma pena incorrerá quem o despachar, ou o deixar indevidamente exercer emprego publico.»

O sr. Ministro da Marinha: — Quaes têem sido?

O Orador: — -Quer que diga? Ainda ha pouco foi condecorado o juiz José Maria da Costa; foi condecorado o juiz de direito que foi de S. Thomé Bernardo Soares Vieira da Mota; o procurador geral da corôa junto da relação de Goa; e têem sido condecorados differentes juizes de direito de Goa por proposta dos governadores...

O sr. Ministro da Marinha: — E de direito.

O Orador: — E de direito violado pelo artigo 18.° do decreto de 27 de dezembro que ha pouco li, não podiam ser condecorados emquanto não fossem syndicados.

O sr. Ministro da Marinha: — E depois de acabarem as funcções.

O Orador: — O juiz de direito de S. Thomé, Bernardo Soares Vieira da Mota, não acabou as suas funcções, desde o momento em que foi nomeado juiz da relação? Desde o momento em que foi nomeado juiz de direito de 2.ª instancia deixou de ser juiz de 1.ª instancia, e como tal não podia ser condecorado sem ter a sua syndicancia.

O que diz a lei? «Nenhuma das pessoas, a que se refere o presente decreto, depois que deixar de exercer o respectivo cargo, e antes de ter tido logar a competente syndicancia, e ficar n'ella absolvido, etc. poderá ser agraciada com qualquer mercê honorifica».

Qual era o cargo que tinha concluido o dr. Mota, quando começou a servir como juiz da relação?

Os empregados administrativos têem sido transferidos de umas provincias para outras. O sr. Franco de Angola para Cabo Verde, o sr. Calheiros de Cabo Verde para Angola, e o sr. Barbosa Leão de Moçambique para Angola. Podiam elles ser transferidos de umas provincias para outras sem a previa syndicancia?

Eu não queria indicar os nomes; o meu fim era principalmente chamar a attenção de s. ex.ª para a necessidade de se derogar, ou mesmo modificar muitas das disposições que se acham consignadas n'este decreto.

Não é só sobre a lei das syndicancias que ha necessidade de que o governo apresente propostas n'esta casa; effectivamente s. ex.ª tem apresentado muitas propostas em favor do ultramar; sou o primeiro a reconhecer que s. ex.ª é um dos ministros que tem feito grandes serviços ao ultramar, que tem tomado uma larga e proveitosa iniciativa sobre os negocios a seu cargo, mas não se segue por isso que não faltem ainda muitas outras medidas importantes, e que é necessario sejam tomadas.

S. ex.ª tanto reconhece a necessidade de tomar providencias sobre todos os ramos da administração publica, que por decretos de 15 de abril de 1862 nomeou uma commissão para rever toda a legislação do ultramar e propor-lhe as alterações que julgasse convenientes.

Folguei muito de ver esse decreto, porque na sessão de 6 de março de 1860, quando aqui fallei por occasião da discussão da resposta ao discurso da corôa, ponderei a necessidade de que essa legislação fosse revista, e com prazer vi que s. ex.ª tomou a iniciativa sobre este objecto nomeando em 1862 uma commissão para o fim que indiquei em 1860.

Não pretendo pois fazer a menor censura a s. ex.ª

Pois então s. ex.ª não tem tomado já muitas medidas sobre differentes ramos de publica administração?! Tem nas tomado, e mesmo sobre a magistratura. E muitas das providencias que existem para o ultramar são melhores do que aquellas que existem no continente; tudo isto se deve ao nobre ministro da marinha.

Pois o registo criminal não foi decretado por s. ex.ª?! A prohibição aos delegados de poderem advogar não foi decretada por s. ex.ª?! O regulamento dos cartorios dos juizes e mais empregados de justiça não foi s. ex.ª quem o decretou?! E no continente não temos ainda nem o registo criminal nem o regulamento para os cartorios dos juizes e mais empregados de justiça; n'esta casa tenho constantemente instado por estas e outras medidas; a prohibição dos delegados de poderem advogar em Lisboa e Porto, só na sessão de 30 de maio ultimo é que approvámos, por occasião da discussão de um projecto de lei da iniciativa do sr. ministro da justiça, e ainda se não pôde tornar extensiva essa medida a todos os delegados do reino e das ilhas. Apesar de todas as medidas que indiquei, e que são da iniciativa do sr. ministro da marinha, entendo que ainda falta uma medida que reputo muito importante, e vem a ser, o acabar-se com a distincção entre a magistratura do reino e a do ultramar.

A este respeito parece-me que s. ex.ª tem já uma opinião