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SESSÃO N.º 109 DE 11 DE JULHO DE 1899 11

audazes, e se compulsavam elementos dispersos de observações pouco systematisadas. O que ella representa na epocha presente, senhores, e qual o seu futuro proxima, dil-o, com eloquencia, o illustre professor de direito, na universidade de Coimbra, sr. dr. Affonso Costa, no seguinte trecho de um seu livro, referindo-se á medicina-legal:

«Hoje dá o santo e a senha aos juizes e jurados na punição de tres quartas partes dos crimes graves occorridos no mundo culto. Hoje já a propria igreja a chama em seu auxilio para explicação de casos que outr´ora só por milagres poderiam bem destrinçar-se. O seu poder é enorme.

Ámanhã, quando os povos da terra, esclarecidos, lhe pedirem a fixação das categorias de delinquentes e a designação do logar que cabe a cada um; ámanhã, quando a lei lhe pedir a constatação de quantos elementos morbidos possa ter o miseravel que a ataca, a medicina-legal terá absorvido quasi por completo o ministerio punitivo.»

E assim é, e será, nos paizes de maior e mais pratica cultura intellectual, como a Allemanha, a Austria e a França. Em Portugal, porém, ao relancear os olhos pelo campo da instrucção medico-legal, e pelo exercicio forense d´esses importantissimos serviços, de que dependem, tantas vezes, a fortuna, a honra, a liberdade e a vida dos cidadãos, sentimos a desolação e o confrangimento de alma de quem retrograda dezenas de annos na escala do progresso.

Foram estas ponderosissimas considerações que actuaram no nosso espirito com tal intensidade e com tão grande fervor, que ousámos lançar hombros á empreza, apresentando ao vosso estudo e criterio a presente proposta de lei, tendente á organisação dos serviços medico-legaes do nosso paiz.

Já por duas vezes, senhores, que á camara dos senhores deputados foram submettidos projectos de lei sobre o exercicio da medicina nas suas relações com os tribunaes de justiça. O primeiro projecto, da iniciativa do antigo ente de medicina, na universidade, o sr. dr. Macedo Pinto, foi apresentado na sessão de 6 de fevereiro de 1857.

O segundo foi apresentado na sessão de 15 de fevereiro de 1882, pelo sr. dr. Cunha Bellem. Os projectos d´estes distinctos parlamentares, apesar de modestos e um tanto exclusivistas, por abrangerem sómente Coimbra, no primeiro, Lisboa e Porto, no segundo, deveriam ter merecido a attenção das camaras legislativas, pois que annunciavam uma tentativa valiosa, que formaria nucleo de mais largos emprehendimentos, e ter-nos-íam feito entrar no convivio civilisador das nações cultas da Europa.

Infelizmente foram infructiferos esses esforços benemeritos dos illustros medicos, e o exercicio da medicina legal continuou, até hoje, com os mesmos defeitos, igualmente rudimentar, como se estivessemos nos fins do seculo preterito.

É mister, todavia, saír do torpôr que nos avilta perante o mundo scientifico. E assim o têm comprehendido alguns publicistas, jurisconsultos notaveis, como os srs. Augusto Maria de Castro, Antonio Ferreira Augusto e Affonso Costa, cujas propostas, embora susceptiveis dos reparos da critica, têem muito de aproveitavel, particularmente nas disposições propriamente regulamentares.

Ser-nos-ia facil, pondo em pratica um vicio do nosso funccionalismo, elaborar um plano desenvolvido o completo da organisação d´estes serviços; bastaria para isso copiar o systema allemão ou austriaco. São obvios, no emtanto, os erros de um tal plagio, querendo implantar de um jacto, n´um paiz falho de recursos scientificos e monetarios, as maravilhosas instituições dos paizes ricos de sabedoria e dinheiro, e que mesmo n´esses paizes gastaram muitos decennios na sua consolidação e no seu aperfeiçoamento.

Levados por esta ordem de idéas, procurámos, pois, adaptar ao nosso meio social e ás condições do thesouro publico, os principios mais consagrados e as regras mais exequiveis para uma efficaz remodelação dos serviços medico-forenses. E, em uma nação onde tudo falta, teremos de começar pelos alicerces que hão de sustentar mais tarde toda a contextura do edificio.

Por esta rasão traçámos a urdidura da proposta sobre os pontos cardeaes que hodiernamente apontam os rumos da medicina legal, delineando as bases do ensino pratico d´esta sciencia; da investigação dos crimes e apreciação da capacidade juridica dos individuos; do estudo do criminoso em si e nas suas ligações com a sociedade; assim como attendemos, o mais possivel, á questão financeira, a qual, no tempo corrente, muito atormenta os cofres do estado. Serão, portanto, estes os capitulos a revistar.

Os artigos 2.°, 14.°, 15.° e 18.° da proposta procuram obstar á continuação do inutil e acanhado ensino theorico da medecina legal, unico que as nossas escolas professara, e dar-lhe a orientação pratica necessaria para fórmar genuinos peritos, cujas resoluções possam sem hesitação de consciencia basear as decisões dos tribunaes. Com rasão escreve Tourdes - « Combieu n´est-il pas utile de substituer la demonstration à la discription et de faire passer sous les youx des éleves les piéces materielles de tout débat. Le jeuno docteur, em quittant les banes de l´école, doit être capable de résoudre un problème de médcimo legale, comme il est apte à traiter un malade; c´est un prélude à 1´experience personelle qu´aucuno théorie ne devance, mais que prépare une bonne méthode d´observation. De même que la clinique compléte les études de la pathologie, de même aussi une obserration spéciale, une véritable clinique medico-legale est necessaire pour imtier 1´élévo à l´art des expertises et pour le mettre en état d´exercer dignemente cette partie si délicate des devoirs du médecin».

O ensino da medecina-legal foi regulado officialmente na Allemanha, embora frouxamente, em fins do seculo XVI, segiundo-se-lhe a Italia nos principios do seculo XVII, a França nos fins do seculo XVIII, e todas as demais nações já no percurso do seculo XIX. Todavia, algumas d´estas nacionalidades que vieram muito mais tarde, como a Inglaterra e os Estados Unidos, encorporar-se no cortejo scientifico, galgaram rapidamente todos os degraus, só por que imprimiram ao seu ensino o caracter demonstrativo que hoje domina. A França, que já em 1797 tinha Fedéré, e depois de 1801, Mahon, Chaussier, Esquirol, Tardieu, Sauile, etc., apenas ha uma duzia de annos tornou efficazes e brilhantes os estudos praticos da medecina-legal, instituindo a morgue de Paris sob a direcção do notavel professor Brouardel.

Em Portugal o ensino pratico falta por completo, e o ensino doutrinario e didactico é simplesmente mesquinho.

Decorrem gerações sobre gerações academicas, sem que os alumnos de medecina-legal observem, um cadaver, um ferimento, um alienado ou uma doença qualquer, sob o estimulo de uma preoccupação medico-legal.

Os medicos portuguezes sáem das escolas, tendo ouvido algumas preleções sobre casos citados nos livros da especialidade, e tão vazios de conhecimentos experimentaes, que bem podem aquilatar-se com aquelle perito, referido por Brouardel, e que representava, n´esse momento, a synthese do atrazo vergonhozo da França, em face de outros paizes, sobre a pratica medico-forense. Um medico francez, perito n´um supposto caso de estupro, declarara a existencia de crime, em vista da carencia do hymen, na pessoa examinada. Um segundo exame, feito por peritos de superior categoria, evidenciou intacta a membrana hymen. Pedidas explicações ao primeiro perito, este declarou, com toda a sinceridade, que o seu engano proviera de