SESSÃO N.° 5 DE 15 DE MAIO DE 1908
Não acompanharei de considerações de natureza alguma o requerimento que fiz pelo Ministerio da Guerra, porque não quero com ellas tomar tempo á Camara. É, por isso, que por aqui me quero, com respeito a este assunto; e, posto isto, mando para a mesa a proposta a que me referi, e que é d'este teor:
PROPOSTA
Discutindo-se a lei de receita e despesa, o abaixo assinado propunha, em sessão de 11 de abril de 1902, nesta Camara, uma syndicancia ás Secretarias do Estado, Acompanhou este alvitre de adequadas considerações, recordando o exemplo fornecido por Augias, com a limpeza dos seus estabulos, - exemplo por vezes invocado, como factor indispensavel de salubrização, por Napoleão I; e, referindo-se á situação avariada dos serviços publicos, nas mesmas secretarias, expressava-se pela seguinte maneira:
Um rigoroso inquerito ás secretarias seria como que o ponto de partida para se entrar em novo regimen, de grande proveito para o País, porque poria termo ao estado absolutamente anormal em que se encontram os serviços publicos.
Alvejando ainda o mesmo assunto apresentamos em sessão de 10 de novembro de 1906, estando em debate, nesta Casa a resposta ao discurso da Corôa, uma moção de ordem, de que destacamos estes dois periodos:
Para apuramento de responsabilidades, pelo viver desregrado dos annos derradeiros, está naturalmente aconselhado um escrupuloso inquerito ás secretarias do Estado como em 1879 e em 1880, e não visando apenas um ou outro funccionario, a quem provisoria e incidentalmente tenha amortecido a lampada que possue na casa de Mecca.
Já na sessão de 11 de abril de 1902 eu advogava, nesta Camara, a necessidade de se appellar para essa therapeutica, cujo aproposito aumentou depois, a diario, com a folia desperdiçadora dos tempos rotativos.
Proseguindo na mesma orientação, seja-nos licito recordar o artigo 15.° da Carta Constitucional, e o seu § 5.°, assim concebidos:
Artigo 15.° É da atribuição das Côrtes:
§ 5.° Na morte do Rei ou vacancia do Throno, instituir exame da administração que acabou, e reformar es abusos nella introduzidos:
Para considerar é igualmente que, no preambulo dos tres decretos politicos de 27 de fevereiro de 1908, se cita o § 5.° supra-transcrito, com cuja salutar doutrina o actual Governo se mostra theoricamente integrado; e connexamente convem ponderar tambem que o artigo 14.° do Primeiro Acto Addicional, de 5 de julho de 1852, preceitua:
Artigo 14.° Cada uma das Camaras das Côrtes teem o direito de proceder, por meio de commissões de inquerito, ao exame de qualquer objecto da sua competencia.
Condensadas, pela forma synthetica que fica exposta, as reflexões comprovativas da necessidade de dar cumprimento ao estatuido no § 5.° do artigo l5.° da Carta, cuja opportunidade se evidencia a todos os respeitos, entende esta Camara, sob a égide do artigo 14.° do Primeiro Acto Addicional:
1.° Que por ella seja nomeada uma commissão de 21 membros, que, dividida em secções, procederá a rigorosa syndicancia ás Secretarias do Estado, e suas dependencias, a qual abrangerá todo o periodo do reinado transacto.
2.° Que a commissão inaugurará os seus trabalhos, procedendo ao apuramento das responsabilidades de toda a ordem, motivadas pelos adeantamentos illegaes á Fazenda da Casa Real e a quaesquer funccionarios do Estado - apuramento que deve abranger todos os beneficios de natureza varia, auferidos pela Coroa, por os diversos Ministerios, com violação das leis do reino.
3.° Que a commissão seja investida de plenos poderes, indubitavelmente consentaneos com a melindrosa e alta missão que lhe é confiada, e indispensaveis para que ella não possa, por circunstancia alguma, ser contrariada e diminuida no exercicio das suas importantes funcções. = Sebastião Baracho.
Não pode offerecer duvida aos caracteres bem equilibrados a necessidade, mais do que isso, a urgencia, de proceder a um minucioso balanço na administração publica. Para esse fim está naturalmente indicada uma escrupulosa syndicancia ás secretarias de Estado, escrupulosamente effectivada em todos os seus ramos e especialidades. Nestas sadias circunstancias se deveria inaugurar o novo reinado, com a associada liquidação dos erros transactos. Não succederá porem, assim. Os acanhados interesses de facção e de seita terão a preferencia sobre os de condição genuinamente honesta e moral.
Porque conheço, e bem, o meio em que vegetamos, não alimento a minima illusão referentemente ao destino que está reservado a mais esta minha proposta, consoante se evidenciará quando ella tiver segunda leitura.
Irá por certo acompanhar as outras, no limbo das commissões, sem que d'ella se tire o devido ensino, cujo objectivo seria evitar attentados e desfazer atropelos, que se accumulam uns sobre os outros, na quadra de nitida e exautorante decadencia que vimos desgraçadamente atravessando.
Nisto, como em tudo o mais, se evidencia a situação extremamente grave em que se encontra o regimen, que appella, de resto, frequentemente para a força brutal, quando deveria prestar exclusivamente culto á liberdade e ao legalismo.
Na sessão transacta, o Sr. Presidente do Conselho, respondendo ás allegações por mim explanadas anteriormente, affirmou como attenuante a registar, no seu conceito, que a truculenta ordem geral n.° 3 da guarda municipal não tinha sido recordada para a sua execução, na vigencia do actual commandante, a cujas prudentes opiniões S. Exa. fez allusão.
A ordem a que alludo é aquella - convem recordá-lo - que manda fazer as pontarias ao centro do alvo, para que as munições não sejam perdidas.
As reflexões do Sr. Presidente do Conselho, longe de alliviarem as responsabilidades dos seus subordinados, mais os sobrecarregam.
Pelo facto de a execução d'essa ordem não ter sido lembrada, nem por isso ella deixa de existir, conspurcando os livros respectivos das companhias e esquadrões em que está lançada. De mais, tão viva ella está na mente dos seus pretorianos executores que não ha a menor necessidade de recordá-la. Haja em vista a matança no Rocio, em 5 de abril.
Não houve necessidade alguma de reavivar essa ordem cruel, para que tivesse plena e barbara: applicação. A ordem geral n.° 3 existe, portanto, não só nos livros de escrituração da guarda, como no uso selvatico que d'ella se tem feito e faz. Insisto, pois, em que se torna mester cancelá-la, destrui-la e inutilizá-la por outra ordem, que seja, no seu tem e nas suas modalidades, o invés da que se tem em mim e deve annullar.
Realize se essa imprescindivel depuração, em nome dos generosos principios humanitarios e dos preceitos inilludiveis da decencia, compostura e moderação, tão harmonicos, na sua essencia, com o viver das corporações militares que se prezem, qualquer que seja a sua indole e aspecto especial.
A este respeito não é licito haver duas opiniões.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Jacinto Candido: - Sr. Presidente: eu pedi a palavra sobre a proposta do Digno Par Sr. Baracho, que hoje teve segunda leitura.
O Sr. Presidente: - Mas sobre essa proposta não houve discussão.
O Sr. Jacinto Candido: - Peço perdão. Na mesa leu-se uma proposta, essa proposta teve o devido destino que V. Exa. lhe deu, foi á commissão respectiva.
Sobre essa proposta pediu a palavra o Digno Par Sr. Baracho, e quando S. Exa. estava falando sobre o assunto eu inscrevia-me para dizer a V. Exa. e á Camara que reclamo da commissão a urgencia do parecer d'essa proposta, porque entendo que é necessario cumprir a lei integralmente. Era isto o que