SESSÃO DE 20 DE ABRIL DE 1886 49
Nasceu aquelle homem importante n'este paiz, tão limitado em população e em recursos: se Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello se podesse contar entre os estadistas de Inglaterra ou da França, seria de certo o maior dos seus contemporaneos.
A proposta do digno par o sr. Serpa é para que se lhe levante uma estatua ou um busto n'esta sala.
No parlamento ganhou elle os maiores triumphos, e deixou os tropheus do seu esplendor; justo é que se lhe preste aqui essa devida homenagem.
E eu quero, por um dever de coração e por homenagem á sua memoria, deixar no pedestal d'essa estatua a expressão singela do meu respeito e da minha saudade.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Antonio Augusto de Aguiar: - Sr. presidente, fallou o mais antigo amigo de Fontes Pereira de Mello; ninguem por certo estranhará que diga tambem duas palavras o seu amigo mais moderno.
Por menos auctorisada que seja a minha individualidade politica, parecem e que faltaria a todos os deveres de homem publico, se não levantasse a minha voz n'esta occasião solemne para commemorar em termos concisos e calorosos, com lagrimas de verdadeira dor, a ausencia do homem eminente que a morte em breves dias nos roubou.
Não tenciono abusar da benevolencia da camara, nem servir-me das molas cansadas da rhetorica.
O momento é sobremodo respeitoso para que nos lembremos unicamente de compor phrases.
O assumpto é deveras commovedor para que seja preciso fazer ostentação de palavras.
O homem é um cidadão excepcional cujas virtudes civicas não esquecerão tão depressa.
Pouco tempo o conheci como politico. O meu advento a esta tambem data apenas de alguns annos. Mas, no curto periodo que tive a fortuna de ser ministro com elle, devi-lhe taes affectos de elevada consideração, que o seu passamento abalou profundamente o meu espirito.
Tambem me não esqueço que, logo nos primeiros dias da minha estreia no parlamento, e em seguida a um dos primeiros discursos que proferi n'esta casa, elle me respondeu com um dos melhores elogios a que podia aspirar. Não devo repetir as suas phrases, porque foram filhas da sua grandeza de alma: faltaria, porém, a mim proprio, se hoje, que não dependo nada d'elle, não viesse, primeiro e mais que tudo como amigo, sem pretensões de especie alguma á mais tenue parcella da sua testamentaria politica, chorar a sua perda e lembrar-me de alguns factos d'aquella vida memoravel que o tornaram distincto entre os mais habeis, como celebre se mostrou constantemente na defeza legitima das instituições monarchicas, sem subserviencias ao throno nem bajulações ao povo.
De uma cousa apenas me lisonjearei aqui. O meu tributo de admiração por este homem não nasceu da sepultura d'elle!
Não é uma admiração posthuma, tão vulgar entre nós, das que brotam por entre os goivos e saudades de uma campa!
Não é uma admiração que necessite, para se expandir, da presença de um cadaver, que, escondido na terra, já não projecta sombras sobre os vivos!
É uma admiração que não carece da queda ou desapparecimento dos homens para que mostre a coragem de elogial-os com maior desafogo!
É uma admiração espontanea, sincera, adequada, e similhante á que todas as multidões professam pelos primores, mais exaltados da natureza, da arte, ou do talento!
É uma admiração convicta, harmonica, honesta, desinteressada, como aquellas que só os attributos mais lidimos da alma humana, generosa e justiceira deixam gosar n'um coração affectuoso!
Sim. Uma admiração que os admirados semeiam no espirito dos admiradores, como o cultivador no seio da terra depõe o germen dos mais frondosos arvoredos!
Uma admiração que nasce da propria consciencia, e que não precisa para existir de paga, de favores, de distincções, de recompensas, de generosidades!
Admirando-o assim, respeitei-o sempre, e a minha consciencia sente agora suave consolação, ao lembrar-me que elle entrou no tumulo sem haver recebido um aggravo meu.
Deixae-me repetir mais uma vez, que não fallo em nome da politica. O pouco que preciso aqui dizer será antes em nome das tres forças productivas da nação, do commercio, da agricultura e da industria, que elle sempre honrou e promoveu! (Apoiados.)
Fontes conheceu a sua epocha. Soube identificar-se perfeitamente como ella, e tirar do seu trabalho o resultado mais proficuo.
O seu governo seguiu as tendencias da sociedade em que teve predominio. E o seu processo, muitas vezes herdado de Rodrigo, aproveitava as qualidades e defeitos do meio social a que era applicado.
Se a ingrata politica é permittida ainda uma vez comparar ao curso de um rio, mais ou menos caudaloso, em que os navegantes se deixam vogar uns ao sabor das aguas, entanto que outros buscam sempre oppor-se ao movimento d'ellas, póde dizer-se que este destro barqueiro poucas vezes levou o seu barco em rumo opposto á corrente. Assim evitou bom numero de tempestades, e percorreu espaços que por outra fórma não andaria. Fontes tinha a preocupação dos grandes espiritos - vencer! Quando não podia vencer luctando, vencia condescendendo. D'aqui procedeu o traço mais caracteristico da sua historia - a tolerancia. Com esta arma, habilmente manejada, mudou o aspecto da politica portugueza, no segundo quartel da nossa vida constitucional, viveu bem com a maior parte dos homens, e até soube impor-se á admiração dos seus proprios adversarios.
Fontes operava sobre os outros como um magnete. O mundo conhece homens que domam as feras, que domesticam as aves, que adormecem as serpentes e que triumpham dos reptis. Fontes dominava o seu similhante. E de todos os belluarios este é de certo o menos vulgar. (Vozes: - Muito bem.)
Era um magnetisador e um adivinho. Sem necessidade de pegar nas mãos das pessoas, nem dar voltas com ellas em torno das salas, como faz o Cumberlandismo moderno, sabia penetrar os segredos e descobrir os desejos da maior parte da gente que d'elle se approximava.
Fontes era acima de tudo um delicado; o mais perfeito medico de toda a especie de nevrosismos politicos. Sabia a psychiatria dos parlamentos na ponta da lingua e curava todos os allucinados.
O seu prestigio exercia se com igual facilidade sobre individuos e assembléas. Não me consta de ninguem que depois de encontrar-se junto d'elle, e de fallar-lhe, não voltasse satisfeito para o seio do seu partido, prompto a defendel-o com enthusiasmo. E mesmo aquelles accessiveis ao rancor, que se deixem dominar pela loucura, e n'esse estado blasphemam dos chefes e até da divindade, quando estavam na sua presença, pareciam tranquillisados. Achava para todos uma boa palavra, accudia promptamente com uma esperança e até o que não podia ter remedio, nunca dizia que era irremediavel.
Ás vezes as turbas agitadas davam prenuncios de tempestade. Apparecia Fontes com aquella figura unica que conservou até o fim, soltava a voz, proferia as primeiras palavras, e n'um relance acalmava os agitadores. As nuvens encastelladas no horisonte começavam a mover-se ao vento energico da sua palavra, descobria-se o sol, e eil-o logo conduzindo o seu exercito ao melhor campo em que podia ferir-se a batalha. Fez durante a sua longa carreira centenas de milagrosas curas, e para mostrar a generali-