66 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
da lei eleitoral? Sel-o-ia então por causa da reforma administrativa? Tambem não póde ser. Quando um governo proclama que quer resolver immediatamente a questão financeira; que precisa e quer fazer economias, não é o meio mais proprio, não é o alvitre mais acertado para alcançar o fim desejado propor uma reforma administrativa que traz um grande acrescimo de despeza, pois que augmenta mais oitenta e quatro empregados. Um governo que procede assim, contra as suas proprias declarações, não póde ser tomado a serio quando affirma que propoz a modificação da camara dos pares para fazer passar a reforma administrativa cujos resultados são problematicos. Pois seria pela insignificancia de uma reforma desconhecida na occasião em que a reforma administrativa vigente estava sendo executada, e que não tinha dado maus resultados, e que tinha sido acceita de boa mente pelo paiz, seria por isso que o governo aconselhou a modificação da camara dos pares?
Não creio. O motivo é outro. O motivo está sem duvida no negocio de Torres Vedras, que apesar do governo dizer que não faz questão ministerial d'elle tem maior alcance do que se imagina.
Não creio, sr. presidente, que o governo toucasse sobre si a enorme responsabilidade de aconselhar ao Rei a modificação inconstitucional da camara dos pares, e que o Rei preferisse esse conselho a todas as indicações contitucionaes, se não houvesse um motivo imperioso, uma rasão occulta que só se póde encontrar no contrato do caminho de ferro de Torres Vedras.
Sr. presidente, demonstrado que a reforma eleitoral apresentada pelo actual governo não se póde tomar a serio, que a reforma administrativa é apenas um acrescimo de despeza injustificavel e de resultados completamente desconhecidos; que as medidas de grande alcance do sr. ministro da fazenda já foram votadas, que este anno s. exa. não apresentou outras tendentes a aperfeiçoar a cobrança dos impostos, a melhorar os serviços publicos e a, crear novas fontes de receita, parece-me claro que a modificação da camara dos pares não tem nem terá outro intuito senão fazer passar o contrato do caminho de ferro de Torres Vedras.
A declaração de que o governo já não faz questão ministerial d'esta medida é mais um artificio: é mero estratagema para o conseguir.
Sr. presidente, se o governo carecia de transformar a camara dos pares, o tinha a confiança da corôa, para, era qualquer conflicto a levar a optar pela conservação do governo, qual a rasão porque não aproveitou o ensejo que esta camara lhe offereceu o anno passado querendo introduzir um principio altamente liberal e salutar no projecto de lei da contabilidade publica? O governo então não viu o conflicto, não fez esse d'elle, e poz de parte a proposta que julgava urgente e de grande alcance.
Eis como este governo procede! Eis como os ministros do progresso se revoltaram contra o principio do concurso!
O procedimento do governo, não fazendo caso da camara dos pares que pugnava pelos bons principios, parece que estava de accordo com as idéas propagadas pelos tribunos da outra casa que julgam que só elles e elles só são os representantes do povo.
Sr. presidente, convem protestar contra similhantes doutrinas, ou antes contra taes desvarios. Eu acho, pois, que a resposta ao primeiro paragrapho do discurso da corôa é esse protesto grave e serio, é um aviso salutar, é uma censura digna, feita ao sr. presidente do conselho, que carece que lhe relembrem e ao governo a doutrina sanccionada pela carta constitucional no artigo 12.°, que se exprimepor esta fórma:
"Artigo 12.° Os representantes da nação portugueza são a Rei e as côrtes geraes."
Isto quer dizer que a camara dos pares, representando com a dos deputados e o Rei a nação, tem os direitos, as obrigações e as prerogativas que a lei fundamental lhe concede.
Emquanto á resposta ao paragrapho segundo é a censura mais transparente ainda, porque, referindo-se ás eleições, e dizendo o governo apenas que se manteve a tranquillidade, a illustre commissão fez tornar bem manifesto que a tranquillidade só é um bem quando coexiste com a liberdade da urna. A liberdade da uma fugiu espavorida desde que estes senhores progressistas, em nome do progresso e da propria Uberdade, a tem perseguido tão atrozmente.
O governo não se atreveu a dizer que houve liberdade, não o podia dizer, porque nos circulos em que ultimamente se procedeu ás eleições, a pressão da auctoridade, a força dos regedores e dos cabos de policia é e era de tal ordem, que para não serem esmagados os eleitores com toda a qualidade de vinganças, submetteram-se humildemente ás determinações do governo.
O governo teve pejo de pôr na bôca do Soberano uma similhante affirmativa; fez bem em não o obrigar a dizer ao paiz que as eleições tinham sido feitas com a uma livre e desaffrontada.
Sr. presidente, já que e discurso do throno, e a resposta a esse interessante documento, faliam de eleições, aproveitarei o ensejo para pedir explicações ao sr. presidente do conselho e exigir-lhe estreitas contas pelas declarações feitas n'este recinto e não cumpridas lá fóra. É mister que o sr. presidente do conselho explique cabalmente as promessas que fez ao paiz, e justifique dignamente os seus actos.
Eu vou tornar bem claro e preciso o meu reparo
Todos sabem que o anno passado havia doze vacaturas por declarar na outra casa do parlamento. O governo, o partido progressista, que diz em palavras que quer a representação do povo, mas que não a quer, traduzida em realidade, esteve até ao fim da sessão legislativa sem fazer declarar, pela sua maioria aquellas vacaturas, e sem mandar proceder ás respectivas eleições.
Assombrado com um similhante proceder, contrario e contradictorio com o programma d'esse partido, perguntei aqui ao sr. presidente do conselho, que é o chefe do partido progressista, qual a rasão por que estavam 500:000 pessoas sem representação! Respondeu-me s. exa., que era porque não estavam ainda declaradas as vacaturas, e afiançou que logo que a outra carcará as declarasse mandaria proceder immediatamente ás eleições.
Sr. presidente, eu achava tão anormal, tão extraordinario, e tão offensivo da representação nacional o procedimento do governo, que para incitar o sr. presidente do conselho ao comprimento do seu dever citei-lhe os exemplos e precedentes que tinham deixado o sr. duque de Loulé e o sr. bispo de Vizeu seus correligionarios, que traduzindo melhor o regimen representativo, e respeitando mais a austeridade dos principios, tinham mandado fazer eleições nos circulos vagos por varias vezes com as camaras abertas.
Então o governo declarou formalmente aqui, declaração que já tinha feito na outra casa, de que procedera immediatamente ás eleições, logo que as vacaturas fossem declaradas.
As vacaturas foram effectivamente declaradas, as camaras continuaram abertas e as eleições não se fizeram porque o governo não quiz!!! Perante este esquecimento indiscuipavel, pedi de novo explicações ao governe, e o sr. presidente do conselho, que tinha reconsiderado, como se isso para elle fosse já trivial, disse muito socegada e pacatamente que não tinha mandado proceder ás eleições, porque se estavam concluindo os recenseamentos.
Eu já sabia extra-parlamentarmente, eu já sabia pelos proprios amigos do governe, que a rasão por que não se procedia á eleição nos circulos vagos, era por ser necessario preparar e arranjar principalmente aqui em Lisboa os