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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
Em virtude de resolução tomada pela Camara dos Dignos Pares do Reino se publicam os documentos seguintes:
Ill.mo e Ex.mo Sr. — Em officio do Ministerio do Reino, assignado pelo Official - maior d'essa Secretaria de Estado, de 4 de Julho do presente anno, foi-me remettida uma representação que a Companhia dos Canaes da Azambuja fizera subir á Presença de Sua Magestade, acompanhando uma memoria e planta, relativo tudo ás obras projectadas peto Engenheiro da mesma Companhia, para o enxugo e rega dos campos, assim como para a navegação no districto da Azambuja, a beneficio da agricultura e commercio daquella localidade; e de ordem de V. Ex.ª se me determina que eu informe não só ácerca das obras projectadas, mas tambem a respeito da asserção que os Directores estabelecem, de que taes obras não estão a cargo da mesma Companhia, e que por isso devem, desde logo, ser pagas pelo Governo.
Sobre dois pontos deve pois versar a minha informação; o primeiro não é mais do que a interpretação do contracto celebrado em 5 de Marco, de 1844, entre o Governo de Sua Magestade e a Companhia dos Canaes da Azambuja; o segundo diz respeito á conveniencia e possibilidade de se approvarem as obras propostas. Sobre o primeiro facil me teria sido dar a minha opinião desde o momento que recebi o officio supra; mas sobre o segundo necessitava não só estudar o projecto, cuja memoria é bastante extensa, mas ir ao logar aonde se projectam as obras, a fim de que, combinando o que se diz ria memoria com o que observasse no terreno, podesse, com mais conhecimento de causa, dar uma opinião sobre assumpto aliás de grande importancia, e do qual depende a felicidade ou desgraça de tantos proprietarios.
A V. Ex.ª não é estranho o que eu tenho tido nestes dois mezes que fazer, para pôr em execução as ordens do Governo de Sua Magestade relativamente aos trabalhos da estrada do Alemtejo, e melhoramentos do rio Tejo, objectos estes que ainda hoje me tomam a maior parte do tempo; e por isso ninguem melhor do que V. Ex.ª poderá ser o Juiz competente, para julgar se eu poderia ter ido aos canaes da Azambuja, o qüe porém espero fazer para a proxima semana.
Taes são as obras que a Companhia dos Canaes da Azambuja, propõe levar já a effeito, e para as quaes julga dever o Governo contribuir directa e immediatamente; a 1.ª, a prolongação do grande dique de Vallada até ás Onias; a 2.ª, a limpeza, arginamento e prolongação até ao Tejo da valla travessa com uma obra de arte no dique de Vallada; e a 3.ª, a abertura de uma nova vala para esgoto dos campos, e prompto desalagamento dos mesmos. Considera como mais urgentes as duas ultimas obras, e tanto que independentemente de auctorisação do Governo, e para aproveitar a estação actual, ia mandar proceder á segunda dellas. Calcula em 30 contos de réis a quantia necessaria para levar a effeito as duas ultimas obras, e diz que concorrendo a Companhia com as suas machinas movidas a vapor, e que são uma draga, um bate-estacas, e uma bomba, e com todas as ferramentas e utensilios que precisos forem, o Governo lhe dê uma prestação semanal de 1 conto de réis.
Antes de entrar na analyse particular de cada uma das obras que a Companhia propõe que se façam, direi que, pelo § 1.°, artigo 1.°, do seu contracto, é ella obrigada a canalisar em beneficio da navegação e melhoramento agricola e sanitario dos campos adjacentes o systema de agoas que affluem ao Tejo por meio da actual valla denominada da Azambuja.
Como é pois que se poderá obter o melhoramento agricolo e sanitario dos campos, sem que se executem todas as obras cousas quaes se evitem, tanto quanto fôr possivel, as inundações, e se faça o seu prompto e rapido esgoto? É pois evidente que, só por este artigo, era a Companhia tacitamente obrigada a executar todas as obras, quaesquer que ellas fossem, para não só se conservarem os campos no estado em que estavam, a respeito dos dois fins acima indicados (agricultura e salubridade), mas até se obtivessem melhoramentos.
O § 11.° do mesmo artigo é mais explicito, porquanto por elle era a Companhia obrigada a dar escoante aquellas agoas dos terrenos circumvisinhos, que ficassem privados delle (escoante), em consequencia das suas obras, e bem assim aquellas (agoas), que escorrendo dos canaes podessem ser prejudiciaes ás terras visinhas.
A antiga valia era para onde os campos faziam o seu esgotamento; era ella que dava vazão ás agoas provenientes, das aziellas de Rio Maior. O dizer-se hoje que as obras tendentes a melhorar a navegação não podiam de fórma alguma facilitar o esgoto dos campos, e que a navegação não se podia conservar em todas as estações sem se derivarem as agoas de Rio Maior para o Tejo pela valla travessa, são considerações que deveriam ter sido presentes, quando, se fez o contracto, e se então não foi possivel prever estes inconvenientes, e os quaes, a terem-se previsto, talvez fizessem com que se não empreendessem taes obras — é porque se fez o contracto sem que primeiro se tivesse levantado uma planta exacta, e tirado os necessarios nivellamentos, para se conhecer, que uma vez que se pertendia tornar a valia um canal de navegação successiva, não era possivel, pela altura a que seriamos obrigados, a levar as suas agoas, que ella continuasse a servir para esgotar os campos, por virem estes a ficar muito mais baixos do que o nivel das agoas dentro daquelle. Tão pouco seria possivel conservar-se a navegação pelo canal em todas as estações, excepto na occasião das grandes cheias do Tejo, sem que se dirigissem ao Tejo as agoas de Rio Maior sem entrarem no canal.
Não póde ser admittido o argumento de que no § 2.° artigo 1.°— vem mencionadas todas as obras a que a Companhia era obrigada, porquanto entendo eu, que a Companhia era obrigada a executar todas as obras das quaes dependesse o cumprimento das condições do contracto, as quaes, como já fica dito, não eram só para navegação pelo canal, mas tambem para o melhoramento agricola e sanitario dos campos.
Resta agora ver se as obras propostas são ou não para se conseguir os fins indicados ou para outros differentes. O proprio officio dos Directores prova que as obras propostas são não só para satisfazer as condições do contracto, mas tambem para obviar a certos inconvenientes, não previstos, mas resultantes das obras já feitas.
1.º O dique de Vallada — para evitar por alli a entrada das cheias do Tejo, as quaes, mesmo as ordinarias, obstarão á navegação pelo carnal, contra o disposto no contracto (artigo 1.° § 3.º), e destruirão o mesmo canal.
2.° A limpeza etc... da valla travessa para serem levadas immediatamente por ella ao Tejo as agoas das cheias de Rio Maior, a fim de não innundarem os campos, e por serem nocivas á conservação do canal, e á sua navegação.
3.° A abertura de uma nova valla, etc... — para que as agoas dos campos, que a elles affluem, tenham por ella prompto desagoamento para o Tejo. (Isto por não o poderem ter pela antiga valla de Azambuja, hoje tornada em canal de navegação.)
Tudo quanto venho de expender só serve para provar, que todas as obras propostas estão comprehendidas no contracto, e é a Companhia obrigada a executal-as, pelo mesmo methodo, e com os mesmos meios com que se tem emprehendido as demais obras; não me parecendo que haja necessidade de estabelecer novas condições, ou de se fazer um novo contracto.
Pelo artigo 4.° é estipulado que o producto de contribuição dos tres concelhos de Santarem, Cartaxo e Azambuja, estabelecido em favor da canalisação, pela Carta de Lei do 1.° de Maio de 1843, e importante na quantia annual de oito contos cento e setenta e nove mil e duzentos réis, é expressamente destinado ao embolso do capital despendido pela Companhia na conclusão das obras retrò descriptas. Quaes eram estas obras retrò descriptas? Eram todas as mencionadas no § 2.° do artigo 1.º, e todas as demais com as quaes se devesse conseguir os fins a que a Companhia se tinha compromettido; e tanto assim é, que nos §§ 3.° e 4.º do artigo 4.°, para o caso de que o custo das obras excedesse o calculado, ou sobrasse, se estabelecem provisões para o completo reembolso dos capitães despendidos; e no artigo 5.° é igualmente garantido o juro de cinco por cento do capital empregado, qualquer que elle fosse.
Por esta fórma entendo que o Governo é obrigado a reembolsar a Companhia de todas as quantias que despender, mas pela fórma expressada no artigo 4.°— em obras, cujo objecto fôr qualquer daquelles a que a dita Companhia se obrigou pelo seu contracto, e sejam approvadas pelo Governo de Sua Magestade.
É verdade, Ex.mo Sr. que pelo contracto da associação da Companhia se fixou ser o seu capital de 240 contos de réis, dividido em 1:600 acções de 150$000 réis cada uma, e que este capital está já hoje despendido, sem que ainda esteja feito um terço das obras necessarias para os fins desejados e estipulados; mas isto de fórma alguma póde alterar um contracto legalmente feito e approvado pelas Camaras. Se antes da creação da Companhia se tivesse feito o, projecto completo das obras e o seu respectivo orçamento, ter-se-ía então conhecido que o capital de 240 contos não era sufficiente, e talvez o Governo, visto que linha que pagar todas as despezas, não tivesse querido que se emprehendessem taes obras, cujo custo, no seu final, não estará em proporção com as vantagens que podem dellas tirar os povos — quanto mais que já havia um meio de communicação, que era o Tejo.
De tudo quanto tenho tido a honra de expender, julgo poder concluir:
1.° Que é a Companhia, pelo seu contracto, obrigada a executar todas as obras, com as quaes se melhore a navegação do canal, a agricultura dos campos, e a sua salubridade.
2.° Que é o Governo quem ha de pagar todas as despezas feitas, mas pelo modo especificado no contracto; podendo ou prorogar o prazo em que elle findará, ou augmentar a hypotheca do § 1.º do artigo 4.°, a fim de que com os juros das inscripções se possa amortisar o capital despendido dentro do prazo marcado de 40 annos, e garantir-se o juro de 5 por cento, determinado no artigo 5.°
3.° Que não póde nem deve o Governo pagar, desde já, quantia alguma, como exige a Companhia, podendo sim o Governo auctorisar o augmento do capital da Companhia até á quantia que se julgar necessaria para se levarem a effeito todas as obras com as quaes se cumpram á risca todas as condições do contracto.
Passando agora a tractar sobre a segunda parte, é ella de tal transcendencia, que eu me não atrevo a dar já uma opinião definitiva, e que sa-