2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
V. Exa. comprehende, Sr. Presidente, que se não pode admiti i r que o Thesouro continue a ver-se privado de uma receita importantissima, e que as classes trabalhadoras continuem a soffrer as mesmas inclemencias, e tudo isto para que o intermediario goze o favor que se concedera.
Um tal estado de cousas não se compadece nem com a acção protectora do Estado, nem com a situação afflictiva em que se encontram as classes trabalhadores.
Conceder o Estado um favor pautai de 160 ou 170 réis por alqueire, e permittir que o açambarcador venda o genero, não tendo em conta, essa redacção, é tudo quanto ha de mais desastrado, e contrario á protecção que o Estado tem em vista conceder ás classes que lutam com os horrores da fome.
A lei reguladora da importação de cereaes, dá ao Governo amplissimas faculdades para conseguir, em determinadas conjunturas, o fim que se propõe, já permittindo a entrada, livre de direitos, a terceiras pessoas, já constituindo-se elle proprio em comprador, para depois dispor do genero conforme entender.
Sem querer dar conselhos ao Governo, porque' para isso me falta a necessaria autoridade, limito-me a expor nitidamente um estado de cousas, que lhe não deve ser indifferente, e a ponderar lhe a necessidade inadiavel de - havendo necessidade da importação de cereaes - nos lembrarmos de que os temos nas nossas colonias.
Melhor é fazer favor aos de casa, que aos estranhos. (Apoiados).
Não pretendo dar conselhos ao Governo; mas afigura-se-me que, usando da faculdade que a lei lhe concede, pode arvorar se em comprador, e vender o genero pelo preço do custo.
(S. Exa. a não reviu).
O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Sr. Presidente: o Governo não pode ser indifferente á crise a que o Digno Par se referiu, e, por consequencia, continua, como até aqui, a empregar todas as diligencias para a debellar.
O Governo acudirá ás necessidades mais urgentes, quer dentro das faculdades do poder executivo, quer trazendo ao Parlamento uma proposta de lei, que para o conseguimento d'esse fim se julgue indispensavel.
Posso affirmar, Sr. Presidente, que tanto o milho como o centeio se teem vendido por preço relativamente baixo, e o Sr. Ministro das Obras Publicas está empenhando todos os seus esforços e desejos para que todo e qualquer beneficio que o Governo conceda seja, tanto quanto possivel, a favor d'aquelles que d'elle precisem, e não para aumentar os lucros dos intermediarios.
Torno a affirmar que o Governo continuará a empregar todos os esforços para acudir á crise, tanto quanto seja possivel.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Teixeira de Sousa: - Pedi a palavra para me dirigir ao Governo sobre um assunto que, sendo de caracter geral, é, ao mesmo tempo, de importancia para mim, sob o ponto de vista da minha situação no passado politico do meu país.
Refiro-me á chamada questão dos adeantamentos feitos pelo Thesouro á Casa Real, assunto largamente versado duas vezes na Camara dos Paras, por dois oradores brilhantes e notaveis, os Srs. João Arroyo e José de Alpoim.
Na ultima sessão, este meu querido amigo tratou da questão em termos taes, deu-lhe um tal caracter do ataque politico, que me obrigou a pedir a palavra, não para fazer revelações sensacionaes, de que um jornal da manhã falava, porque revelações sensacionaes não tenho que fazer, e mesmo parque visam, em regra, o escandalo, que é incompativel com o meu modo de ser politico, mas para, sobre o cãs 3, fazer uma declaração peremptoria.
Desde largos annos me ligam ao Sr. Alpoim os mais estreites laços de leal e honrada amizade. Cada um no seu logar, e no seu posto; cada um com absoluto respeito pela independencia politica do outro, mas sempre o intimo affecto a guiar as relações pesaoaes entre os dois.
Tanto basta para me convencer, e até jurar, que o Sr. Alpoim me não visou especialmente ao referir-se ás responsabilidades das administrações passadas, ás responsabilidades que, por uma lógica de bastante artificio, circunscreveu aos regeneradores. Mas, tendo sido duas vezes Ministro da Fazenda, sendo abrangido na designação geral dos partidos, administrações e Ministros, não cabe no meu animo ficar em silencio. Não discuto por agora o assunto, que em discussão não -está; não pretendo fazer a liquidação das dividas da Casa Real ao Thesouro Publico, por não querer antecipar-me ao que o Governo ou as commissões tenham feito ou venham a fazer. Desejo, todavia, dar á Camara dos Dignos Pares conta das minhas responsabilidades, se algumas responsabilidades tiver.
O Governo tem pendente da Camara dos Deputados, a proposta; de lei sobre a lista civil e sobre os adeantamentos. Espero por um prazo razoavel a discussão do projecto, de que são unicos juizes a Camara e o Governo. Comtudo, se a demora significar, não o tempo necessario para o seguimento constitucional do projecto, mas pouco desejo ou inconveniencia de rapidamente tratar do assunto, eu liquidarei aqui as minhas responsabilidades, se algumas tive, e as que tiver. Não virei fazer um escandalo politico; não virei dizer se adeantamentos illegaes foram feitos pelos progressistas e não pelos regeneradores, pelos regeneradores e não pelos progressistas, a esta ou áquella pessoa da Familia Real, por este ou por aquelle Ministro, em qualquer epoca, ou recentetemente; não virei fazer outra cousa que não seja liquidar as minhas responsabilidades, dizer da minha justiça e mostrar que a materia dos adeantamentos á Familia Real, alem da lista civil, me trouxe serios desgostos, os maiores talvez da minha vida ministerial, por motivos á vida ministerial estranhos ; que nunca o Rei D. Carlos por qualquer maneira, directamente, ou por pessoa da sua casa, me falou de assunto relacionado com adeantamentos illegaes feitos ou a fazer; que tendo o Governo de que £z parte feito abonos extraordinarios á Casa Real para despesas de representação, para a recepção dos Reis de Inglaterra e de Espanha, para acabamento da installação do Paço de Belem, onde o Rei de Espanha foi recebido, me apressei logo em janeiro de 1904 a pedir ao Parlamento autorização para abrir um credito, o qual foi, mais tarde, convertido em lei; que, se alguma pequena quantia autorizada em despacho meu não coubesse na sua já autorizada legalização, a minha responsabilidade se: ia insignificante e que ainda nisso está o zelo na defesa dos dinheiros publicos; para mostrar, emfim, que sendo Ministro tres vezes, da Marinha e da Fazenda, nunca me foram entregues dez réis que fossem para qualquer entidade ou serviço, para despesas suas ou alheias, para o Rei ou para qualquer pessoa da Familia Real, nunca me passaram pela mão dez réis que não fossem dos meus vencimentos de Ministro ou de funccionario, e pagos depois de vencidos.
É isto, sobretudo, que pretendo demonstrar ao meu país para que, se um dia deixar a vida publica, onde se perde a saude, a tranquillidade e a fortuna, para o que, manda a verdade dizer, não sinto neste momento nenhuma disposição, possa, ao despedir-me, dizer como um grande heroe: - Tout est perdu, hors l'honneur.
Para isso nem preciso do inquerito nem dos documentos que pedi; bastarme-hão os que tenho.
Ninguem veja nas minhas palavras o intuito de mostrar que estou em melhor situação do que outros Ministros da Fazenda; não. a todos, regeneradores e progressistas, será facil mostrar que nada fizeram que possa prejudicá-los