118 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
contagio e de o prevenir é a extincção de todos os centros inficionados; nos paizes estrangeiros, na Prussia, é prohibido tratar o gado doente que é morto, porque o tratamento dá occasião á propagação do contagio pelo contacto das pessoas que tratam o gado doente, com o que ainda não o está, porque o virus contagioso é de tal natureza, que os homens que tratam do gado doente, quando vão entrar para as cavallariças em que está o gado são, são obrigados a lavarem-se e a mudar de fato; as gallinhas passando do logar em que está gado doente para outro, levam tambem o contagio, assim como os cães, que nas cacadas passam por entre os rebanhos de gado doente, e dali indo passar por outros sãos, ainda que a distancia seja grande, levam a molestia comsigo e a propagam; o gado que se mata é logo enterrado, sendo o couro golpeado, para que não possa ser aproveitado para cousa alguma, e quaesquer outros despojos do gado são queimados, assim como os retracos, camas, etc.: sendo tambem as cavallariças feitas de novo, e as mangedouras, as paredes caiadas, pintadas as portas, etc. Alem de tudo isto o gado não póde ser vendido senão mostrando o vendedor, e provando por juramento, que quarenta dias antes da venda não tem tido caso algum de moléstia no seu gado, e isto mesmo se observa na conducção do gado. E preciso notar que do gado que se mata, para prevenir que a molestia se propague, dá-se ao dono uma pequena indemnisação.
«As feiras tambem são prohibidas, e agora em Inglaterra se tem prohibido a circularão do gado.
«Esta epizootia do gado é já muito antiga, e já Virgilio, nas suas Georgicas a descreve.
«O sr. Williams Youat, na sua obra sobre a creação de raças e doenças do gado, conta que a epidemia devastou a Italia e parte da Europa no principio do seculo passado, e entre os medicos d’aquella epocha, que escreveram sobre aquella epizootia, menciona em especial o medico Romagine, que escreveu um tratado sobre a epizootia contagiosa dos bois.
«E para notar que na bibliotheca publica, segundo informações que tenho, existe uma traducção d’este livro escripto em latim, e traduzido por um lente da universidade.»
Como se ve. pelo que acabo de ler, o unico remedio para obstar ao progresso da epizootia é matar todo o gado doente, e aquelle que estiver mais ou menos inficionado, enterrado, e fazendo grandes côrtes nos couros para que não possam ser utilisados, tudo para que os despojos dos animaes doentes e mortos não possam ser aproveitados.
Parece-me, pois, que se devem dar todas as providencias necessarias, a fim de se evitar quanto possivel um tamanho mal.
Diz tambem esto auctor. «Quando mesmo no gado se não tenha manifestado a moléstia, mas que esteja já affectado do contagio, é preciso separal-o d’aquelle que o não está, aliás irá affectar este, porque, como o mesmo auctor diz, a propagação da moléstia é tão rapida, e o virus tão violento, que as mesmas gallinhas, passando por um logar em que estivesse gado inficionado, e vão para outros de gado são, levam a moléstia; e até cães, que acompanham os inglezes nas suas cacadas, quando o gado passa junto a um rebanho inficionado, da mesma maneira são atacados pelo virus.
A vista disto, sr. presidente, é preciso que se tomem as medidas mais severas com respeito á introducção de gados e dos seus despojos.
Eu vi n’um periodico a noticia que já havia sido prohibida a importação dos gados, mas que continuam a ser admittidos os couros, depois de beneficiados convenientemente.
Isto não basta, porque o virus é tão violento, que todos os cuidados são poucos para evitar a sua propagação, nem se póde saber se as medidas usadas em Inglaterra a respeito dos despojos do gado se empregaram nos couros que de lá nos são remettidos. Tal é a força do virus e a facilidade com que se propaga e desenvolve a molestia.
Estas medidas, tão restrictivas como prudentes, provam bem a necessidade de haver o maior cuidado em prohibir que os despojos dos gados possam ser admittidos em Portugal, sem que ao menos se saiba se na Inglaterra, ou nos portos donde vem, satisfizeram ás indicações prescriptas pelos regulamentos do sanidade.
Sr. presidente, este assumpto não póde ser indifferente, é da maior importancia para todos nós, e eu julgo do meu dever chamar a attenção do governo na pessoa do sr. ministro que está presente, para estes factos; tanto mais que a courama ainda e admittida, e se lhe póde fazer a desinfecção, que não poderá ser de tal ordem, que nos garanta do contagio.
Julgo desnecessario acrescentar mais considerações sobre o assumpto, para que se tomem as providencias necessarias. O meu fim é apenas dizer a minha opinião, corroborando-a com a do illustre veterinario que citei; o perigo de que estamos ameaçados por aquella epizootia é muito para receiar.
Era necessario que s. exas. mandassem examinar tudo isto, tendo em attenção as opiniões dos auctores que citei, a fim de ver se se evitava uma calamidade d’esta natureza.
Peço desculpa de chamar a attenção de s. exas. sobre este assumpto, mas em attenção á importancia, que de todos é conhecida, serei desculpado.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros e interino da Marinha (Andrade Corvo): — Sr. presidente, eu pedi a palavra para dizer ao digno par que o assumpto sobre que chamou a attenção do governo, está no espirito de todos que se occupam da importante questão agricola no nosso paiz.
O assumpto de que s. exa. fallou — a epizootia, que tem invadido uma parte da Europa, está hoje largamente estudada, e a origem d’ella a perfeitamente conhecida.
Nos confins da Europa, para o lado da Asia, é aonde se manifestou primeiro, o ultimamente appareceu na Allemanha, chegando mesmo a Berlim; suppõe-se que começa a apparecer na Hollanda, e que existe já em Inglaterra. Meio de evitar o contagio não se conhece, senão o de interromper as communicações, porque não só os animaes o communicam, mas os seus despojos, até mesmo depois de soffrerem os meios inventados pela sciencia para o destruir ou annullar.
Já em outro periodo, não afastado, chegou muito mais adiante, na Europa, do que actualmente; comtudo houve a felicidade de não se propagar para o sul, graças ás medidas rigorosissimas que se adoptaram.
Para o nosso paiz o contagio só poderia vir através da Hespanha, mas não e provavel que isto aconteça, porque as relações d’esta nação, póde-se dizer, que são unicamente com o meio dia da França, que nunca chegou a ser invadido.
Quanto ao contagio que póde vir de Inglaterra, a não ser por meio de algum animal de raça, não será para receiar o perigo, porque, geralmente, o nosso commercio de gado com aquelle paiz é só de exportação.
A importação da courama da Inglaterra para Portugal não se dá, nem conviria que se désse, porque seria um Unau negocio.
Como o digno par sabe, a importação de gado dos territorios aonde actualmente se dá a enfermidade está prohibida.
Creio que não se tomou resolução nenhuma a respeito da introducção da courama, porque, em regra geral, este genero vem-nos da America, quasi que mal conservados para depois serem preparados melhor, e entrarem nos