DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 119
O sr. Presidente: - O digno par o sr. conde do Casal Ribeiro mandou para a mesa uma representação, que acaba de ser lida. Pede s. exa. que esta representação seja remettida á commissão de fazenda e publicada no Diario do governo.
Os dignos pares que approvam o pedido do digno par, tenham a bondade de levantar-se.
Foi approvado.
O sr. Barros e Sá: - Tenho a participar á camara que se acha constituida a commissão especial, encarregada de estudar as causas da ultima crise commercial, havendo nomeado presidente o sr. Martens Ferrão, para relator o sr. Carlos Bento, e para secretario o sr. general Palmeirim.
O sr. Marquez de Vallada: - Eu pedia a v. exa. que me concedesse a palavra, quando entrasse na sala o sr. presidente do conselho.
O sr. Presidente: - Se a camara não se oppozer, darei a palavra ao digno par, quando esteja presente o sr. presidente do conselho.
Eu tinha dado para ordem do dia, em seguida á interpellação ao sr. ministro da marinha, que não está, presente, a discussão dos pareceres n.ºs 270 e 271.
(Entrou o sr. ministro da marinha.)
O sr. Presidente: - Continua a interpellação dirigida ao sr. ministro da marinha.
Tem a palavra o sr. Costa Lobo.
O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, o ponto especial, sobre o qual eu peço licença para chamar a attenção da camara, é para a declaração feita pelo illustre ministro da marinha com relação ao teor da nossa convivencia com a Inglaterra.
S. exa., no seu discurso pronunciado na sessão de 23 de fevereiro, resumiu os seus sentimentos a este respeito nas seguintes palavras que leio no Diario da camara que tenho na mão:
"Não nego nem renego o que disse."
E esta profissão refere-se a uma serie de artigos que s. exa. escreveu quando não era mais que um alto funccionario do estado, artigos em que denunciava a alliança ingleza, e attribuia á Gran-Bretanha intenções hostis ao nosso dominio colonial.
Quando s. exa. escreveu estes artigos, se não era ministro, repito, era um dos primeiros funccionarios do paiz, um homem publico de nomeada, e um distincto homem de letras.
O pseudonymo, com que se anteparou, não impediu que a toda a gente fosse notorio que os referidos artigos eram producção de s. exa., e que a curiosidade publica fosse vivamente excitada pelo cave dirigido ao paiz contra a nossa alliança com a Inglaterra, e com o annuncio, ainda que em termos vagos, da existencia de grandes perigos para o nosso dominio colonial. O nobre ministro, interpellado n'esta casa pelo sr. marquez de Vallada, responde que não nega nem renega o que tinha dito.
S. exa. reconhece a paternidade d'esses artigos, o que aliás era escusado, porque era uma noticia que andava nas praças.
Portanto, visto que o sr. ministro da marinha não nega nem renega o que disse, s. exa. naturalmente devia dar as rasões pelas quaes entendeu que era tão perneciosa para o nosso paiz a alliança com a Inglaterra; comtudo por mais esforços que fizesse o sr. marquez de Vallada, para que o illustre ministro da marinha apresentasse as rasões das suas declarações, não foi possivel conseguir que o fizesse. S. exa. limitou-se apenas a dar á camara rasões, que eu não serei menos correcto tachando-as de subterfugios risiveis.
O nobre ministro disse que em tudo quanto fazia era levado pelos intuitos os mais patrioticos. Eu estou certo que s. exa. é levado, como o são todos os nobres caracteres, pelos sentimentos do mais puro patriotismo, mas o patriotismo deve inspirar-se no são juizo e na boa politica, porque do contrario o patriotismo só produz desacertos tanto mais graves quanto são acompanhados de maior philaucia.
Pois porventura não se julgavam grandes patriotas os homens que no seculo XVI e XVII, como procuradores do povo em côrtes, pediam, sempre que estas se reuniam, o exterminio dos judeus?
Quem mais patriota foi n'este paiz do que El-Rei D. Sebastião cujo unico desejo era a gloria d'esta nação, e comtudo foi o homem que lhe acarretou as maiores calamidades que ella jamais padeceu.
O patriotismo não tem nada que ver para estas questões; o que nós queremos saber é qual é a politica do sr. ministro da marinha, o que tenciona fazer s. exa., e quaes são as suas opiniões, porque essas opiniões têem de ser convertidas em actos. Quanto aos sentimentos patrioticos estou perfeitamente de accordo que são os mais nobres da parte de s. exa.
Sr. presidente, tendo-se instado para que o illustre ministro d'esse uma resposta decisiva a respeito das suas opiniões no ponto que estou tratando, s. exa. contentou-se com declarar que o poder moderador era livre no exercicio das suas funcções.
Ninguem negou isso; mas já õ chefe do gabinete lhe disse aqui que recaia sobre os ministros a responsabilidade dos actos do poder moderador. Em segundo logar s. exa. disse que era demasiado obscuro para que se pensasse que a sua nomeação para os conselhos da corôa constituisse uma offensa á Inglaterra.
Acrescentou mais - que nós eramos uma nação livre e independente, e podiamos, por consequencia, no exercicio da nossa autonomia, nomear os ministros que quizessemos e entendessemos.
Mas, tomando nota da sua modestia, nada d'isto tem que ver com o que se lhe pergunta.
A questão é diversa. A questão é se convem ao paiz que um ministro, que o governa, professe opiniões adversas aos seus mais relevantes interesses. A esse respeito, s. exa. não nos diz cousa alguma que nos esclareça.
Não posso deixar de alludir ao conselho de ser discreto e reservado, que aqui foi dado ao sr. ministro.
Confesso que não comprehendo como já agora s. ex.apóde ser discreto e reservado.
Acaso será discrição vir elle dizer-nos que entende que é prejudicial uma alliança tão antiga, tão proficua, e que tem o assentimento do paiz, e em não nos apresentar as rasões que fundamentem esta estravagante asserção?
Não é possivel imaginar para esta camara uma situação mais absurda do que esta que resulta da obediencia a taes conselhos.
Pois que? Ha de um homem da posição de s. exa. assumir um nome esdruxulo que provoque a attenção publica, e sob esse veu transparente que não é destinado senão a irritar a curiosidade e que a vista de toda a gente póde penetrar, ha de um homem publico, digo eu, propagar assim doutrinas nocivas ao bem do seu paiz, e não ter d'ellas responsabilidade? E quando por esta fórma adquiriu nomeada, e andou na bôca dos homens, e grangeou creditos de extraordinaria perspicacia, e attingiu o cume d'aquella justa ambição de que s. exa. se confessou dominado, não ha de esse ministro defender as suas opiniões? E opiniões que elle está na situação de converter em resoluções que influam sobre os destinos do paiz?
Desenganemo-nos. Quando um escriptor quer esconder o seu nome, com o nosso livre regimen de imprensa é-lhe isso facilimo.
Mas quando desde logo a ninguem resta a menor duvida sobre a identificação de um pseudonymo, eu estou auctorisado a acreditar que não havia o menor desejo de guardar o incognito.
Acho prepostera a admiração que s. exa. reclamou de nós, por se ter aqui confessado auctor d'aquelles escriptos.