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120 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Havia porventura alguem que tivesse a minima duvida a esse respeito?

Que discrição é logo esta que se recommenda ao sr. ministro e que elle tão affincadamente quer guardar, e tão fóra de tempo?

Com que fim?

Para interesse do paiz?

O maior mal que s. exa. n'este caso podia fazer, já está feito, quando abertamente declara que a alliança com a Inglaterra nos é prejudicial.

Será no interesse da sua propria conservação no poder?

Então que patriotismo era aquelle a que s. exa. entoou os seus cantos lyricos?

O patriotismo do sr. ministro da marinha faz-me então lembrar, e em desfavor de s. exa., o amor que Voltaire tinha pela verdade. Voltaire dizia que era amigo da verdade até ao martyrio exclusivamente.

O sr. ministro é patriota até á perda da cadeira ministerial exclusivamente.

S. s. exa. entende que os laços de antiga amisade que nos unem á Inglaterra são prejudiciaes ao nosso paiz, e do seu dever esclarecer a camara e toda a nação sobre os fundamentos d'esta nova politica que pretende desarrelgar uma affeição tão entranhada e que profunda as suas raizes nas origens da nossa historia.

Sem me querer inculcar por profundo em conhecimentos historicos, eu creio, sr. presidente, que não ha outro exemplo na historia de uma alliança tão antiga, tão firme e tão benefica, como a da nossa alliança com a Inglaterra.

No decurso da nossa vida de nação, observâmos um facto constante. É que todas as vezes que Portugal teve de defender a liberdade d'esta terra, lá estavam a seu lado os inglezes

Devo dizer de passagem que eu não sou tão bronco que imagine que as allianças sejam o esteio da independencia de nenhuma nação.

O alicerce seguro da nossa independencia é a nossa resolução.

É o que o mestre de Aviz, nas palavras do poeta, proclamava aos seus naturaes.

Defendei vossas terras: que a esp'rança
Da liberdade está na vossa lança.

Mas sempre foi taxada de insensata a politica externa que alienava de um paiz as sympathias que lhe podiam ser uteis.

Este é o erro que os francezes exprobram ao regimen imperial.

N'este momento mesmo em que estou fallando o que procuram nações tão poderosas como a Austria a Russia, a propria Inglaterra?

Não é a conciliação das sympathias estrangeiras um dos beneficios que os allemães devem ao seu famigerado chanceller?

E havemos nós ir, com o coração ligeiro do sr. ministro da marinha, repulsar uma alliança que nos foi poderoso auxiliar em todas as crises decisivas que o nosso pequeno paiz teve de atravessar?

Consultemos a historia.

O primeiro grande perigo que ameaçou a nossa nacionalidade, foi nas guerras de D. João I com Castella. Pois já então a Inglaterra nos prestou o auxilio do seu braço.

Em Aljubarrota o grito de guerra era Portugal e S. Jorge.

O mestre de Aviz entendia que nem um santo podia procurar pelas duas partes, apeou Santiago de nosso padroeiro, e confiou-se d'aquelle que era invocado pelos besteiros inglezes que militavam na ala esquerda da sua hoste n'aquella memoravel jornada.

Depois da restauração de 1640 encontrâmos o mesmo auxilio.

Na batalha do Montes Claros, a que decidiu esta luta. de vinte e sete annos, lá se achava, sob as ordens do general Schomberg, um valente corpo de soldados britannicos.

Aos esforços da Inglaterra foi que se deveu, por fim a paz.

Assim está solemnemente reconhecido um tratado que se fez com a Hespanha. A Inglaterra recusou-se sempre a entrar em todas as negociações que a Hespanha lhe offerecia quando ahi se não consignasse como artigo fundamental a independencia de Portugal.

Não são successos reconditos que eu estou narrando á camara. São factos elementares da nossa historia, que ella conhece melhor do que eu. Mas, agora que elles parecem consignados ao esquecimento, não é sem preço traze-los á memoria do sr. ministro da marinha.

Se, 38 annos depois da paz de 1668, um exercito portuguez entrava em Madrid, vingando assim uma exigua parte das miserias que padecemos sob o dominio castelhano, quem nos ajudou a infligir esta retaliação? Que exercito estava ao lado do exercito do marquez das Minas?

No meiado do seculo passado, Luiz XV concluio com a Hespanha o celebre pacto de familia, pelo qual com a maior semcerimonia era concedido á Hespanha o senhorio da nossa patria, d'esta nossa patria que um orador popular do vizinho reino dizia o outro dia no congresso que era a carne da carne de Hespanha. Immediatamente a Inglaterra nos enviou um corpo auxiliar de 8:000 homens. E quem pedio este auxilio? O marquez de Pombal que evidentemente não tinha nem a penetração nem a dignidade nem a energia do sr. ministro da marinha. Era um pobre homem que não via os perigos que n'este seculo de luz nos são revelados pelos Thomés e Bernabés de Diu e de Carapatão.

No principio d'este seculo outro tratado, o de Fontainebleau. Outra vez era Portugal tratado como roupa de francezes e partilhado com a Hespanha.

Para que hei de eu memorar factos de todos conhecidos, mas que parece haver hoje um empenho em escurecer como se fosse digno de uma nação o desvanecer-se com lisonjerias que ella se tributa a si mesma?

Quem disciplinou e subsidiou as nossas tropas? Quem commandava na Roliça, em Vimieiro, nas cumiadas do Bussaco, nas linhas de Torres Vedras? Quem eram os nossos irmãos de armas? Quem misturou fraternalmente o seu sangue com o nosso?

Eu sei que o nosso paiz foi o campo de batalha que a Inglaterra escolheu para resistir ao despota. Mas porventura não foi por nós solicitada? Não anciava Portugal por, sacudir o jugo do estrangeiro?

Passo em silencio as nossas lutas pela liberdade.

Foi uma guerra fratricida, e esta questão interessa indistinctamente a todos os portuguezes.

Mas quando ha poucos annos uma revolução derrocava a dymnastia do reino visinho, é ou não verdade que o governo inglez, perguntado pelo nosso embaixador, se considerava como seu dever defender-nos em caso de necessidade, declarou terminantemente que reconhecia as obrigações dos tratados? O sr. ministro da marinha parece ignorar estas coisas.

Que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que se senta a seu lado, lhe de as informações de que elle carece.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Peço a palavra.

O Orador: - Não tinha eu pois, sr. presidente, rasão de dizer que não ha na historia outro exemplo de uma amisade tão velha, tão firme, e tão provada?

E tão provada, que logo volvemos os olhos para a Inglaterra, quando um grave perigo nos ameaça?

Não é acertado, sr. presidente, maldizer na bonança o santo com que nos queremos apegar na borrasca.

Que haja por vezes nas nossas relações com a Inglaterra desintelligencias, resfriamento, mutuos queixumes e aggravos, como póde isso deixar de ser?