DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 171
das inconvenientes resultando dahi necessariamente diminuição na cobrança dos impostos; o que se póde suppor, em vista de tal procedimento por parte do governo, é que nós desprezamos os recursos do que podiamos dispor, e perdemos assim a forca moral de que tanto carecemos para exigir do paiz novos sacrificios, que em tal caso cousa alguma podo justificar.
Esta doutrina poderia ser de natureza a causar grandissima impressão no animo dos que a ouvem expor, se não partisse de um facto absolutamente inexacto, o decrescimento accentuado na cobrança dos impostos directos este anno.
A tal respeito cumpre-me informar a camara do seguinte. Os impostos directos renderam nos annos do 1874-1875 o 1878-1S79 o seguinte:
Em 1874-1875 6.187:681$470
Em 1875-1876 6.022:913$548
Em 1876-1877 6.105:890$196
Em 1877-1878 6.062:787$890
Em 1878-1879 6.001:742$765
Mas ainda ha mais. Em 30 de junho de 1872 a importancia dos documentos de cobrança não realisada por contribuições directas era de 3.593:000$000 réis, em 30 de junho de 1874 subia a 3.746:000$000 réis, o augmento era, pois, de 153:000$00,0 réis, correspondente a uma medida de 75:000$000 réis por anno. Em. 30 de junho de 1879 o atrazo subia, porem, a 4.527:000$000 réis, o accrescimo anual médio desse atrazo na cobrança, verdade é que sobre uma somma liquida maior, duplicava, pois, elevando-se a 156:000$000 réis por anno:
Ora já vê a camara que tem havido um decrescimento no producto destes impostos, filho, em parte, de um atrazo maior na cobrança, e que esse decrescimento se tem accentuado regularmente de anno para anno, no periodo de que fiz menção. Poderá, portanto, em presença deste facto, asseverar-se, com justiça, que algum atrazo na cobrança, quando comparada com a do anno anterior, atrazo que de mais a mais se vae vencendo de mez para mez, como o demonstram as notas respectivas publicadas no Diario do governo, resulte de que o governo descure a administração, e possa ser atribuída a uma influencia perniciosa das localidades e ás transferencias dos funccionarios, cuja origem se quer ver nessa influencia?
A que vem, pois, andar-se dizendo e espalhando por toda a parte, tomados para base os factos a que me refiro, que podiamos, melhorando a fiscalisação, conseguir os mesmos resultados que queremos ir buscar ao aggravamento do imposto?
Esta doutrina, tenho-o dito muitas vezes, e repito-o agora, reputa-a perigosa, e hei- de combate-la sempre.
Disse o digno par, o sr. Fontes que nunca recusara o imposto, e se gabava de ter ajudado a incutir no animo do paiz a convicção da sua indispensabilidade.
Já por minha parte declarei á camara quaes as circumstancias em que o paiz se prestou a sacrificios, e por que rasão em outras mostrava reluctancia para os acceitar. Houve uma epocha em que as receitas publicas augmentavam de facto, numa rapida progressão, e por motivo de aggravamento do imposto, melhorando-se assim sensivelmente a situação do thesouro como se prova do modo mais terminante pelos algarismos que tenho apresentado á consideração da camara.
O déficit que em 1868-1869 andava por uma somma superior a 6.000:000$000 réis, quatro annos depois achava-se reduzido a metade daquella somma.
Em 1872, ainda o sr. Fontes, que assumia o poder no meado do anno anterior, conseguiu melhorar, por diferentes propostas que chegaram a ser convertidas em lei, a situação da fazenda publica.
Mais tarde, porem, tudo mudou, e ou se não fallava em impostos, ou se encontrava reluctancia no paiz para os acceitar.
Como explicar este facto?
Alludindo ao seu procedimento em materia de creação de receita, acrescentou ainda s. exa:
"Pois, quem tem ajudado, como eu o tenho feito sempre a luctar com o déficit, póde com justiça ser accusado de o crear? O déficit não desappareceu nunca, nem ha de desaparecer tão cedo pela forca das circumstancias, o déficit nunca se extinguira."
E eu que ainda conservava na memoria alguns periodos dos relatorios do sr. Serpa, em que oficialmente se declarava o déficit extincto; eu que me recordava da singela, mas eloquente epigraphe em typo miúdo, á ingleza, epigraphe que se ha ao lado do texto do mesmo relatorio, e que resava da extincção do déficit, desse déficit que representava o preço das nossas conquistas liberaes, e dos grandes melhoramentos publicos; eu que me lembrava que nesse anno, era que o tal déficit se extinguia, elle aparecera resuscitado gloriosamente no fim da gerencia, na importancia de 2:000 e tantos contos não pude deixar de me admirar muito do que ouvia, dizer hontem ao sr. Fontes. Se o déficit chegou a estar extincto em tempo de s. exa., e se reapareceu, quem o creou? Necessariamente quem, estando no poder, não tratou de aproveitar circumstancias? tão favoraveis, e só curou de o augmentar em uma tão grande proporção.
Eu peço desculpa a v. exa. e á camara se me vejo Abrigado a repetir alguns factos e algarismos do meu relatorio; mas sou levado a fazel-o porque esta discussão deve ter uma grande publicidade, e considero que aquelle documento não póde tão facilmente chegar .ao conhecimento de todos. Talvez entenda mal, mas creio que é indispensavel que nestes assumptos a opinião publica tenha todos os elementos para se pronunciar com conhecimento de causa.
O tal déficit extincto não só resurgiu, mas cresceu e medrou de facto nas seguintes proporções:
Tendo sido em 1873-1874 de 2.266:000$000 réis, subiu successivamente a 2.551:000$000 réis, 4.051:000$000 réis e 5.000:000$000 réis, para chegar em 1878-1879 a 5.259:000$000 réis, algarismo que se teria elevado ás vertiginosas proporções de 7.759:000$000 réis se não tivesse havido a antecipação da receita do tabaco.
Portanto, quem creou o déficit?
Se s. exa. foi ò proprio a declara-lo extincto e elle reapparece na importancia de 7.000:000$000 réis, não nos accuse a nós por esse facto.
Fazendo coro com outros dos meus accusadores, censurou-me o digno par por eu ver as cousas em negro, embora fizesse justiça ás minhas intenções, porque s. exa. foi, como sempre, eminentemente cortez, respeitador de todas as conveniencias parlamentares, ferindo o adversario não com doestos mas com argumentos que significavam a traducção do seu pensamento, e o resultado de um estudo serio e consciencioso.
Na sua ordem de idéas o digno par declarou, pois, que eu. vendo tudo em negro, commettia nisso uma grave inconveniencia, porque fazia lavrar a descrença no paiz; mas a verdade felizmente é que o credito não está affectado, nem em Lisboa, nem em Londres, e o facto animador, o facto que torna realmente injustificavel essa descrença, é o de ter o paiz supportado. virilmente a exposição que lhe foi feita, com o intuito unico de obter remedio para o mal.
Não é isso devido de certo aos homens que compõem este governo, não se arrogou elle tamanho merecimento, esse facto é devido ás forças vitaes .do paiz, ás virtudes cívicas dos portuguezes. Seria erro e falta de patriotismo confiar nellas, e expor a verdade?
Fui accusado deter comettido um erro quando escrevi no meu relatorio que a importancia dos juros e encargos da divida publica era de 14.604:000$000 réis.