DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 167
têem dado logar a que se critique sinceramente o seu procedimento. (Apoiados.)
Isto é que é a verdade, á o que a nossa consciencia nos está dizendo, mas sem me referir a certas e determinadas opiniões, ou a um certo e determinado programma, não podemos desconhecer que ha opiniões, e muito sinceras, que nos avaliam mais pela origem da nossa organisação, do que pelos nossos proprios actos.
Sr. presidente, nem admira que assim seja, porque na verdade, quando se examina qual tem sido a tendencia das nossas leis civis, não podemos desconhecer que ellas estabelecem uma desharmonia grande com o principio da hereditariedade.
A Inglaterra tem leis civis que se coadunam com a hereditariedade do pariato; mas as nossas têem seguido a tendencia, que é hoje a tendencia geral do direito europeu.
Longe de mim a idéa de fazer agora a critica e o exame do espirito dominante nas nossas leis civis; reconheço para tanto a minha imcompetencia, refiro só o facto.
Quando em 1845 se tratou da lei que regula a hereditariedade, entenderam muitos dignos pares, e isto consta da nossa historia parlamentar, que era necessario estabelecer a faculdade de vincular uma certa porção de bens d'aquelles que de novo fossem nomeados pares.
Pois não só isto deixou de se fazer, mas pelo contrario a lei veiu depois destruir os vinculos que existiam.
Não contentes com a abolição dos vinculos, ainda veiu depois o codigo civil acabar com a unica especie em que entre nós era reconhecida a liberdade de testar, que era o prazo de livre nomeação.
N'esta parte não pronunciarei opinião, porque, a ter de a pronunciar, talvez ella não estivesse de perfeito accordo com a abolição dos prazos de livre nomeação, embora o estivesse com a abolição dos vinculos.
Não faço mais do que mencionar os factos.
A nossa legislação civil estabelece o principio da divisão forçada da herança, sem nenhuma limitação; sem a limitação vincular, que poderia ter inconvenientes economicos, e sem a limitação dos prazos, que talvez os não tenha.
Desde o momento em que se estabeleceu por modo absoluto a divisão forçada da herança, não foi isto o mesmo que decretar, que os elementos de influencia e grandeza das familias têem de desapparecer dentro de poucas gerações?
Ora, em circumstancias taes, com esta disparidade entre a legislação politica e a legislação civil, será possivel, sem algum remedio, sem algum temperamento, conservar de uma maneira absoluta, ou quasi absoluta, o principio da hereditariedade, porque essas restricções da lei de 1845 não podem satisfazer, para a boa organisação d'esta casa do parlamento?
Talvez que eu esteja em erro; não duvidarei acreditar que o estou, desde o momento em que a opinião dos meus collegas se pronuncie em contrario; mas, cumpre-me dize-lo, estes foram os motivos que me levaram a apresentar o projecto.
Sr. presidente, seja-me permittido dar um pouco de desenvolvimento á idéa do que este projecto póde importar o adiamento da reforma constitucional.
Eu não pretendo que as constituições sejam uma collecção de dogmas em que sempre seja vedado tocar.
Sou tambem d'aquelles que julgam que não deixa de ser necessario alguma vez aperfeiçoar as constituições conforme o espirito da epocha, e no que a pratica tem demonstrado que se acha incompleto ou imperfeito; mas entendo que isso só se deve fazer com maxima cautela e nos tempos normaes, sem as alterar nos seus fundamentos.
Eu creio que a Inglaterra se tem dado completamente bem com a sua velha constituição, fazendo com que ella se vá afazendo pouco a pouco ás modernas necessidades politicas. E não e só na Inglaterra; nós vemos, por exemplo, que na Italia, que tem passado por tantas transformações, a sua antiga constituição é ainda aquella por que ainda hoje se rege; governa-se pelo velho estatuto do Piemonte; e apesar de ser nova a transformação do paiz, não careceu para se reger de constituição nova. E com esta prudencia e bom senso politico tem a Itaiia augmentado não só em poder, mas no conceito da Europa, e hoje se vê em vesperas talvez de resolver a magna questão, que parecia insoluvel, da sua reconciliação com o pontificado catholico.
Isto não quer dizer, sr. presidente, que nas constituições não possam entrar ás vezes modificações, mesmo constitucionaes. O acto addicional de 1852 foi um grande acto politico, porque arredou as questões partidarias do campo constitucional.
Mais de uma vez o tenho dito: o acto addicional foi um grande acto politico; porque até ali cada partido tinha sempre arvorada uma constituição na sua bandeira de guerra, e o acto addicional foi a conciliação de todos os partidos no campo constitucional.
Não seria hoje assim; não o seria na maior parte dos casos, e sempre que em vez de cunho nacional a reforma constitucional trouxesse apenas o cunho partidario. A nossa constituição já antiga, já confirmada e sanccionada por uma longa pratica, tem por si a historia gloriosa da epocha em que foi implantada, e tem por si o respeito que se deve ao que é tradicional; a nossa constituição é antiga, mas tem em si propria, na previdente generalidade do seu artigo 144.°, na sua propria elasticidade, as melhores condições de duração. Dentro da carta e com a carta podem realisar-se sem o perigo de imprudentes aventuras, todos os progressos politicos uteis e praticos.
E assim, pela interpretação da carta, pela evolução lenta, que as reformas melhor se conseguem sem abalos nem transtornos; é assim que reformas da ordem d'esta que discutimos podem ter grande vantagem, demonstrando a desnecessidade de mudanças constitucionaes.
E não teremos senão que felicitar-nos se com esta e outras leis da mesma indole dermos, motivo ou pretexto ao partido avançado para pôr de lado o seu programma de reformas constitucionaes quando chegar ao poder. E se esse resultado se alcançar, seria isso fortuna para a nação; e nunca serei eu que por tal o critique ou lhe reprove a incoherencia.
Para tanto não bastaria este projecto; mas ainda outra rasão de opportunidade deriva-se da coincidencia d'elle com a reforma eleitoral, e com a alteração na lei dos subsidios dos senhores deputados.
Por isso, quando vejo que, ao mesmo passo que nós discutimos este projecto, a outra camara discute uma nova lei eleitoral, filha do principio parlamentar, alargando o voto, e não só o voto, mas o numero de circulos, e significando em todo o caso, o que é incontestavelmente um progresso grande, que o governo demitte de si uma parte d'aquella influencia e quasi omnipotencia que se lhe attribue em materia de eleições, creio, sr. presidente, que estes dois projectos se unem, se completam, e que esta casa procede bem se fizer a revisão da sua propria lei organica.
Tambem por outro lado se tira á camara dos senhores deputados o caracter de ser subsidiada por maneira a que não quero dar qualificação agora, mas que torna impossivel quasi, ou, pelo menos, difficillimo que as suas sessões durem alem do tempo marcado na carta constitucional.
Todas estas reformas mostram tendencias identicas, e não posso deixar de me felicitar pelas ver na téla da discussão e ter a esperança de que possam traduzir-se em leis. Todas estas reformas significam dar maior vigor, acção e influencia ao principio parlamentar.
Estas são as rasões que parecem justificar a opportunidade do projecto.
Não entro agora em qualquer desenvolvimento sobre a maneira de aperfeiçoar e de estabelecer as condições de nomeação e de successão: esse assumpto póde ser depois tratado na especialidade, e ainda mesmo considerado de novo