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Sr. presidente, eu respeito muito a classe militar, mas não a respeito nem mais nem menos que as outras classes da sociedade. Não vejo rasão para que as licenças de qualquer empregado estejam sujeitas a emolumentos, e não o estejam as dos officiaes do exercito e da armada. Mando para a mesa uma proposta n'este sentido, a mesma observação faço em relação ás condecorações. As condecorações graduam-se segundo a importancia dos serviços prestados. E tão benemerito do paiz póde ser um militar como um outro membro da sociedade. Esta é a rasão da minha outra emenda.
A respeito das gratificações, reporto-me ao que já disse. Se um empregado é nomeado para exercer outro emprego, do qual percebe um estipendio permanente o avultado, póde-se chamar a isso gratificação, mas a sua natureza é a de ordenado, e como tal deve pagar emolumentos. O ser amovivel e temporario, não é rasão em contrario, porque igualmente se pagam nos ordenados d'esta ordem de empregos.
A justeza d'esta reflexão torna-se especialmente saliente no ministerio da guerra. Ahi as gratificações abundam e superabundam. E não são insignificantes.
Eu tive a paciencia de contar no orçamento essas gratificações, não as que estão abaixo de 300$000 réis, porque isso era um trabalho improbo, mas as que são de 300$000 réis para cima: São duzentas e onze, pouco mais ou menos, e isto sem contar as que se dão aos officiaes empregados no estado maior do corpo de engenheria, que vem ali computadas em globo, e o artigo ali designado debaixo da epigraphe de «commissões varias», que supponho compôr-se exclusivamente de gratificações.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Peço a palavra.
O Orador: — E por isso que eu formulei a minha proposta n'estes termos:
«Todos os empregados que forem nomeados para exercerem outro emprego, do qual percebam, a titulo de gratificação, um vencimento annual superior a um terço do seu ordenado estabelecido para os diversos empregos publicos.
«§ unico. Não são exceptuadas do pagamento de emolumentos as licenças concedidas aos officiaes do exercito e da armada.
«Condecorações — Proponho a eliminação das disposições exclusivamente applicaveis aos militares.»
Eu entendo que essas gratificações, por terem o caracter de ordenados, devem ser sujeitas a regras identicas, e não vejo rasão para que os individuos que recebem quantias elevadas a titulo de gratificação, fiquem isentos de pagarem emolumentos.
Eu peço desculpa á camara de a ter cansado com estas observações; comtudo como as não julguei indifferentes á causa publica entendi que devia manifestar a minha opinião. Mando para a mesa as minhas propostas (leu).
Lidas na mesa as emendas do sr. Costa Lobo, foram admittidas á discussão.
O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Casal Ribeiro): — Sr. presidente, acrescentarei poucas palavras em defeza do projecto que se discute, e começarei propondo-me a explicar a rasão por que algumas observações do digno par, o sr. Costa Lobo, me parecem não ter cabimento na materia de que se trata. D'esta maneira tenho esperança de que, se não posso demover o digno par das rasões que o levam a votar contra o projecto, poderei comtudo remover do seu animo algumas apprehensões.
Lembrarei, em primeiro logar, a s. ex.ª que o assumpto de que se occupou, com relação ás gratificações que se pagam pelo ministerio das obras publicas e pelo ministerio da guerra; no da guerra a officiaes empregados na secretaria, e no das obras publicas a officiaes technicos; lembrarei, repito, a s. ex.ª que sobre este assumpto podia o digno par reservar quaesquer observações para um projecto especial, ou para a discussão do orçamento, porque aqui não tratâmos d'esses vencimentos, mas só dos que competem aos empregados civis.
O sr. Costa Lobo: — V. ex.ª dá-me licença?
O Orador: — Pois não.
O sr. Costa Lobo: — Nós estamos tratando de emolumentos, e por esta occasião entendi que se devia estabelecer que as gratificações, nos termos da minha proposta, não sejam isentas dos emolumentos. Foi isto o que eu disse..
O Orador: — Não tinha percebido bem o digno par; suppunha que s. ex.ª tinha feito reparo na importancia d'essas gratificações, e na desigualdade em relação a outras. Essa desigualdade vem da sua propria natureza; no corpo de engenheiros e nos corpos militares correspondem ás patentes. Mas ainda assim não me parece que possam ser approvadas as emendas do digno par, porque as gratificações não constituem ordenado, nem pódem ser consideradas como vencimento certo e permanente; a gratificação corresponde a uma commissão temporaria, que se póde dar ou tirar, como acontece todos os dias por motivos meramente de confiança ou de conveniencia do serviço; por isso não podem nem devem ser consideradas para pagarem direitos de mercê ou emolumento. Seria uma cousa extremamente injustificavel, que se fosse exigir a um official, que é despachado para commandar uma divisão militar, emolumentos pela gratificação que por esse facto recebe, quando muitas vezes não representa para elle um beneficio essa nomeação, á qual tem de obedecer em virtude das leis militares.
Eis-aqui a rasão por que não me parece aceitavel esta emenda do digno par; e é justamente aos militares de que s. ex.ª fallou que ella seria menos applicavel; mas eu vou mais longe, e entendo que o não é tambem a outros quaesquer funccionarios, a quem se não deve exigir emolumentos ou direitos de mercê correspondentes ás gratificações que recebem.
Quanto ás licenças aos militares e ás condecorações dadas em certos casos, a isenção de que falla a lei não é cousa nova: não é mais do que a manutenção da legislação existente, que tem rasão de ser. As condecorações de que se trata não são uma graça, são um direito. Dadas certas e determinadas circumstancias, os militares que têem um certo numero de annos de serviço, sem nota, têem direito a um certo grau da ordem de Aviz, correspondente á remuneração honorifica d'esses serviços. Entendeu-se isto sempre assim e continua a entender-se, e não ha rasão nenhuma para que se altere esta legislação e se vá pedir emolumentos aos militares pelas condecorações a que têem direito. Explicadas assim as rasões por que não me parece aceitavel a emenda do digno par, permitta-me a camara que eu acrescente alguma cousa em defeza do projecto e do seu pensamento geral.
O digno par, o sr. Costa Lobo, declarou com uma franqueza propria do seu caracter e que muito o honra, que não acha tudo mau n'este projecto. Reconhece por um lado, quanto á despeza, que o augmento eventual que póde haver é compensado pelo augmento de receita, e pela diminuição de outras despezas. Isto é exacto. Esse augmento é compensado, como disse o digno par, e compensado largamente, pela diminuição de despezas, e pelo augmento de receita.
Diz tambem s. ex.ª que approva o projecto em tudo quanto se refere á tabella. N'esta parte tambem faz justiça não só aos intuitos do governo, mas ao pensamento que teve em vista de harmonisar os diversos impostos d'esta natureza, e que se cobram em diversas secretarias d'estado, e sem rasão nenhuma de ser apresentam grande variedade. Mas não comprehendo como o digno par, approvando a tabella, da qual resulta um augmento de receita consideravel, queira ao mesmo tempo a sustentação do systema antigo; quer dizer que a receita que já existe, e acrescentada, reverta em favor dos empregados de certa classe, porque não são todos os que têem partilha nos emolumentos. N'este caso, eu não me atreveria, nem como ministro a propor, nem como membro do parlamento a votar um augmento consideravel, para melhorar unicamente os vencimentos de certa classe de empregados, aliás respeitavel, mas que não parece, se bem que eu geralmente fallando ache mal retribuidos todos os funccionarios publicos, que emquanto as circunstancias do thesouro o não permittem, possam ser melhorados nos seus vencimentos, porque relativamente fallando não são os officiaes de secretaria os peiores retribuidos.
Parece-me portanto que quem approva a reforma da tabella, no sentido em que ella esta feita, implicitamente approva o pensamento do projecto, de que hão de vir lucros ao thesouro e que vae melhorar o serviço. Parece-me que isto é um ponto incontestavel. E não se diga que o estimulo do interesse individual é que póde concorrer para o bom serviço. Se o estimulo do interesse individual servisse para alguma cousa seria de certo no caso sujeito, em prejuizo do serviço publico, que ficaria preterido pelo dos particulares. E para provar isto bastam duas observações. A primeira é que os emolumentos não são repartidos por todos os empregados das secretarias, mas por uma certa classe exclusivamente. A segunda observação é que os emolumentos se recebem unicamente por certos e determinados actos de serviço, e não póde haver a preferencia d'este serviço contra outros.
Triste estimulo seria esse de que falla o digno par, se levasse os empregados a preterir o serviço publico pelo particular. Por consequencia parece-me mais justo, mais consentaneo ao decoro do serviço, não estabelecer estimulos taes.
Não ha duvida alguma de que o methodo de pagamento por ordenado fixo é aqui mais regular e consentaneo ao serviço. Ora se o digno par concorda que a reforma da tabella é rasoavel em geral, porque só fez algumas objecções a alguns pontos, e se concorda que é pequeno o augmento de despeza eventual que póde resultar das aposentações; se vê por outro lado até uma economia directa de alguma importancia, porque o vencimento que se estabelece ao primeiro official é inferior ao actual em 200$000 réis, o que importa uma economia e reducção de despeza, não vejo rasão para que vote contra. Não me encanta esta reducção; mas o governo entendeu que apresentando esta lei devia harmonisar quanto fosse possivel os vencimentos dos empregados das secretarias; e não achando opportuno augmentar os dos segundos officiaes e amanuenses, propoz a reducção para os primeiros officiaes que de novo forem entrando.
Alludiu-se tambem á difficuldade de cobrar os emolumentos. Eu não receio nada, sr. presidente, d'esta difficuldade, e parece-me que ella na realidade não existe. Perguntou o digno par se havia ou não uma grande divida por direitos de mercês. Posso assegurar que esta divida é antiga e anterior a 1860. Examine o digno par o mappa da cobrança, e verá que os direitos de mercê se cobram actualmente n'uma proporção muito maior do que antes, e cobra-se não só o corrente, mas muito por conta do atrazado, porque hoje extrahem-se conhecimentos pelos direitos de mercê, como se pratica com todas as contribuições directas pelas repartições de fazenda competentes, o que tem dado excellente resultado para a effectividade da cobrança. Em condições taes tem tantas garantias de cobrança esta como as outras contribuições directas.
Os factos têem mostrado exuberantemente que se fiscalisam e cobram os direitos de mercê; o mesmo ha de acontecer agora com relação aos emolumentos que se convertem em uma especie de direito addicional ao direito de mercê. Não vejo portanto que se possa justamente allegar que ha difficuldade de cobrança e de fiscalisação, nem que se possa elogiar o systema antigamente seguido. Pelo contrario, a cobrança, como se fazia até agora pelas secretarias d'estado,
sendo em beneficio particular, porque o emolumento era a favor ¿de certa classe de empregados, acontecia muitas vezes que os individuos que deviam recebe-los dispensavam o seu pagamento e estavam no seu direito, porque davam do que era seu, e muitas vezes deixavam de receber os emolumentos que lhe pertenciam por contemplações individuaes ou de classe. D'aqui resultava que muitas vezes se não cobravam os direitos a que estavam obrigados alguns individuos. Mas desde o momento que o emolumento pertença ao estado já ninguem póde fazer favores do que não é seu, e portanto não ha aqui perigo para a cobrança, ha a garantia.
Posto isto permitta me V. ex.ª que eu não discuta n'esta occasião a theoria, que o digno par apresentou, de que se não devia augmentar uni só real na despeza publica, nem mesmo para melhoramentos de reconhecida utilidade absolutamente necessarios. Não é assim que o governo entende que se devem fazer economias. A proposito de melhoramentos citou-se um melhoramento moral de tal ordem, que no meu entender se a sociedade recuasse diante da necessidade de o dotar mais largamente e melhor, abdicaria o seu futuro; fallo da instrucção popular. Não é licito á mais estreita economia negar os subsidos para que o povo se vá tornando successivamente mais apto para gosar das liberdades que as nossas instituições lhe conferem. Sem tratar agora d'este objecto, porque não me parece necessario discutir a theoria, que eu não aceito por demasiadamente absoluta, concluo que das mesmas considerações que o digno par apresentou se póde deduzir que a camara póde approvar sem escrupulos este projecto.
Agora, se V. ex.ª me dá licença, mando para a mesa a seguinte:
PROPOSTA
Proponho que seja consultada a camara se permitte que o digno par o sr. Barreiros possa accumular, querendo, as funcções do pariato com as que exerce na secretaria d'estado dos negocios estrangeiros. = Casal Ribeiro.
Pedia a V. ex.ª a urgencia.
O sr. Presidente: — Esta proposta é da natureza d'aquellas que se costumam votar logo, e portanto vae ler-se.
Leu-se na mesa, e posta á votação foi approvada.
O sr. Presidente: — Está approvada. Tem o sr. Ferrão a palavra.
O sr. Silva Ferrão: — Não quer impugnar o parecer, pediu a palavra para fazer algumas breves observações á doutrina fundamental do projecto, que reputa falsa em these e prejudicial na applicação.
O orador não vê que haja a menor vantagem para a thesouro em passarem para elle como receita as verbas dos emolumentos, e acha n'isso mui grande desvantagem para os interessados e para os funccionarios; áquelles por motivos que são bem obvios, a estes porque, diga-se o que se disser, tira-se-lhes um incentivo; e não só um incentivo, mas alguma cousa ainda mais importante; e lembra que foram esses emolumentos o unico recurso a que poderam acudir quando estiveram mais de um anno atrazados em seus vencimentos, circumstancia que não é impossivel dar-se, ainda que não pareça hoje muito provavel.
O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, poucas palavras direi, mas como hei de mandar para a mesa um additamento, emenda ou substituição, ou como em direito melhor nome haja, devo fazer uma declaração. E julgo necessario faze-la, porque n'esta nossa terra tudo quanto é praticado por certa ordem de pessoas, attribue-se-lhe desde logo um pensamento reservado, um mau fim ou um interesses illegitimo.
Eu devo pois declarar que não tenho interesse algum no que vou propor. Eu já estou encartado (leu).
Sr. presidente, entendo que é altamente ridiculo exigir-se um imposto d'esta ordem. Não é de certo um imposto do estado com que o governo possa satisfazer ás necessidades e exigencias do serviço publico, mas uma economia que envolve uma grande injustiça. Aqui fallou-se n'outro dia em nobreza hereditaria; foi o sr. ministro dos negocios estrangeiros; e estando de accordo com bastantes cousas que s. ex.ª disse, não me é possivel combina-las com esta exigencia. Que se exijam estes e outros emolumentos d'aquellas pessoas que desejam titulos e honras, justo parece, mas que se façam iguaes áquelles que representam nobreza hereditaria como recompensa dos serviços dos seus maiores, é o que não me parece justo, nem curial.
A nobreza deve ser sempre a recompensa de serviços que seguramente não podem deixar de ser respeitados. Mas como se exigem d'ella estas quantias? Se se attende a que a nobreza deve sempre ser a recompensa de serviços, é claro que ella assim como dá direitos impõe deveres. E com effeito, eu vejo na historia do nosso paiz exemplos de pessoas pertencentes a esta classe, que deram brilhantes provas de conhecerem perfeitamente que a nobreza obriga, como disse o sr. ministro dos negocios estrangeiros, a servir o paiz. Não quero d'estes privilegios que servem apenas para os individuos satisfazerem uma vaidade pueril, e que entendem que a nobreza não traz comsigo nenhuma obrigação para com os outros; mas tambem não entendo que o systema constitucional viesse riscar as paginas brilhantes da nossa historia. É verdade que hoje lança-se um certo desfavor sobre a palavra nobre, mas o que é certo é que todos se querem nobilitar. É uma cousa notavel ver os maiores republicanos cobertos de fardas agaloadas e cheios de condecorações!
Ora, sr. presidente, sejam sinceros uma vez e digam que é melhor merecer ser nobre do que solicitar a nobilisação, e já que se querem nobilitar, respeitem a nobreza antiga e os seus serviços, que são representados por estes titulos venerandos.
Eu estou cansado de ouvir pronunciar palavras magicas