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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 175

mento do governo, embora eu prestasse culto ao homem de genio e esforçado politico, como era o general Prim; eu declarei, como ainda hoje entendo, que estando nós na melhor harmonia com o governo hespanhol de então, não se devia consentir que o general Prim declarasse que estava em Portugal conspirando contra o seu governo.

Por essa occasião occupei a tribuna bastante tempo, defendendo o que entendia em minha consciencia dever defender, isto é, o acto que o nosso governo praticara. S. exa., o actual sr. ministro da guerra, que era então creio que da fazenda, porque n'essa conjunctura quem presidia era o sr. Joaquim Antonio de Aguiar, de certo ha de ter bem presente que eu chamei a attenção do governo sobre assumpto tão melindroso, attentas as circumstancias que acompanhavam o facto a que me refiro.

Em circumstancias iguaes, ou em certos pontos parecidas, não procederei de uma maneira diversa; mas bem pelo contrario, forte com as rasões desse meu procedimento antigo, n'ellas fundamentarei o meu procedimento de agora.

Direi, pois, alto e bom som n'esta casa do parlamento, que a monarchia constitucional está em perigo em Portugal; que o throno de El-Rei o Senhor D. Luiz, que deve estar identificado com as idéas liberaes, corre igual perigo segundo a minha opinião. Desde que assim o entendo não posso calar, porque entendo que tenho obrigação e dever de dizer a verdade e só a verdade, n'este senado, assim ao povo como ao rei.

Ha certos momentos na vida do homem, nos quaes o guardar silencio é conveniencia e acerto; outros ha, nos quaes guardar silencio é crime; e fallar com desassombro e franqueza é obrigação e dever. Recordarei as sublimes palavras de um escriptor egregio de tempos que já vão longe: " Tempus est loquendi, quia jam pretosrit tempus tacendi. Tacere signum est de diffidentia non modestice ratio". "É pois tempo de fallar e não de guardar silencio: o que seria hoje signal de desconfiança e não rasão de modestia". E hoje tanto mais necessaria, tanto mais indispensavel a defeza energica da verdade, quanto é violento, quanto é pertinaz o ataque á verdade por parte dos sectarios de diversos erros que combatem com violencia e ardor.

Não cruzemos, pois, os braços diante dos que pretendem propinar-nos a peçonha, mas opponhamos-lhe com vigor o salutar antidoto. Dizia Juvenal, na sua primeira e mui elegante satyra: "Semper ego auditor tantum nunquam ne reponam". Assim dizia o illustre poeta na elevação da sua linguagem. Na humildade da minha perguntarei eu aos sectarios do erro: porventura pretendeis vós que escutemos silenciosos os vossos arrasoados, ou que sejamos mudos espectadores das vossas tramas, sem que uma replica vigorosa pulverise os vossos argumentos, e uma acção energica e decidida inutilise as vossas maquinações? Não, não lograreis os vossos intentos, e pela minha parte espero ser do numero d'aquelles que opporão á vossa audacia esforço decidido e obstaculo vigoroso.

Vamos, pois, aos factos, e acompanhemos a narração d'elles com os devidos commentarios. Ouviu a camara a leitura que eu fiz da correspondencia do Jornal do commercio, e por ella ficaria conhecendo que n'aquelle districto se conspira abertamente a favor do carlismo, alliciando-se soldados para o exercito absolutista; em uma palavra, conspirando-se abertamente a favor da causa de D. Carlos, sem que as auctoridades ponham impedimento ou embaraço. Diz o auctor da correspondencia, que as auctoridades são conniventes, e que por isso se não oppõem aos planos dos conspiradores. Eu tenho tambem informações particulares que fortemente corroboram as affirmativas dó auctor da correspondencia.

A Crença liberal, a que me referi, conta-nos das alliciações no districto de Evora de soldados para o carlismo, sem que as auctoridades tambem estorvem a acção dos alliciadores!

Ora, sr. presidente, perguntarei aos meus collegas, se tendo eu censurado n'esta camara o procedimento do general Prim, quando elle conspirava abertamente contra o governo de Hespanha, abusando da hospitalidade portugueza, e que por essa occasião pedia ao governo que não consentisse similhante proposito; repito, se não me assistirá agora rasão em pedir ao governo que não consinta que os conspiradores absolutistas em o nosso paiz pratiquem actos que são agora, como então, uma provocação ao paiz, com o qual igualmente estamos em paz.

Estes procedimentos dos conspiradores de agora são ainda mais graves, porquanto as nossas auctoridades, mudas e quedas diante d'elles, parece que não só os não embaraçam nos seu esforços, mas até parece serem conniventes nos seus empenhos; e note-se bem que o perigo hoje é maior do que no tempo em que o general Prim estava entre nós, pois que hoje a situação é mais "grave com relação a Portugal, e por isso o perigo é maior para as instituições liberaes e para o throno do Senhor D. Luiz, que não póde subsistir sem estar ligado a estas mesmas instituições.

Toda a imprensa absolutista de Portugal, de Hespanha e de França está de perfeito accordo na idéa do restabelecimento de todos os thronos, a que ella dá o nome de legitimos; quem quer o restabelecimento de um quer o restabelecimento de todos, diz ella, e convem por isso em a necessidade de reunir em volta de um só estandarte todos os defensores da monarchia antiga.

Direi, pois, sem receio de ser contrariado por ninguem, que o triumpho da causa do Senhor D. Carlos em Hespanha é o triumpho da causa do Senhor D. Miguel em Portugal; pois que tudo que estamos vendo demonstra que existe um tratado particular feito entre o Senhor D. Carlos e a mãe do Senhor D. Miguel, tratado este que tem por fim auxiliar o segundo na conquista da corôa de Portugal logo que o Senhor D. Carlos tenha feito a sua entrada triumphal em Madrid, e collocado sobre sua cabeça a corôa de S. Fernando. Não admira, pois, que o partido realista-miguelista conspire em favor dos carlistas, pois que trabalhando a favor d'elles trabalham a favor da causa do Senhor D. Miguel.

Abertamente declaram os mais decididos apostolos d'aquelle partido, no seu jornal a Nação, que a hora do seu triumpho está proxima; e o sr. Pontes e Athaide, antigo militar, em uma carta que ultimamente publicou em o jornal a Nação, dirigida ao sr. Senna Freitas, redactor da Patria, abertamente declara que elle e os seus farão guerra sem quartel aos constitucionaes; que a hora do triumpho está proxima; e que presentemente é melhor fallar menos e trabalhar mais.

Esta linguagem é franca, e ainda que de modo nenhum denuncia que o partido realista quer dar qualquer passo imprudente, demonstra que o mesmo partido trabalha activamente em preparar o terreno com prudencia e ardor, para dar o golpe decisivo logo depois do triumpho de D. Carlos em Hespanha.

O partido realista pensa que o partido republicano intransigente porá estorvos insuperaveis á marcha politica e administrativa da republica, presidida pelo sr. Figueras; e em verdade, e por minha parte, direi que nutro serios receios de que a moderação e o provado talento do sr. Figueras e do sr. Castellar não sejam superiores á insania dos intransigentes; e se assim for, assistiremos ao triumpho da anarchiá no reino vizinho, acompanhada do necessario cortejo dos horrores e injustiças, que são o apanagio de todos os despotismos, e seguida do exicio da republica e da inauguração de um novo Cesar, que não será senão D. Carlos, ou seu irmão D. Affonso, casado com a filha do Senhor D. Miguel.

Após este acontecimento não tardará em desapparecer de entre nós a dynastia, a constituição e a liberdade. Não se engane, pois, o Rei; não se illuda o governo; não se illudam os liberaes. E direi eu que para o triumpho do absolutismo estão concorrendo mais do que quaesquer outros

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