176 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
aquelles que, proclamando em altos brados os direitos dos cidadãos, a excellencia da liberdade e as vantagens do socialismo, do communismo com o seu obrigado acompanhamento do inventario social, estão por essa rasão assustando todos os homens pacificos, que, recordando-se dos horrores da convenção franceza de 1793, da communa de 1870, e das fallazes promessas de tantos especuladores politicos, julgam não encontrar defeza para tamanho mal senão no antigo regimen, ou, o que é o mesmo, nos governos de repressão, a que certos politicos dão o nome de governos fortes e energicos.
Direi aos innovadores communistas ou socialistas, que nos promettem o inventario social, que é praxe seguida no juizo, quando se trata de inventarios, mandar ouvir as partes interessadas sobre a fórma da partilha; mas os reformadores da sociedade, tão interessados no inventario, nada nos disseram ainda sobre a forma da partilha, e apenas se limitam a declamar contra a propriedade, proclamando a necessidade da sua destruição, e com ella a des truição da familia; e, direi eu, da justiça e da liberdade.
Condemno, pois, como blasphemos tanto aquelles, que apontando com a dextra para a pudica estatua da liberdade, a saudam, emquanto que com a outra escondida sob o manto empunham o negro punhal do exterminio; como os outros que, invocando o direito divino, á sombra d'elle commettem todos os excessos. Os primeiros matam com o punhal, os segundos matam na fogueira. Louvo e exalto aquelles que sabem alliar a liberdade sem a licença com a ordem sem a tyrannia; censuro, condemno os que não sabem mandar sem ser tyrannos, assim como lamento os que não sabem obedecer sem ser conspiradores. Amo, estremeço a liberdade e a ordem sem excessos nem demasias. Á audacia e á colligação dos absolutistas com os demagogos opponhamos-lhe a energia, e previdencia de verdadeiros liberaes.
Convido o governo, convido todos os liberaes para esta santa cruzada da liberdade contra todos os especuladores e contra todas as exagerações. Srs. ministros, vigilancia, energia e boa politica consubstanciada em sensatas reformas é o que lhes peço, e sobre que chamo a sua attenção.
Tratemos de não sophismar as leis, para não dar rasão aos inimigos das instituições e da liberdade.
Sei que se me póde responder, não o sr. ministro que é homem de bom aviso e larga experiencia, que a liberdade está fortemente enraizada nos espiritos para poder temer-se ataque e menos ainda perigo; póde-se-me dizer que uma grande nação, cheia de recordações gloriosas, nada póde temer de renegados filhos ou de audaciosos estranhos. Portugal foi senhor dos senhores; nobre paiz; patria de Camões, o cantor de suas glorias, de Gama, o principe das suas conquistas; de D. João I, o mestre dos seus monarchas; de Castro e de Albuquerque, os preclaros entre os seus grandes heroes; mas a Grecia tambem foi grande e forte, e a Grecia perdeu a sua grandeza e eclipsou-se a sua gloria.
Que notavel espectaculo nos apresenta a Grecia nos bellos tempos da sua grandeza. É o espectaculo de um povo, ao qual sobram louros para tecer merecidas corôas a tantos de seus filhos. Cingem coroas os vencedores em Platéas, em Marathon e em Salamina.
Louros conquista Herodoto, quando nos jogos olympicos é tão grande como Jupiter improvisando a Minerva, pois que contando os seus combates improvisa a historia.
Louros merece o fundador da academia e do lyceu quando em sublime vôo percorre os horisontes da intelligencia humana, e quando, obedecendo á sua voz, se faz atheniense e genio da philosophia.
Louros pertencem aos que, inspirados pelos Deuses animando os marmores e a tela, obrigam o genio das artes a que habite o Parthenon e que abandone o Olympo.
E como se faltasse ainda uma bella flor para a sua esplendida coroa, nasce Demosthenes, e com elle invade a praça publica, magestoso e sublime, o genio augusto da tribuna.
Mas os oradores, os guerreiros, os artistas, os philosophos desapparecem, e a Grecia fica orphã e arrasta o luto da viuvez para que o abandone a antiga glofia.
Seccam-se os louros porque jazem no sepulchro todos os grandes cidadãos; a Grecia desmaia, porque para consolação só tem junto ao seu leito de dor os sophistas. Os sophistas, que apparecem sempre para conduzir os povos agonisantes ao sepulchro quando a intelligencia os desampara e quando a Providencia os condemna.
Foram os sophistas os destruidores da ventura, da grandeza, da gloria na Grecia antiga; assim como em todas as epochas elles apparecem para flagello dos estados, para deshonra da humanidade.
São sophistas aquelles que, ajoelhando humildes de braços em cruz ante o throno do Divino, vão depois incensar a Baal no templo do orgulho e da cobiça.
São sophistas aquelles que, monopolisando a religião, só elles pretendem ser dignos apóstolos d'ella; invectivam, calumniam o proximo, promovem a desordem nas familias e na sociedade e, falsos pregadores da paz, semeiam a zizania e a discordia, promovem só os seus interesses, e mais não fazem do que saciar a cobiça á custa do credito e da fazenda alheia.
São sophistas aquelles que, convocando o povo aos comicios, só lhe promettem o que lhe não podem dar; convertem os amigos em conjurados; e se porventura entendem que o povo prefere a elles algum mais honrado, tratam logo de o atraiçoar e intrigar, porque sómente para si tudo ambicionam e tudo querem; mas o dia da justiça chega, e o povo enganado por elles trata do desforço; e quando elles esperam receber as corôas civicas, o povo dá-lhes a devida recompensa castigando-os com o sarcasmo e o apupo.
São sophistas aquelles que, affectando piedade, affectam não querer communicar senão com individuos de prudencia e virtude; são prodigos em epithetos affrontosos para quem os conhece e desmascara, chamam aos inimigos pedreiros livres, revolucionarios e impios; e não duvidam ir a occultas preparar tenebrosos planos, de que lhes provenha engrandecimento e fortuna, a casa de outros ambiciosos, embora ornem os gabinetes da conspiração emblemas revolucionarios ou caveiras medonhas, indicação certa de que o dono da casa pertence a sociedade suspeita.
Até no sexo fragil apparecem sophistas, pois sophistas são aquellas que, affectando o pudor das Lucrecias, se assimilham nas acções ás Cleopatras e ás Brinviliers. Quando vemos até o sexo devoto enfileirado no exercito dos sophistas, quando vemos a Brinviliers commungando todos os dias e visitando os hospitaes, mas experimentando venenos para matar o marido e o pae, porque só o que queria era prazeres e dinheiro, como poderemos admirar-nos que entre os homens se apresentem tantos hypocritas, cuja unica missão é enganar a sociedade, atraiçoar o povo, engrandecendo-se e locupletando-se á custa da sociedade e do povo.
É, pois, necessario ser severo contra os sophistas e contra os hypocritas; cumpre, pois, arrancar-lhes as mascaras com que se encobrem para a salvo poderem levar a cabo os seus planos mofinos e nefastos.
Nos tempos da corrupção da antiga Roma, mesmo sob o regimen despotico dos Césares, molhavam-se pennas em fel para castigar a hypocrisia d'aquellas epochas e a devassidão das diversas classes. Tacito foi o pintor da sociedade publica da Roma antiga, Juvenal foi o pintor da sociedade privada. Ninguem como Juvenal castigou tão severamente todas as audacias da devassidão e do crime; mas se elle, usando da satyra, foi grande e forte, teve outros que ou o precederam ou o seguiram na censura e na critica. Lucilio, Petronio, Persio, e outros, são exemplares eximios, que, mais ou menos violentos, se podem pôr a par dos mais notaveis.
A sociedade moderna carece de ser expurgada dos seus sopaistas, quer elles invoquem a religião para inaugurarem