DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 202
Vejo entrar, em boa hora, o sr. visconde de Chancelleiros, ministro das obras publicas; s. exa. para mim, e n'este momento, consubstancia em si todo o ministerio, é por consequencia os poderes da todo o governo; talvez pois que s. exa. esteja habilitado a dar quaesquer explicações satisfactorias, a fim de poderem entrar em discussão esses projectos impressos que se acham sobre a mesa. Bem sei que para um d'elles já um digno par pediu o adiamento, até estar presente o sr. ministro da guerra; esse projecto é o que trata das promoções feitas aos militares que fizeram o 19 de maio.
Ora, é possivel que o sr. ministro competente não venha, e o projecto ahi fica adiado indefinidamente. Não gosto d'isto assim, gosto muito mais das posições definidas. Espera-se o sr. ministro, e le não vem, quer dizer que é um modo indirecto que o governo buscou de se não tratar tal cousa.
Ha outro projecto importantissimo, o qual um ministro mesmo pede que fique adiado até chegar o outro ministro, porque já não tem tempo de comparecer, e a questão tara bem se não trata. Isto é que não póde ser, nem deve continuar assim! Fallo ca contribuição pessoal.
Sr. presidente, eu não posso deixar de dizer o que sinto, e supponho que estou na ordem?
Vozes: - Está, está
O Orador: - Mas eu continuo fallando, porque nem mesmo me consta que nunca se tapasse a boca no ultimo dia, a quem está para morrer, e a dissolução mata-nos constitucionalmente! Assim morre o systema parlamentar.
Foi, como já disse, adiado o projecto dos postos dos militares de 19 de maio; esse projecto é importante, porque é uma questão de moralidade, de disciplina e de sustentação da ordem publica; está impresso, e o sr. ministro da guerra calculada ou não calculadamente não apparece. Não trato agora de apreciar es rasões da sua falta; mas o projecto caduca com a dissolução, e é preciso para que elle vá por diante, que tenha nova iniciativa na camara dos senhores deputados; no entanto, por agora, fica suspenso, e a questão não se resolve. Esta é que é a verdade.
Eu, sr. presidente, morria se visse fechar a camara sem dizer estas verdades, e protestar contra o que se está fazendo; e não admira que eu falle assim porque já n'esta casa declarei que era opposição unica, porque não estava nem estou sujeito aos caprichos nem aos interesses de nenhum partido, e a rasão é porque os tenho visto a todos abandonarem as suas bandeiras, não se importando mesmo com a sustentação dos seus principios, em favor d'este governo! Tenho-os visto a todos transigirem com elle em diversos e variados pontos. Mas o tempo demonstrará a verdade e fará a verdadeira justiça, castigando tão grande falta. Alem d'isso, ha uma outra rasão que me faz ser opposicionista, é o vicio de origem d'este governo; é um governo que aceitou e nasceu dos comprimissos que abomino e reprovo, e por consequencia deixa de ser um governo, porque não tem liberdade de acção nem tem principio nenhum de constitucionalidkde; logo é um governo inconstitucional, que eu não posso apoiar, e assim sou e hei de ser, pois, opposição, emquanto elle durar; e digo hei de ser, porque esta camara não se póde dissolver como a dos senhores deputados, ponto forçado de todos os governos!
O outro projecto tambem de grande consideração, a que ha pouco me referi, é o que trata do imposto pessoal e sumptuario.
Este projecto levou mais de um mez a discutir na outra camara, e a final vem aqai morrer, porque o sr. presidente do conselho não julga urgente a sua discussão n'esta casa, e veiu pedir que se não discula o projecto sem estar presente o sr. ministro da fazenda. Ora o sr. ministro da fazenda não vem cá.
O sr. Xavier da Silva: - Esteve cá hontem.
O Orador: - Então a culpa é da camara? Eu não me atrevo a censurar os meua collegas. O facto é que este tributo pessoal ía alterar até um certo ponto o systema tributario, acabando com a repartição e tornando a quota mais equitativa; o facto é que este projecto, de grande importancia, foi posto de parte, veiu acabar aqui. Este é que é o facto. A occasião era propria.
Ha outros projectos nas mesmas circumstancias, que eu podia enumerar, e que não enumero, primeiro porque me canso, segundo porque é inutil, e terceiro porque não quero enfastiar os meus collegas.
Sr. presidente, se estivesse aqui presente o sr. ministro da marinha, chamaria a attenção de s. exa. para um ponto que julgo altamente importante; mas como está presente o sr. ministro das obras publicas, s. exa. poderá conseguir dos seus collegas fazerem o que melhor for a bem d'este paiz.
Apresentei aqui a 27 de março uma representação de seiscentos e tantos cidadãos de Goa, em que era o primeiro um padre respeitavel que tem feito serviços ao nosso padroado, e que muito considerado é. A opinião d'esses cidadãos, e não só d'elles, mas tambem de uma grande parte da população portugueza, appella hoje, como meio de civilisação para as nossas colonias, para as missões (apoiados). Não sé leva o barbaro a abdicar dos seus maus principios, a desprender se dos seus ruins costumes, senão pela idéa santa e religiosa que o impelle para a vida civilisada e o obriga a obediencia. A espada só não basta (apoiados). Vou narrar um facto que li ha tres dias no Jornal da noite.
Esse celebre bonga que assusta tanta gente, pelo menos, porque é muito o dinheiro que nos faz gastar, mandou ultimamente render preito e homenagem á auctoridade portugueza; e sabe a camara a resposta que se lhe deu, sabe qual foi a resposta civilisadora, religiosa e humanitaria que obteve o bonga? Foi
cortar-se a cabeça ao emissario ou parlamentario que aquelle rebelde mandara para apresentar a sua submissão á auctoridade portugueza! Se este facto é verdadeiro, aqui tem v. exa. a fonte e a origem de toda a anarchia que póde haver nas provincias ultramarinas. É que ha governadores com tão pouca intelligencia, já não digo coração, que ensinam ao barbaro que póde cortar a cabeça ao parlamentario! Aqui está por que eu digo que é precisa a missão para o barbaro e a civilisação para o governador (apoiados).
Nós estamos vendo os horrores praticados em França porque ali se extinguiu, se suffocou, se aniquilou todo o sentimento religioso do povo (muitos apoiados). D'ahi é que nasceu todo o mal; só de atheus, de impios, de homens fera religião é que podiam provir idéas tão iniquas como as que importam as atrocidades que com horror se tem presenceado na capital da França (apoiados).
Sr. presidente, o que se tem visto é o fructo das más doutrinas que se teem pregado aos povos, é o fructo da impiedade, e quem tiver filhos deve temer por elles as consequencias funestissimas dos maus principios que se têem propagado.
Préga-se a impiedade publicamente em Lisboa! Ainda mais, sr. presidente, eu já vi justificadas as infamias praticadas em Paris com o que dantes praticava o santo officio! Ora, sr. presidente, pela minha parte, tanto se me dava morrer ás mãos de um frade do santo officio como ás de um daquelles partidarios da communa, que se chamam humanitarios.
Sr. presidente, as missões são necessarias, mas são as missões de pobreza; não são guerrilhas nem milicias, são a primeira tropa, composta daquelles que dizem: vou ali morrer no meu posto, porque fiz voto de obediencia e pobreza. Assim é que eu entendo as missões, e não quero as missões dos mercenarios, d'aquelles que o que querem é ir buscar tantos contos de réis, para, acabado o tempo que não podem deixar de lá estar, virem come-los com a familia em casa.
Eu assim como digo isto tambem entendo que a repre-