414 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
gulamento de contabilidade estabelece que não se deve votar despeza sem receita correspondente.
Pergunto, pois, ao sr. ministro da marinha, qual era a receita que o governo entendia dever crear para fazer face aos encargos de que se trata?
Os governos têem obrigação de respeitar as leis, e este muito principalmente as que foram referendadas pelo sr. Fontes Pereira de Mello.
Esta lei a que me refiro foi pelo sr. Fontes apresentada com o unico intuito de impedir o systema seguido pelo partido regenerador, que era estar constantemente votando despezas, de forma que, em logar do se estabelecer o equilibrio orçamental, o déficit ia sempre augmentando.
Portanto, antes de proseguir nas minhas reflexões, desejava que o sr. ministro da marinha indicasse qual era a opinião do governo ácerca dos meios para satisfazer a despeza que se pede.
O sr. Ministro da Marinha: - Sou antigo amigo do digno par que acaba de fallar, e por isso mesmo, quando não fosse obrigação minha responder ás perguntas que s. exa. me dirigiu, bastava a muita deferencia que por elle tenho, para não poder esquivar-me a dar-lhe resposta.
Direi em primeiro logar que o governo trouxe ao parlamento algumas propostas para crear nova receita, as quaes foram já votadas na outra camara, e julgo que tambem nesta.
Não me parece facil saber a quanto ascenderá essa receita, como tambem me parece que não é agora a melhor occasião para se averiguar se as diversas despezas que é necessario fazer, têem ou não teem receita á sombra da qual se abriguem.
Se eu podesse pedir auctorisação para despender estas sommas sem precisar recorrer ao credito, creia o digno par que a pediria.
Eu achava muito mais agradavel vir apresentar uma proposta como esta que se discute, indicando ao mesmo tempo a origem da receita com que se contava para occorrer aos novos encargos que se tornava indispensavel contrahir; isto satisfazia-me necessariamente, mas não era porque eu esperasse obter maior benevolencia da parte dos que me fazem opposição.
Ainda ha pouco se votou um projecto meu em que o governo não pedia augmento de despeza, e nem por isso foi menos impugnado; pedi uma auctorisacão para reformara secretaria da marinha, declarando que era sem augmento de despeza e, nem assim, escapou ás iras da opposição.
Por consequencia, ou de uma forma ou de outra, ou com receita ou sem ella, estou convencido de que a minha proposta não deixaria de merecer a desapprovação do digno par.
Quanto ao outro ponto, a lei que s. exa. apontou, referendada em 1876 pelo meu digno amigo o sr. presidente do conselho e que se refere á emissão de titulos de divida, creio que não tem nada com as disposições contidas na proposta em discussão; e quanto ao regulamento, não me consta que se lhe deva attribuir forca de lei. Do que se trata é de um emprestimo que talvez possa sair da receita que se votou, e nesse caso fica perfeitamente a coberto. Senão, sairá da unica fonte de que póde sair.
O sr. Vaz Preto: - Ouvi as explicações do sr. ministro da marinha, e agradeço a s. exa. a deferencia que teve para commigo, e agradeço-lhe sobre maneira, ainda que a minha individualidade desapparece diante da minha qualidade de membro do parlamento, por consequencia a deferencia, quando eu faço qualquer pergunta, é mais para a camara do que para mim; comtudo não deixo por isso de agradecer a s. exa. a sua attenção.
O sr. ministro da marinha disse que esta lei não SG refere nem póde ser applicada ao projecto que se discute.
Pois a que se refere?
Quando é que póde ser applicada?
Quando é que tem logar a emissão de titulos de divida publica?
Não os emitte o governo para consolidar a divida fluctuante que forma, recorrendo ao credito para satisfazer estas despezas?
Por consequencia esses titulos de divida publica para que são emittidos senão para satisfazer o pagamento de despezas, que não teem receita correspondente?
Parece-me pois que a lei a que me referi tem applicação para o caso sujeito. Só isto não póde ser contestado, para que vem s. exa. dizer que a lei de 16 de maio de 1866 não tem agora applicação?
Para que foi ella feita senão para acabar com esse systema do se estar a augmentar a despeza sem ao mesmo tempo se crear a receita correspondente, isto no intuito de só chegar ao equilibrio do orçamento e extinguir o déficit?
Parece impossivel que se digam ás vezes heresias destas e que partam ellas dos bancos dos srs. ministros!
Disso tambem o sr. ministro da marinha que estas despezas talvez possam sair das receitas que se votaram; mas não sabe o que- essas receitas hão de dar. Desde o momento que não sabe o que ellas produzirão, não tem certeza, e portanto é pouco previdente entregando-se ao acaso, podendo cumprir facilmente se attendesse ao preceito da lei a que me tenho referido. Por este projecto pedem-se 200:000$000 réis para a compra de navios e lanchas a vapor para o serviço das colonias. O encargo que dahi provem, se não se crear receita nova, ha de ser pago pelas receitas ordinarias. Ora, como estas não chegam, o resultado e recorrer-se ao credito, e nesse caso ha de resultar um encargo para todos os annos que a 7 por cento corresponde a 14:000$000 réis.
Eu faria a proposta, de ser pago este encargo com o producto das gratificações que são dadas contra lei, e estimaria que o governo a acceitasse, porque com ella se cria a receita correspondente para satisfazer ao encargo. Esta proposta é inoffensiva e mostra a minha boa vontade. Poderá dizer-se que a rasão por que eu fallo nestas questões, é porque não tenho confiança no actual governo e lhe faço opposição, mas a verdade e que a marcha politica do gabinete não preoccupa só os membros da opposição, preoccupa tambem os proprios amigos do governo. Vejo na outra casa do parlamento, o presidente da commissão de fazenda apresentar declarações do seu voto, protestando contra estes augmentos de despeza. Ora, quando vejo isto por parte daquelles que apoiam o ministerio, não posso deixar de ter receio que o governo por este systema nos conduza a um abysmo!
É exactamente porque tenho esses receios e essas apprehensões, que me custa, por uma imprudencia, por uma precipitação, por um systema de gastos immoderados por parte deste governo, ver caminhar o paiz para a sua ruina, tornando-se de anno para anno mais difficil a sua situação, chegando-se a um ponto em que se não encontre solução possivel.
Por isso, sr. presidente, quando vejo todos os dias lançar ao paiz ónus sobro ónus, quando vemos ainda agravar esses ónus com uma despeza que ascende a 4.000:000$0OO réis, pois a tanto sobem as despezas que a camara tem ainda para votar este anno, não posso deixar de lamentar profundamente este facto, e de protestar contra o proceder errado do actual gabinete.
Como ha de o governo occorrer ás difficuldades com que tem de lutar?
É necessario attender bem aos factos. Temos a collocar 5.000:000$000 réis do emprestimo, que ainda não foram collocados, o que faz com que a verba que temos de pedir ao credito exceda a 11:000$000 réis ou 12:000$000 réis. Será lisonjeiro o termos um déficit de 5.000:000$000 réis, e uma divida fluctuante de 12.000:000$000 réis, e aconselhará a prudencia que em face das complicações da Europa se aggravem ainda os nossos males com novos sacrificios?