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rece-me ver n'isto uma confissão de que não ha letra expressa que prohiba taes manifestações, porque se a houvesse, a commissão de certo não recorreria a este argumento, pois é principio por todos sabido e reconhecido que as leis criminaes, aquellas em que se impõe penas, não podem ter uma interpretação ampliativa. Isto, sr. presidente, tambem não é materia nova, é principio juridico da velha e nova monarchia. O tribunal que tinha a seu cargo a interpretação das leis disse, no assento de 14 de maio de 1754, o seguinte: «Se assentou que a lei, como era penal, se não podia estender a caso não comprehendido na sua prohibição»; e no assento de 8 de agosto de 1758 disse: «Por ser outrosim o negocio de materia penal que não admitte por direito extensão».
Já se vê por consequencia que em materia penal não póde haver argumentos de analogia, mas isto que estava na legislação antiga tambem existe na moderna. O codigo penal no artigo 18.° diz: «Não é admissivel a analogia ou inducção por paridade, ou maioria de rasão para qualificar qualquer facto como crime».
A vista d'isto eu não posso de fórma alguma compartilhar a opinião da illustre commissão, dizendo que a letra não mata o espirito, quero dizer que não admitto em materia penal ampliação alguma da lei, nem o regulamento disciplinar fundamenta o argumento de analogia.
Porém, acrescentou-se e formou-se o argumento de que os elogios muitas vezes se convertem em vituperios, e que as manifestações militares ainda que pareçam muito simples, podem dar muitas vezes logar a abusos. N'este ponto estou de accordo com a illustre commissão; porém, a minha questão é se as manifestações estão prohibidas: eu entendo que o não estão, mas tambem entendo que o devem ser, e para esse fim conte a commissão e a camara com o meu fraco apoio.
Porém, sr. presidente, o remedio que se apresenta n'este parecer, isto é, o estabelecimento do principio que a illustre commissão propõe é insufficiente e inefficaz para o fim que se pretende. É insufficiente, sr. presidente, porque a nobre commissão se referiu unicamente ás manifestações collectivas dos militares; e perguntarei eu, não se dará o mesmo perigo nas manifestações singulares? Será mais perigoso para a tranquillidade publica uma manifestação collectiva assignada por cem militares, do que sem manifestações singulares assignadas pelos mesmos cem militares? (Apoiados.) Não serão as consequencias as mesmas? De certo que o são.
Por conseguinte se querem chegar a um mesmo fim, é necessario prohibir todas as manifestações quer ellas sejam collectivas quer singulares, exceptuando só aquellas que disserem respeito a direitos ou interesses do requerente.
Demonstrarei agora que o meio é inefficaz.
Supponhamos que o principio estabelecido pela illustre commissão é approvado por poucos, por muitos votos, ou por unanimidade da camara, áparte a respeitabilidade dos membros da commissão que assignaram o parecer, e dos dignos pares que votarem por elle, o que se terá conseguido? Teremos estabelecida uma these, um principio didáctico, um principio doutrinal; mas um principio sem força coerciva, um principio que a ninguem obriga. Se se quer portanto o fim, empreguem-se os meios, e os meios é estabelecer o principio por meio de uma lei.
Sr. presidente, a rasão do homem, quando não é convencida com argumentos, de ordinario não se avassalla com votos; mas a rasão do cidadão subjeita-se á lei, e a isso nos conduz um dilema ou não temos lei sobre o objecto ou a temos; se a não temos é necessario que se faça, e se a temos, é ella tão pouco clara, que o illustre presidente do conselho, no gabinete transacto, estava em desharmonia com O seu collega, o sr. marquez de Sá, o qual com toda a franqueza que o distingue, disse que entrava no ministerio sustentando as suas doutrinas, que, segundo a sua opinião, as manifestações collectivas dos militares eram prohibidas pela lei; mas que reconhecia que esta não era clara, e que isso justificava a opinião dos que sustentavam o contrario; havendo pois necessidade de uma interpretação authentica, esta só se póde fazer por meio de uma lei.
O sr. conde de Thomar disse ha pouco que rejeitava a proposta do illustre ministro da guerra para a commissão apresentar um projecto de lei n'esse sentido; a meu ver o voto de s. ex.ª é justo, porque o sr. marquez de Sá, que tem na sua mão a iniciativa que a carta lhe confere, não carece que a commissão formule uma proposta; e por consequencia o sr. conde de Thomar fez muito bem em declinar em nome da commissão esse encargo. Ora, se ha divergencia de opiniões, é necessario evidentemente formular uma lei que interprete bem este ponto.
Sr. presidente, devo dizer que entendo que a illustre commissão encarou a questão como de jure constituto, e n'este sentido formulou a sua conclusão. Quando se encetou esta questão o sr. Sebastião José de Carvalho entendeu-o da mesma fórma; mas o sr. duque de Loulé entendeu-o de modo differente. As palavras da commissão não são bem' explicitas, e não dizem com clareza se estabelecem o principio da inhibição como direito constituido ou como direito a constituir. Se o estabeleceu como adoptavel para constituir direito, não tenho duvida em approvar o parecer da commissão n'esta parte; se o estabeleceu considerando que era direito constituido, então não a posso acompanhar.
Passando agora ao segundo ponto, diz a commissão: «A proposta e a concessão da medalha de comportamento exemplar, concedida ao general o sr. Lobo d'Avila, feriu os decretos de 2 de outubro de 1863 e de 22 de agosto de 1864».
Sr. presidente, n'esta parte fui increpado pelo digno par o sr. Ferrão, porque eu, segundo s. ex.ª, tinha defendido uma causa que não era justa! As arguições de s. ex.ª responde a illustre commissão; é ella, não sou eu, que responde ao digno par. A illustre commissão veiu justificar o meu procedimento n'esta defeza, como eu vou demonstrar.
Sr. presidente, eis-aqui as palavras com que eu abri o meu primeiro discurso (leu). Eis-aqui esta, sr. presidente, o que baseou as minhas reflexões; foram os documentos que me forneceram o sr. ex-ministro da guerra e o sr. Sebastião José de Carvalho; eram os mesmos em que se fundou o supremo conselho de justiça militar para formular a consulta favoravel á concessão da medalha de comportamento exemplar ao referido general; eram portanto documentos que baseavam uma justa' defeza. Os documentos que fallavam na prisão do general vieram á camara posteriormente. O primeiro que appareceu citou o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho quando estava a responder-me, e no meio do seu discurso disse s. ex.ª que n'aquelle momento recebêra da mesa o documento que fallava da prisão do general Lobo d'Avila.
Sr. presidente, como podia eu apreciar documentos, de que não tinha noticia, documentos que até então não tinham sido presentes á camara, e que tambem não tinham sido presentes ao supremo conselho de justiça militar? Se este julgou justo conceder aquella medalha que o governo concedeu, a medalha de prata, de comportamento exemplar, e eu defendi a justiça do comportamento do governo guiando-me unicamente por esses documentos que tinham sido presentes ao supremo conselho de justiça militar, seria isso motivo para ser arguido pelo digno par de que defendi uma causa manifestamente injusta? Podia eu apreciar os documentos que vieram depois á discussão? Poderá, porém, perguntar-me alguem: — á vista d'esses documentos, agora qual é a sua opinião? Eu respondo em duas palavras. Como nunca fui advogado de causas injustas; e como agora apparecem documentos que provam que com effeito os primeiros não eram a expressão da verdade em toda a sua pureza, eu associo-me ao parecer da illustre commissão.
Sr. presidente, o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, que não sei se esta presente, mas como não vou dizer nada offensivo a s. ex.ª posso continuar, s. ex.ª apostrophou os pares que tinham tomado parte na defeza do ex-ministro da guerra, o sr. general Passos, de alguma fórma estranhou o seu silencio, e desafiou-os para entrar no combate, esquecendo-se que eu n'essa occasião me achava já inscripto, e que s. ex.ª estava embargando a voz de todos com os seus pedidos de palavra sobre a ordem sem deixar fallar aquelles que a tinham sobre a materia; mas o digno par cheio de orgulho exclamou: — «Venham ver, esses dignos pares, o parecer da illustre commissão, na qual acharão a apotheose de todas as minhas doutrinas, a rectificação de todos os meus argumentos, e a condemnação de todos aquelles que elles tinham estabelecido».
Doce illusão, sr. presidente, de uma alma juvenil, de uma alma esperançosa e enthusiastica! S. ex.ª com o fito na gloria não viu senão o louvor n'aquillo mesmo onde estava a censura.
Sr. presidente, tendo eu dito no meu primeiro discurso que a portaria de 28 de outubro de 1864 não tinha referencia alguma ao facto da concessão da medalha, respondeu-me o sr. Sebastião José de Carvalho n'estes termos: que o digno par perguntara tambem que tinha com a questão a portaria de 28 de outubro de 1864? Cabia-lhe responder que tinha muito e que o provava, note bem, com o documento que acaba de receber da mesa, e no qual se lia a nota da prisão do general Lobo d'Avila em nota que o inhibia de ser condecorado com a medalha militar, se a disposição do regulamento de 22 de agosto de 1864 não tivesse sido revogada pela citada portaria.
Eis-aqui um dos seus argumentos. Não sou eu que respondo a s. ex.ª, é a illustre commissão, nada menos que em dois trechos; em um refere-se á portaria e diz: não parece á commissão que fosse dictada (a portaria) para o caso particular do general proposto, como mostrará com os factos. Mais abaixo diz: de todos estes documentos colhe-se com evidencia que durando a prisão do general Lobo d'Avila dezoito dias continuos... nem o § unico do decreto de 2 de outubro, nem a portaria de 28 de outubro permittiam que elle fosse proposto para a medalha de comportamento exemplar e condecorado com ella; porque o primeiro exclue-o expressamente e a segunda não lhe é applicavel.
Eu havia sustentado que não me parecia haver na portaria allusão ao facto, o sr. Sebastião José de Carvalho insistiu que sim, a illustre commissão é quem responde a s. ex.ª não sou eu.
Emquanto ao segundo ponto, estou portanto de accordo com o parecer da illustre commissão e com a conclusão que ella tirou fundada nos novos documentos que appareceram. Passarei ao terceiro ponto.
Sr. presidente, um decreto, diz a illustre commissão, só deve ser revogado por outro decreto, passando o segundo pelas mesmas formalidades que o primeiro, isto é, com o mesmo numero de assignaturas.
Sr. presidente, quando pela primeira vez fallei, disse eu, e repito hoje, que para a responsabilidade dos ministros,! pelos actos que praticam, pouco importa que assignem um decreto ou uma portaria, pois que a responsabilidade é sempre a mesma. Eu referi-me a um artigo da carta que diz que a ordem do rei seja verbal ou escripta, não inhibe os ministros d'essa responsabilidade. Acrescentei mais, que a questão da portaria revogar o decreto, havendo immensos precedentes, era para mim uma questão de menor valia nas actuaes circumstancias; para mim a questão principal, era a do motivo que se dava a esse facto, era a da moralidade. Se a portaria tivesse tido por motivo os desejos do ministro favorecer um amigo, affrontando a opinião publica e calcando aos pés a moralidade, este procedimento seria indigno, esta é que era a grave accusação, esta era para mim a ponderosa e principal questão, tambem disse que muitas vezes se tinham revogado por portarias decretos e até leis; mas o que ninguem me ouviu dizer foi que este facto fosse regular; entretanto como tenho de fazer algumas considerações a este respeito, para que ninguem interprete as minhas palavras n'um sentido diverso daquelle que eu quero fazer significar, vou assentar primeiro quaes são os meus principios a respeito d'esta questão. Em pouco divirjo dos que a illustre commissão apresentou.
Sr. presidente, eu quando mencionei a opinião de Borges Carneiro, não digo bem, quando me referi a Borges Carneiro/ não mencionando a sua opinião, mas dizendo que elle já constatava a existencia de portarias e avisos estabelecendo regras geraes, revogando decretos e leis, lembra-me ter dito que a doutrina de portarias revogar leis era um paradoxo. Tambem, se bem me recordo, porque não estive presente nessa sessão, o sr. Rebello da Silva confirmou a mesma ousa. (Interrupção do sr. Rebello da Silva que se não ouvi). Aceito o testemunho do digno par, pois eu não estive presente n'essa sessão. Agora acrescentarei que revogar uma lei por uma portaria é uma inconstitucionalidade e um crime. É uma inconstitucionalidade, porque é a invasão do poder executivo nas attribuições do poder legislativo, e é um crime, porque como tal esta determinado no codigo penal no artigo 301.° Revogar um decreto por uma portaria é um acto irregular, e póde-se dizer mesmo que é um acto de menos consideração para com o monarcha; mas não existe a invasão do podér executivo nas attribuições do poder legislativo, não existe a criminalidade, porque não ha nenhum artigo do codigo que crimine o facto. Direi tambem que não só um decreto póde ser revogado por outro, como muitas vezes se tem feito, mas tambem por uma lei. A lei tem mais força que um decreto, temos muitos factos d'estes na nossa legislação.
Portarias podem ser revogadas por outras portarias, e até por decretos e por leis, até mesmo indirectamente quando n'elles ou n'ellas se estabelecem doutrina contraria á das portarias. Assentadas estas bases, farei agora as poucas considerações que tenho a fazer.
Sr. presidente, a differença que acabo de estabelecer, entre a revogação de leis, e a revogação de decretos por portarias, acha-se nos nossos escriptores, e mesmo Borges Carneiro, que no fim da nota do § 6.°, termina dizendo: «Comtudo muitas vezes n'isto se procedeu mais de facto que de direito, especialmente quando se passaram avisos contrarios ás leis, ou que as alteraram».
O sr. Silva Ferrão nos seus excellentes commentarios ao codigo penal, diz no artigo 301.° = os empregados que exercem em qualquer ramo do executivo alguma direcção, commando, ou governo superior, são os que podem estar mais no caso de abusar da sua força ou auctoridade, para ultrapassar as suas attribuições, usurpando as do podér legislativo, constituindo preceitos ou theses geraes de natureza legislativa por meio dos seus decretos, portarias, editaes, ordens do dia ou regulamentos =. Refere-se em tudo ás invasões do executivo nas attribuições do legislativo, e nem uma só palavra diz a respeito da revogação de decretos por portarias; e tendo tantas vezes nos seus commentarios arguido as omissões do codigo, aqui não diz cousa alguma a tal respeito.
Continua s. ex.ª dizendo = entre estes empregados sobressaem como cabeças, como chefes na ordem do funccionalismo os ministros d'estado, e são os que infelizmente estão na posse de commetter impunemente este delicto =.
Que contraste! O digno par como escriptor nota que se tem praticado muitas vezes o facto de se revogarem por meio de portarias e decretos as leis do reino, que esses factos são verdadeiros delictos; e s. ex.ª que tem uma cadeira no parlamento nunca levantou a sua voz para estygmatisar esse procedimento, para fulminar esses delictos; mas veiu levanta-la contra o sr. ex-ministro da guerra, que commetteu um erro, commetteu uma irregularidade, mas não commetteu um delicto!
Portarias é uma entidade não conhecida pela carta, disse o digno par; a carta não trata de portarias, mas trata de decretos, instrucções ou regulamentos para a boa organisação das leis. E isto o que dispõe o artigo 75.° no § 12.°, e acrescentou s. ex.ª que determinando esse mesmo artigo da carta que o Rei era o chefe do poder executivo, que o exercia pelos seus ministros, aquelles decretos e regulamentos deviam ter a assignatura regia; assignatura que não era uma simples chancella.
Não sei se estas serão as proprias palavras de s. ex.ª, o que porém me parece é que foi neste sentido que fallou. Ora, eu vou responder ao digno par.
Sr. presidente, uma fatalidade persegue a humanidade, e é aquella de que fallam os moralistas: lançamos ao esquecimento os defeitos proprios, e trazemos sempre diante dos olhos os alheios.
Uma outra fatalidade persegue os homens publicos que têem a felicidade ou infelicidade de se sentarem naquellas cadeiras; quando sáem do poder parece que bebem agua do Lethes, e esquecem-se de tudo quanto praticaram como ministros.
A carta desconhece as portarias, diz s. ex.ª; os artigos d'ella e as leis devem ser reguladas por decretos, estes devem ter a assignatura do Rei, e esta não é méra chancella; pois bem, note-se o que vou dizer. O mesmo artigo 75.° da carta determina no § 2.° que pertence ao poder executivo a nomeação dos bispos e o provimento de todos os beneficios ecclesiasticos; julgou-se conveniente regular o concurso para os beneficios ecclesiasticos, e esse regulamento foi feito por portaria de 30 de agosto de 1847, sendo a portaria que o estabeleceu assignada unicamente pelo digno par, o sr. Ferrão, então ministro da justiça! O mesmo artigo no § 4.° diz que é outra attribuição do executivo prover os empregos civis e politicos; julgou-se conveniente regular o provimento dos officios de justiça, e esse regula-