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mento appareceu na portaria de 2 de setembro de 1847, assignada tambem simplesmente pelo digno par, o sr. Ferrão!
Um decreto de 25 de agosto de 1845, assignado pelo digno par, o sr. Silva Cabral, e referendado pela Senhora D. Maria II, muito chorada Rainha, diz no § 3.°:
«Os juizes de direito de 1.ª instancia, que forem transferidos, deixarão de vencer o ordenado por inteiro nas comarcas d'onde saírem, e começarão a vence-lo nas comarcas para onde passarem desde a data dos decretos por que forem transferidos.»
Dois annos depois esta disposição foi essencialmente alterada por uma portaria assignada pelo digno par o sr. Ferrão. Como é que s. ex.ª revogou por uma portaria um decreto assignado pela soberana!
Perguntarei a s. ex.ª essa regia assignatura seria uma mera chancella? Será s. ex.ª competente para estygmatisar os actos, de que deu o exemplo? Que fatalidade!
Alem d'estes factos existem muitos outros da mesma natureza que não tenho necessidade de mencionar, e até porque, não quero que alguem confunda a enumeração d'elles com as minhas convicções; por consequencia, abandonando o campo dos factos, passarei ao campo das doutrinas. Entrando n'esse campo que é o que ensinam os mestres da sciencia? Se consulto esse grande escriptor Beijamin Constant, vejo dizer elle no seu curso de politica constitucional, que, como no systema representativo os ministros são os unicos responsaveis por todos os actos do poder executivo, só elles os devem assignar, e acrescenta separe-se dos actos dos ministros a assignatura do rei para que a responsabilidade seja mais real, e a inviolabilidade mais sagrada por aqui se vê que elle não exige para taes actos senão a assignatura dos ministros, e não a do rei: se consulto o nosso grande escriptor Silvestre Pinheiro, vejo dizer elle que, como pela carta o poder executivo é entregue ao rei que o exerce pelos seus ministros, todos os actos d'esse poder devem ter a assignatura do rei e do respectivo ministro, sem o que o acto é meramente particular, sem força nem caracter de documento publico.
Aqui tem a camara opiniões inteiramente diversas, e eu não sigo uma nem outra; ligo-me unicamente ás palavras do artigo 102.° da carta que diz:
«Os ministros d'estado referendarão ou assignarão todos os actos do poder executivo», o que bem demonstra que ha actos que elles referendam, e outros que elles assignam; referendam os que tem a regia assignatura, assignam os que a não tem.
Não se diga pois, sr. presidente, que a assignatura do rei é uma mera chancella, pelo contrario, entendo que no systema constitucional os ministros têem unicamente a responsabilidade dos actos governativos, mas não podem conservar-se no poder sem o concurso de duas circumstancias: uma é o apoio do parlamento, e outra a confiança da corôa. O apoio do parlamento conquista-se tomando larga iniciativa nas propostas de lei, bem como pelos discursos e doutrinas; a confiança da corôa conquista-se pela opinião que um monarcha deve fazer dos seus ministros no manejo dos negocios graves do estado, que por isso mesmo devem ser decidido na sua presença.
Mr. de Chateaubriand no seu Tratado da monarchia segundo a carta, diz que no systema constitucional quando o monarcha veja que um dos seus ministros quer praticar um acto contrario aos interesses do povo, deve deixa-lo praticar esse acto; porque depois o ministro cáe, é substituido por outro, e a medida é revogada. Longe de nós esta doutrina. Benjamin Constant, pelo contrario, diz que o rei, em tal caso, deve demittir immediatamente o ministro para que o povo não soffra as consequencias dos seus erros; eis-aqui a meu ver a verdadeira doutrina, e que prova a necessidade de serem os negocios graves da governança decididos perante o monarcha.
Ora, sr. presidente, o que eu desejava era que se determinasse quaes os objectos que devem ser decididos por decretos, e os que devem ser decididos por portarias. Em a nossa legislação vemos muitas vezes negocios gravissimos regulados por uma portaria. É sobre este ponto que eu chamo a attenção dos poderes publicos, para que se obste a esta irregularidade existente.
Concluirei agora declarando que emquanto ao primeiro principio estabelecido pela illustre commissão, concordo com o parecer se ella declarar que o consignou como principio que deve estabelecer-se por lei; não sendo assim, se ella considera que existe lei clara, e que se dispensa qualquer outra, então voto contra.
Emquanto ao segundo ponto ou conclusão conformo-me com o parecer.
E pelo que respeita ao terceiro, direi que, comquanto esteja tambem de accordo com o parecer da commissão, e vote por elle, entendo todavia que em vez de nos occuparmos com uma questão de fórma, era melhor que se definisse por lei aquillo que deve ser objecto de um decreto ou que deve ser objecto de uma portaria.
Pedirei agora aos dignos pares que me responderem que, quando vejam que as minhas asserções são erroneas as combatam, mas que por dever e direito de reciprocidade pelo menos respeitem as minhas intenções (Vozes: — Muito bem.)
O sr. Ministro do Reino (Silva Sanches): — Mandou para a mesa a proposta, ou antes requerimento, para o digno par, o sr. Sousa Azevedo, poder accumular, querendo, as funcções de par com as que exerce fóra d'esta camara.
Foi approvado.
O sr. S. J. de Carvalho (sobre a ordem): — Desejava que V..ex.ª me informasse' se esta conjunctamente em discussão com o parecer da commissão, a proposta mandada para a mesa pelo sr. marquez de Sá.
O sr. Secretario: — Esta,.
O Orador: — N'esse caso parecia-me que o debate se devia restringir hoje á proposta do sr. marquez de Sá. Agora se s. ex.ª retirar a sua proposta, e mesmo se declarar que ha de apresentar um projecto de lei em que se consignem os principios estabelecidos no parecer da commissão, parece-me que a discussão esta finda (apoiados). Por isto desejava que o nobre marquez se explicasse a este respeito.
O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Para melhor e mais regularmente caminharem os trabalhos, eu peço para retirar a minha proposta (apoiados). Depois apresentarei a conveniente proposta de lei sobre este assumpto na outra camara.
Consultada a camara sobre se permittia que s. ex.ª retirasse a sua proposta, assim se resolveu.
O sr. Ferrão: — Não poderei agora seguir o digno par, o sr. Moraes Carvalho, em todo o seu discurso, apresentando algumas reflexões, pelas quaes poderia mostrar que não me conformo com a maior parte das suas considerações, mormente no que respeita aos actos da minha vida publica. Limitar-me-hei unicamente a dar ao digno par uma satisfação, e a dizer algumas poucas palavras mais.
Em primeiro logar, sr. presidente, direi que não me accusa a consciencia de ter tratado o digno par com severidade, nem tão pouco de haver querido penetrar nas suas intenções.
Desde 1842 que tenho pratica do parlamento. Como deputado ou como par do reino nunca ouvi que algum dos membros das duas camaras se desse por offendido de se qualificar a sua argumentação de sophisma.
Creio que esta palavra é muito licita; entendo mesmo que é a unica que se deve empregar para exprimir o pensamento que qualifica uma argumentação de falsa. Póde esta ser logicamente falsa e tornar-se como tal, sem de modo nenhum offender a pessoa a quem nos dirigimos, nem entrar nas suas intenções.
Eu não disse que o digno par quiz sophismar, disse que caiu n'um sophisma ou que a sua argumentação foi um sophisma, e de que ella o foi acaba de nos dar o mesmo digno par uma prova na primeira parte do seu discurso. A sua argumentação foi um completo sophisma, em que caiu involuntariamente, e sem duvida na melhor boa fé.
S. ex.ª empregou o sophisma da confusão. Eu distingo aquillo que o digno par confunde. Tenho para mim, e sei que pensam da mesma fórma jurisconsultos muito dignos, que se deve distinguir a materia disciplinar da materia criminal.
Ora todos os argumentos 4° digno par foram baseados nos principios que regulam a materia criminal, emquanto que a questão é toda de materia disciplinar (apoiados).
A nossa questão não é de materia criminal. Temos uma lei disciplinar; a ella se referiram os oradores que tomaram parte na discussão; a ella me referi quando fallei sobre o assumpto; e a ella se refere o mesmo codigo penal, cujos artigos o digno par compulsou. É essa lei disciplinar que regula para a questão. Os principios que regem na applicação das penas disciplinares são muito diversos dos que regem na applicação das penas criminaes.
Não se argumente pois com Os principios do direito criminal, que não vem nada para aqui.
Em materia disciplinar, disse eu no meu discurso, e a isto não me respondeu o digno par, não é preciso, não é essencial que os casos estejam expressos: procede-se por analogia (apoiados), e no regulamento disciplinar auctorisado por uma lei de 1856 comprehendem-se os casos não especificados, e por isso disse eu então, e o repito agora, o digno par tem perdido o seu tempo na sua argumentação.
Temos lei. Para os casos não especificados temos a analogia de direito, expressamente auctorisadas na lei de 18 de agosto de 1769, e nos estatutos da universidade de Coimbra, que s. ex.ª muito bem conhece, e temos especialmente, para o caso, o regulamento disciplinar do exercito, que mandam proceder de igual para igual, de similhante para similhante.
Portanto não se diga aqui que tratamos de direito a constituir; tratámos de direito constituido.
Sr. presidente, contento-me com o grande argumento estabelecido pela commissão especial, e firmado na carta constitucional da monarchia, contento-me com o principio fundamental de que a força militar é essencialmente obediente. Se a força militar é essencialmente obediente, não póde fazer demonstrações collectivas, porque para que estas possam ter logar, é preciso que lhes preceda deliberação, iniciativa e voto, e isto não póde dar-se, quando as condições são desiguaes de individuo para individuo.
A carta determina que a força armada é essencialmente obediente, e é n'este principio que se funda o principio derivativo da disciplina do exercito, e as consequencias logicas que foram traduzidas nas disposições da lei e regulamento disciplinar.
Em materia de penalidade, disse eu, quando aqui tratei esta questão, é que se não permitte imposição alguma pratica sem lei que a auctorise, seja a casos crimes, seja a casos disciplinares; mas esta proposição absoluta falha quando se trata da applicação das leis disciplinares, pois que em toda a parte se reconhece que é impossivel definir ou enunciar os casos, um por um, que devem ser reprimidos.
Em materia disciplinar são esses casos reduzidos a uma these geral, á qual se vão sujeitar depois as diversas e muito variadas hypotheses que n'ella se comprehendem. Na lei disciplinar dos juizes, por exemplo, diz-se que serão reprimidos todos os actos que, posto não criminosos, offendam a dignidade da magistratura. Dignidade, é uma palavra vaga, o mais vaga que é possivel; entretanto n'essa lei se acham estabelecidas as penas, com quanto ahi se não vejam especificados os casos a que devem ser applicadas. O mesmo acontece no regulamento militar. N'elle se prohibe
em these geral toda a infracção da disciplina, comprehendidos os casos não mencionados; assim como se prohibem todas as reclamações collectivas, e se bem que não se tenha dado o nome de reclamação ás manifestações a que se alludiu na discussão, é certo comtudo que os nomes não influem na essencia das cousas.
Pelo que diz respeito á proposta do sr. marquez de Sá, foi ella retirada, por isso nada direi; mas se não fosse retirada teria de combate-la, pois, coherente com os meus principios, julgo desnecessario que se faça uma lei, quando d'ella não carecemos. Não era tal proposta senão um meio indirecto de inutilisar a discussão encetada n'esta casa. Nós não precisâmos de lei n'este assumpto, porque temos direito constituido. Mas diz-se — ha duvidas. Para mim não as ha. Este é o meu direito, não será verdadeiro, mas é o meu.
Ora tenho que dar tambem uma satisfação ao digno par o sr. Silva Cabral, que por eu dizer, que quem dissesse que sabia direito mentia, me tratou com bastante dureza, com bastante severidade.
O sr. Moraes Carvalho: — Peço a palavra para explicações.
O Orador: — Digo e repito, sr. presidente, que quem disser que sabe direito mente. Mas eu mentirei se disser que não sei direito, que o digno par o não sabe, e que o sr. Moraes Carvalho igualmente o não sabe; isto são duas asserções distinctas.
Eu, descendo ao intimo da minha consciencia, digo que sei menos direito que uns, que sei tanto como outros, e que sei mais do que alguns.
Tenho assim a consciencia de que sei direito; mas tambem tenho a consciencia de que muitos jurisconsultos sabem muito mais do que eu, mormente, em muitas especialidades que não tenha estudado.
No que disse pois não fiz censura nem aos meus mestres, nem aos juizes que applicam a lei do paiz. Nem essa asserção que é de verdade incontestavel, e que não foi de falsa modestia que aqui proferi, me parece que possa prejudicar-me, pelo menos ainda não me faltaram os clientes; o que me falta são as forças para poder trabalhar.
O sr. Silva Cabral: — Isso estimámos nós muito. O Orador: — Para explicar melhor todo o meu pensamento lembrei-me aqui contar uma historia entre um tio e um sobrinho. O tio arguia o sobrinho de se jactar de saber direito, e este reconhecia que a jactância era mal cabida, mas acrescentava: «todavia, meu bom tio, quando me considero entendo que não sei direito, mas quando me comparo entendo que o sei».
O sr. Marquez de Vallada: — Princiou dizendo, que poucas palavras diria, por não desejar tomar tempo á camara.
Pedira a palavra no ultimo dia em que se discutiu a moção do sr. Sebastião José de Carvalho, e tinha-a pedido na occasião em que o digno par o sr. Silva Cabral invocara o nome auctorisado de Platão. Pediu portanto a palavra, porque sentiu' que uma auctoridade prestante, um nome augusto da sciencia, podesse servir de escudo e de defeza para actos, que elle orador, julgava envolverem um aggravo á santidade dos principios. Hoje porém esta questão póde considerar-se completamente acabada, depois da declaração feita pelo sr. presidente do conselho, o nobre marquez de Sá; e comtudo não póde o orador deixar de se admirar do que ouviu ao digno par o sr. Moraes Carvalho.
«Não tinhamos lei, e se porventura se trata de constituir direito, de prefeito accordo estou com os dignos pares; mas se se trata de censurar um ministro como tendo attentado contra a santidade das leis e contra a disciplina, então de maneira nenhuma posso estar de accordo comvosco.»
O sr. Moraes Carvalho: — Não foi isso que eu disse.
O Orador: — È o que se conclue, proseguiu o orador. Se V. ex.ª tomou a defeza do acto do sr. general Ferreira Passos, se declarou n'esta camara que as manifestações militares não podiam de maneira nenhuma ser consideradas como um attentado contra as leis de disciplina, segue-se como consequencia legitima, necessaria e logica, que V. ex.ª entendeu que não havia lei que condemnasse essas manifestações.
O digno par (continua ainda o orador) referiu-se tambem á carta, e disse: «A carta não trata de similhante assumpto »; a carta contém um certo numero de theses, que depois são desenvolvidas pelas leis, que traduzem os principios que ella consigna e encerra.
Pois, sr. presidente, póde alguem duvidar, não direi só em face da carta, que o digno par pretendeu citar contra nós, mas em face do regulamento de 15 de setembro de 1856, que são prohidas as manifestações militares? Pois não se diz ali que são prohibidos todos os actos que possam transtornar a boa ordem, ainda que não sejam expressos n'esse mesmo regulamento? Pois não tem esse regulamento força de lei? Mas, sr. presidente, quando esse regulamento não tivesse sido publicado, bastava unicamente aquelle grande principio da carta, de que a força militar é essencialmente obediente, porque se conclue logo logicamente que a força militar não póde tomar parte em qualquer manifestação.
Sr. presidente, os partidos revolucionarios desde as mais remotas eras tem procurado desvirtuar a classe da magistratura e a militar. A primeira procuram tirar-lhe a independencia, porque lhe pésa que se possam contrariar os seus nefastos projectos. Á classe militar, briosa por excellencia, que esta sempre prompta para defender no campo da batalha os santos principios da ordem, salvo as rarissimas vezes que se tem desvairado, dirigem-se tambem os tiros dos revolucionarios, porque lhes não póde convir; procuram então desvirtua-la e lançar-lhe a zizania e a discordia. Devem portanto os homens progressistas e conservadores pugnar quanto em suas forças couber, para que a classe da