SESSÃO N.° 46 DE 22 DE AGOSTO DE 1908 3
curiosidade de saber, entre outras cousas, como é que a Companhia dos Tabacos, tendo documentos tão compromettedores para homens publicos, se não serviu d'elles na occasião em que a sua honra, o seu interesse, e até patriotismo, se entendia que o seu contrato é que convinha ao país, lhe aconselharam e mandavam que desmascarasse os homens publicos que, sejam elles quem forem, são accusados agora, tres annos depois, quando tudo indica que se prepara um golpe da Companhia contra o Thesouro. Deve haver razões, mysteriosas e estranhas, para este facto
Mais uma vez insisto por se saber toda a verdade Não obedeço a qualquer sentimento de odio ou má vontade contra o Sr. Conde de Burnay, a quem nunca Falei, com quem jamais tive relações directas ou indirectas, e a quem aggredi politicamente quando os Srs. José Luciano e outros homens graduados do partido progressista chamavam burnaysia á regeneração e mandavam atacar o Sr. Burnay como prejudicial ao Estado.
Foi por estes motivos que o combati, e porque a minha consciencia me dizia que defendia os interesses nacionaes, sendo esta a razão por que, quando o chefe progressista achou bom o contrato feito com quem o partido progressista tanto combatera, eu e os meus amigos tanto nos oppusemos a esse contrato, não havendo na luta a menor interrupção, a menor incerteza, a menor hesitação, a menor ambiguidade.
E isso é um dos titulos de gloria da dissidencia.
Não me move pois nenhuma má vontade contra o Sr. Conde de Burnay. Quero que, se homens publicos praticaram a indignidade de se offerecerem por dinheiro á Companhia dos Tabacos, sejam castigados pelo seu crime; se o presidente do conselho de administração da Companhia dos Tabacos, o que é indignidade igual, malsina homens publicos, soffra as consequencias da sua má acção. É isto o que quero. (Apoiado do Digno Par João Arroyo).
Sr. Presidente: o juiz de instrucção criminal procede certamente em conformidade com as instrucções do Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino, e por isso dirijo me a S. Exa. para saber qual a razão por que estiveram presos e incommunicaveis durante oitenta e um dias cinco cidadãos.
Sr. Presidente: não quero saber, nem sei quem estes sejam, nem a sua situação politica. Demagogos ou reaccionarios, a violencia praticada contra elles é uma obra offensiva de todos os principios de justiça, de humanidade e até da lei. Eu, como chefe de um partido radical, praticaria uma má acção, se não se referisse ao facto abusivo, indigno de um país civilizado e liberal. O artigo 21.° do decreto de 20 de janeiro de 1898, assinado pelos Srs. José Luciano e Beirão, é repugnantemente anti-liberal e urge revogá-lo.
Reclamo do Sr. Presidente do Conselho: como responsavel do occorrido pelo artigo 1.° do decreto de 19 de setembro de 1902, explicações sobre o caso revoltantissimo de tamanha arbitrariedade.
Estabeleceu-se tambem a esses presos a incommunicabilidade. Sr. Presidente, é verdadeiramente lamentavel que, nesta materia, se fosse hoje menos liberal do que no tempo do famoso Costa Cabral. Se eu e os meus amigos influissem nos negocios publicos, a instituição actual do juizo de instrucção criminal, com as suas doutrinas anti-liberars, desappareceria, pois as instituições monarchicas só perdem quando se assiste a violencias taes como as praticadas.
Para outro ponto chamo a attenção do Sr. Presidente do Conselho, e é para o que se está passando no norte com a distribuição do milho.
Fui informado que em Mesão-Frio a autoridade administrativa aproveita-se da faculdade de poder regular o distribuição, fazendo politica.
Peço ao Sr. Presidente do Conselho que se informe a este respeito, e se digne providenciar, mandando entregar essa distribuição ás camaras municipaes.
Era para estes assuntos que eu pedi a attenção do Sr. Presidente do Conselho, mas se S. Exa. não me puder responder hoje, eu virei aqui na proximo sessão.
(O Digno Par não reviu).
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - V. Exa. só pode usar da palavra por poucos minutos.
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): - Poucos minutos me são precisos para responder ao Digno Par Sr. Alpoim.
Com relação ao caso do presidente do conselho de administração da Companhia dos Tabacos, conforme o Parlamento já está informado, foram mandados todos os documentos á Procuradoria Geral da Coroa, a qual dará o seu parecer no prazo que entender sufficiente para estudar bem a questão, e que eu creio que não será muito longo.
Com relação aos individuos detidos durante 81 dias procedeu-se, com effeito, em harmonia com a lei de 1898.
Pela necessidade de indagações que tiveram de fazer se no estrangeiro, protelou-se o tempo de prisão d'esses individuos. Como d'essas indagações se concluiu que não havia fundamento para accusação, foram então soltos, no mesmo dia em que chegou o resultado d'esses trabalhos.
A lei pela qual se procedeu assim, tem já dez annos de existencia; não deixo de reconhecer a conveniencia de a modificar, mas não é agora a opportunidade de lhe fazer alterações.
Aguardemos esse ensejo, aguardemos um periodo mais socegado.
V. Exa. e a Camara sabem perfeitamente que essa opportunidade se retarda muitas vezes, não por culpa dos Governos, mas das circunstancias que se apresentam.
Relativamente ao outro assunto, tenho a responder ao Digno Par que o projecto relativo á distribuição do milho já passou em ambas as casas do Parlamento, quer dizer, é lei.
Segundo essa lei, a distribuição será feita pelas camaras municipaes, o que dará garantia de se não poder allegar que essa distribuição é feita segundo os desejos dos administradores de concelho.
(S. Exa. A não reviu).
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão da proposta de lei que fixa a lista civil
O Sr. Luciano Monteiro: - Pedi a palavra, e vou usar d'ella para fazer uma simples declaração de voto acompanhada de ligeirissimos commentarios.
O projecto que se discute tem duas partes inteiramente distinctas. Na primeira, fixa a dotação de El Rei D. Manuel, e na segunda trata de uma operação de ajuste de contas, apuramento de saldos e forma de pagamento.
A primeira parte contida nos artigos 1.° a 4.° do projecto approvo-a, não direi com orgulho, mas gostosamente, porque é, na sua intima substancia, o conteudo do decreto ditatorial de 30 de agosto de 1907, que o Ministerio transacto publicou.
O fim d'esse decreto, no tocante á dotação de El-Rei, era manter os 365 contos de réis e alliviar a Coroa de encargos. No projecto que se discute encontra-se precisamente o mesmo pensamento, com a ligeira differença de se não fixar o maximo para o custeio dos palacios reaes.
Se eu quisesse estabelecer confrontos, poderia talvez demonstrar a superioridade do decreto de 30 de agosto sobre o projecto em discussão.
Li nos jornaes que Sua Majestade El-Rei tenciona, no fim d'este mês ou no principio do mês de setembro, ir para o Palacio da Pena.