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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO EM 27 DE ABRIL DE 1664

PRESIDÊNCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Conde de Mello

(Assistia o sr. ministro da fazenda.) Depois das duas horas e meia, tendo-se verificado a presença de 36 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Mencionou a seguinte correspondencia:

Um officio de Thomás Quintino, enviando para se distribuirem pelos dignos pares oitenta exemplares de um impresso sobre o transporte de pretos entre as colonias portuguezas de Africa.— Mandaram se distribuir.

Uma representação de Victor Lamiresse, Carlos Seguin, Leon Alexandre e outros queixando-se de graves prejuizos que têem soffrido provenientes da falta de cumprimento das condições que com elles contrahira D. José de Salamanca na construcção dos caminhos de ferro de leste e norte de Portugal, pedem que esta camara haja de prover de remedio.— Remettida á commissão de administração.

O sr. D. Antonio José de Mello: — Mandou para a mesa, um parecer da commissão de guerra.— Foi a imprimir.

ORDEM DO DIA

CONTINUA A DISCUSSÃO BORRE A ESPECIALIDADE DO PROJECTO QUE ESTABELECE A LIBERDADE DO FABRICO E VENDA DO TABACO

O sr. Soure: — Sr. presidente, vejo-me obrigado a tomar a palavra por parte da commissão, com muito sentimento, já porque a causa de eu me ter inscripto n'esta occasião, é o padecimento do sr. relator da commissão e meu amigo, já porque, pela minha inferioridade a s. ex.ª, póde ser prejudicada a defeza do parecer.

O nosso regimento não é tão deficiente como outros a -respeito da discussão de qualquer projecto na sua generalidade. Ha um artigo que diz expressamente, que a discussão versará sobre o principio, espirito e opportunidade, de qualquer parecer, na sua generalidade; para que havemos pois de trazer na especialidade as questões que, ali só, deviam ser discutidas e apreciadas? (Apoiados.) Abstrahindo portanto de muitas considerações que poderiam caber na generalidade, não me posso privar inteiramente de dizer alguma cousa, em poucas palavras, ácerca de dois argumentos que vi ultimamente empregar.

O primeiro foi derivado da nossa legislação criminal. O sr. ministro da fazenda teve occasião de lamentar que os contratadores do tabaco estivessem armados de um poder, de um direito, disse-se até talvez, com alguma exageração, que ao proprio Soberano não competia. Respondeu-se com as disposições da reforma judicial, assegurando-se que os contratadores não tinham mais direito que outros quaesquer, respeitando eu muito o digno par que assim se expressou, para lhe observar, que hoje, me parece que não ha senão duas especies de crimes, em que o perdão do offendido seja sufficiente para pôr termo ao processo; todos os outros em que ha accusação publica e d'esse numero é o contrabando, não ha perdão, que possa impor-lhe silencio segundo a lei geral; assiste só, aos contratadores do tabaco em virtude das condições especiaes da arrematação do monopolio; a differença é grande a regra geral e os principios são offendidos porque o crime é d'aquelles em que tem logar a accusação publica.

Tambem o digno par no seu enthusiasmo pelo monopolio, disse: «Eu levantaria uma estatua a quem inventasse monopólios como este, e tantos quantos fossem necessarios para acabar com a contribuição directa».

Eu, pedindo desculpa, sinto que o digno par e meu amigo, por quem tenho o maior respeito, cujo talento e illustração sou o primeiro a dar testemunho, avançasse uma proposição d'esta ordem.

O inventar monopólio é uma cousa facil, o realisa-los porém na epocha presente, contra a opinião publica, contra os principios» das sciencias economicas, que têem tido tanto desenvolvimento e feito tão grandes progressos, é cousa impossivel. Mas quero conceder que a idéa podesse realisar-se. Qual seria a consequencia? (Apoiados.) Seria acabar com toda a industria, extinguir toda a origem da riqueza....

O sr. Conde d'Avila: — Apoiado. Era para supprimir o imposto do tabaco.

O Orador: — Era para supprimir o imposto do tabaco, mas eu queria antes essa contribuição de repartição, e não queria o systema do monopolio. Eu levantaria a estatua antes a quem acabasse todos.

Os monopólios hoje em Portugal podem dizer-se extinctos, estão quasi acabados, felizmente ha apenas tres, correio, polvora e moeda, que são sustentados por motivos que derivam de outra ordem de idéas.

Não sei se ha um resto na legislação do Douro que realmente tem algum resaibo de monopolio. Acabado este, póde-se dizer que estão acabados os monopólios em Portugal. Nós já tivemos muitos, e s. ex.ª sabe porque elles foram pouco a pouco desapparecendo.

A mim não me aterra que os calculos do sr. ministro sejam errados. A certeza moral em que fallou s. ex.ª é o resultado, nem póde ser de outro modo, de um calculo de probabilidades, mas se falharem os calculos o mal não será muito grande.

Eu tambem sou um pequeno proprietario; não desejo ver levantar as contribuições, principalmente quando a sua receita não for bem empregada; mas não receio as consequencias d'esta medida; e ainda que o rendimento d'este genero diminua, parece-me que não veremos mais restabelecido o monopolio.

Tenho tanta fé nos principios e na doutrina, liberal e economica, que, quando nós a seguirmos, havemos de colher profícuos resultados, se não for hoje, será ámanhã.

Que me importa, em dois ou tres annos, soffrer um aumento de quota de contribuição predial, se passados elles conto haver beneficios reaes e vantajosos, que hão de vantajosamente compensar este sacrificio. Demais a diminuição do rendimento, se a houver, póde supprir-se por algum outro meio.

Eu não li os jornaes estrangeiros d'esta semana; mas affirma-me um amigo meu, cujo credito está acima de qualquer duvida, haver lido, que n'um cantão da Suissa se trata de impor, ou já se impoz, uma contribuição aos que fumam. Ora aqui está um meio de haver receita, derivada da mesma fonte, e a meu ver não muito difficil.

Se os direitos nas alfandegas, por excessivos, derem logar ao contrabando, não seria inconveniente que os fumistas tambem auxiliassem a receita publica com o seu imposto; e digo mais, elles haviam de utilisar, porque a sua contribuição de fumo não havia ser igual aquella que hoje pagam em consequencia do monopolio. Mas deixemos esta questão que é mais da generalidade. Peço desculpa á camara; mas como ninguem ainda tinha fallado por parte da commissão, pareceu-me não ser inteiramente deslocada esta observação.

O complexo de medidas que se propõem n'estes artigos em discussão derivam do pensamento que a commissão teve em vista, que foi estabelecer a liberdade de 1 de janeiro de 1865 em diante. Todas estas medidas são indispensaveis; se as não tomássemos faltaríamos aos nossos deveres, e praticaríamos um acto de contrasenso, porque, querendo estabelecer a liberdade n'este ramo de industria, íamos por um certo periodo entregar a alguem o monopolio de facto. Não fariamos outra cousa.

Tenho ouvido dizer que os contratadores actuaes tinham direito a auferir estes lucros. Teriam direito se a lei que estamos discutindo lh'os desse pela posição excepcional em que elles ficariam collocados, mas essa posição é que no meu entender lhes não deve ser concedida, antes sim procurar po los no mesmo pé de igualdade com todos os outros. A este fim tendem os meios propostos; meios que, como mandatario da nação, e zelador por isso dos seus interesses, não posso por fórma alguma deixar de empregar. Embora sejam pequenos os lucros, e não se acredite nos interesses fabulosos em que se tem fallado.

A menor somma, a mais insignificante, ternos nós obrigação de zelar, e de zelar mais do que se fosse nossa, porque da propria podemos nós dispor á vontade; mas do que é do paiz, de quem somos meros administradores, temos obrigação restricta de poupar, impedindo que o interesse individual aproveite o que deveria reverter em beneficio publico.

Dada esta explicação vou ver se posso de alguma maneira defender as medidas chamadas — violentas e de expoliação, e que a commissão para um fim justo apontou.

A mais forte opposição a esta ideia funda se na expropriação, dizendo se que ella não se póde fazer porque é sobre bens moveis, e porque quando podesse recaír sobre bens d'esta especie não deveria se lo por uma lei ad hoc, mas peias disposições de regra geral. Chamou-se a legislação franceza em abono d'este argumento. Eu entendo que as leis dos paizes cultos nos devem servir de norma, na falta de leis patrias que não se dá agora. O unico vinculo, é a carta constitucional, e os principios da philosophia do direito, e nada mais; porque nós somos legisladores, estamos fazendo lei. Mas vamos a ver o que diz a carta e o que dizem as leis francezas. A carta no artigo 145.°, §21.° comprehende e abrange toda a especie de propriedade exigindo apenas a utilidade publica para a expropriação. Todos sabemos que não é só a necessidade que auctorisa a expropriação; porém quando só por esta podesse ser determinada, não ha duvida que se verificaria no presente caso.

Em França a necessidade estava consignada na lei da declaração doe direitos do homem; mas depois foi abando-