DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 397
caso. Quer a nossa procedencia venha do povo ou do rei, quer a sua origem seja popular ou regia, esta camara é uma camara tão politica como é a camara dos deputados, e n'este ponto e sobre este objecto as attribuições são as mesmas, e mesmo o direito de emittir o seu voto n'uma questão de confiança, com tudo estes dois corpos colegislativos, que formam o poder legislativo, tem cada um suas attribuições privativas e suas prerogativas proprias que lhe estão marcadas no codigo fundamental. Quem ha ahi que desconheça ou ignore quaes as attribuições e prerogativas que a carta constitucional confere á camara dos senhores deputados e á camara dos dignos pares? Se isto assim é, se estes são os principios incontestados, a camara dos pares, avaliando a politica do governo e não se conformando com ella, tinha o direito de votar uma moção de censura, em que condemnasse essa politica; fez o que lhe competia, cumpriu o seu dever.
Esta camara é moderadora e conservadora, e para muita gente estas duas qualidades significam por uma falsa interpretação, que ella não é igualmente politica, como a outra casa do parlamento, e que é contraria ao progresso, civilisação e desenvolvimento moral e material do paiz; os que pensam porém assim, estão completamente enganados: a palavra moderadora significa n'ella o bom senso, circumspenção para impedir excessos, e desvario dos bons principios e sãs doutrinas; a palavra conservadora porém, quer dizer que a camara dos pares, procura conservar, com todo o cuidado, as instituições e as liberdades do paiz, e em vez de obstar ao desenvolvimento do progresso e da civilisação, pretende caminhar a par d'elles, porque conhece que o progresso é uma lei da natureza a que a humanidade está sujeita, verdade esta que um celebre escriptor exprime com as significativas palavras - le monde marche. Postos estes principios e reconhecida esta verdade, a camara dos pares não póde deixar de ser amante do progresso e da liberdade, e a palavra conservadora deve entender-se de fórma que a verdadeira doutrina fique intacta, e a palavra conservadora deve entender se conservadora do que é bom, e querendo o progresso rasoavel, severo e dentro de certos limites, de modo que a liberdade e instituições não possam padecer, mas sim alentar se.
A camara dos pares é uma camara moderadora e conservadora, porque, composta como deve ser, e como effectivamente é, de homens que se têem elevado pelo talento e pelos serviços feitos na carreira militar, ou na magistratura e nas letras, representando alem d'isso a grande propriedade, ella tem a maior independencia nas suas resoluções a respeito de qualquer assumpto, em vez de ceder ás influencias dos governos, ella deve ser sempre livre e conservadora.
A segunda camara, permitta-se-me a expressão, é composta da nata da nação, pois ali vêem-se representadas as classes elevadas, e devem se encontrar homens os mais imminentes em todas as carreiras, e remunerados os relevantes serviços feitos á patria. Assim suppõe-se que os officiaes superiores e mais distinctos no exercito e marinha lá têem um logar, a sciencia e as letras o seu tambem, a magistratura civil e judiciaria o que lhe compete, alem d'isso a igreja ali é representada pelos seus bispos, e a grande propriedade por aquelles que a possuem a par de outras condições. N'este presupposto a resolução d'esta assembla de notaveis deve ter circumspecta, sisuda e de grande auctoridade.
Quando pois se levanta um conflicto entre as duas camaras, desejando o poder moderador conservar o ministerio, e não querendo o governo pedir a sua demissão, o caminho a seguir é a dissolução da camara dos deputados, a fim de ser consultado o paiz, para decidir do pleito que se levantou entre as duas casas do parlamento, e se o paiz nomeia os mesmos representantes, ou outros que partilhem as mesmas idéas, n'esse caso a camara dos pares, para não crear difficuldades e respeitando a vontade soberana, cumpre-lhe ceder da sua parte, e por ser coherente com a outra camara; porém se ella é_ facciosa e ainda assim não quer ceder, o governo deve dissolver a oppppsição, fazendo aquillo a que vulgarmente se chama uma fornada.
Sr. presidente, a segunda camara tem sido sempre reconhecida como necessidade nos paizes onde existe o regimen representativo, e ella é o correctivo das demasias e precipitado progresso que a outra deseja e quer; portanto muito mal fazem os governos não só em desprestigiar esta instituição, mas em fazerem com que a sua imprensa espalhe e derrame no publico idéas falsas e opiniões absurdas e exageradas.
Desenganem se pois que hão de ter a segunda camara ou de uma ou de outra fórma, e que ella ha de ser sempre um corpo politico e como tal igual á da dos senhores deputados; d'esta fórma a segunda camara não teria valor, seria inutil, e não teria rasão de ser. Os governos pois deram sempre um passo muito sensato, sacrificando a sua existencia á votação contraria em qualquer das camaras; se porém entenderem que a sua conservação é necessaria a despeito d'essa votação, é necessario pois consultar o paiz e decidir n'esse pleito, e acatar a sua decisão. Se porém a camara dos pares persiste na sua opinião e não cede diante da sentença popular, n'esse caso cumpre ao governo dissolver-lhe a sua maioria por uma fornada de pares. E só n'este caso é que a fornada é admittida.
Se os governos attendessem mais aos principios, não estaria a camara dos pares tão desprestigiada pelas repetidas fornadas.
Estimo e estimo muito ter tido occasião de expor á camara as minhas opiniões e de sustentar as boas doutrinas, porque vejo que lá fóra ha quem, sem conhecimento d'estes principios, espalhe idéas que se não podem por fórma alguma admittir, nem sustentar-se, e por consequencia aproveito esta occasião para registar as minhas opiniões, e as deixar bem consignadas.
Sr. presidente, applaudo-me de ver sentados n'aquellas cadeiras os novos ministros da corôa, porque vejo que se satisfez ás indicações parlamentares por tanto tempo esquecidas e prostergadas, e eu desejo que sejam sempre respeitados os principios constitucionaes. Applaudo-me, sr. presidente, por ver que estes principios foram acatados, e applaudo-me muito mais por ver ao mesmo tempo que vieram occupar as cadeiras do ministerio cavalheiros conspicuos e importantes da opposição parlamentar das duas Casas do parlamento (apoiados), provados n'estas lides e muito conhecedores dos negocios publicos. Comtudo, por isso mesmo que vejo acatados os principios constitucionaes, e vejo ali sentados homens verdadeiramente importantes e de que ha muito a esperar pela sua experiencia, não posso deixar de lhes fazer algumas perguntas, e ao mesmo tempo tambem algumas recommendações.
Sr. presidente, a esperança, que eu tenho n'estes cavalheiros provém das idéas que elles professam e eu conheço pelos seus discursos pronunciados nas duas casas do parlamento. Por consequencia, sr. presidente, sendo a questão financeira a questão palpitante que hoje é necessario resolver promptamente e á custa dos maiores sacrificios,não posso deixar de perguntar ao sr. ministro da fazenda,apesar de ter já ouvido na outra camara as suas declarações sobre esta importante questão, se julga conveniente antes de se concluir esta sessão, empregar todos os seus esforços para completar a lei da desamortisação, porque desde que s. exa. tenha uma lei completa de desamortisação e tendo o governo de recorrer outra vez ao emprestimo, porque este emprestimo que vae contratar não é sufficiente, e então ha de obte lo em muito melhores condições do que o governo passado. Alem d'isso, eu reconheço e espero que o nobre ministro tambem reconhece a necessidade que ha de simplificar os serviços publicos, e de alterar o systema dos impoptos, porque não satisfaz pelo modo como se faz a repartição das contribuições, assim é desigual, onerosa e