584 DIARIO DA CAMAEA DOS DIGNOS PARES DO REINO
lei de 19 de junho de 1879 desannexaram da comarca e do concelho de Soure, e annexaram á comarca e ao concelho de Montemór o Velho as freguesias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro. Este desmembramento feito á comarca e concelho de Soure contrariou evidentemente os habitos e as erudições dos habitantes das duas freguezias, e tornou até impraticavel, em uma grande parte do anno; a sua communicação com a cabeça do concelho e da comarca, Montemór, separada das duas freguezias pelo Mondego, invadiavel no inverno. As relações commerciaes frequentes entre as duas freguesias e a villa de Soure, consequencia da communidade de interesses e da annexação por largos annos, são nullas ou insignificantes com Montemór, e nenhuma conveniencia publica persuade que se contrariem os habitos e interesses dos povos das duas freguesias para se manter uma annexação que lhes repugna. Movido por estas considerações e attendendo ás representações que recebeu, o governo tem a honra de apresentar-vos a seguinte
PROPOSTA DE LEI
Artigo 1.° As freguesias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro, que pelo decreto de 12 de novembro de 1875 e pela lei de 1£ de junho de 1879 foram annexadas á comarca e concelho do Montemór o Velho, voltam a fazer parte da comarca e do concelho de Soure, a que pertenciam.
Art. 2.° Ficam revogados o citado decreto de 12 do novembro de 1875, a lei ele 19 de junho de 1878 e toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 28 de fevereiro de l88O.= José Luciano de Castro = Adriano de Abreu Cardoso Machado.
O sr. Barjona de Freitas: - Entro na discussão d'este projecto, forçado pelo dever da minha situação especial. A camara sabe e v. exa. tambem que, quando se tratou da divisão judicial, o governo, de que eu tinha a honra de fazer parte, foi auctorisado a effectuar, estas duas freguezias, Alfarellos e Granja de Cimeiro, foram annexadas, para os effeitos judiciaes, á comarca de Montemór o Velho. Hoje propõe-se a sua desannexação, tanto para os effeitos administrativos como para es judiciaes.
V. exa. comprehendo, pois, que, por um dever de posição, eu não podia forrar-me a dizer á camara quaes os motivos em que me fundei para que as freguezias a e que se trata ficassem, pertencendo á comarca de Montemór e deixassem de pertencer á de Soure.
Tendo eu de propor o adiamento d'este projecto, não sei se o regimento me obriga a mandar desde já para a mesa essa minha proposta antes de passarmos á discussão. (Leu.)
É certo que o sr. ministro da justiça reforçou a commissão que estava estabelecida no seu ministerio para examinar quaesquer reclamações que se fizessem sobre a circumscripção judicial, e na outra casa do parlamento já s. exa. declarou que muito brevemente apresentaria uma proposta para a reforma da mesma circunscripção. Sendo verdadeiros todos estes factos, estando o governo na intenção de corrigir quaesquer defeitos que, porventura, tenha encontrado na reforma de 1874, o que me admira, porque a obra do homem nunca é perfeita, e eu mesmo sor. o primeiro a reconhecer que a divisão actual carece de aperfeiçoamento; n'estas circumstancias, querendo o sr. ministro que a nova divisão sáia o melhor possivel, era natural que, na occasião de se discutir a respectiva proposta, fosse considerado o assumpto d'este projecto, examinando-se então se as duas freguezias a que elle se refere tinham sido mal annexadas á comarca de Montemór.
O que eu não comprehendo é que, tendo o partido a que o sr. ministro da justiça pertence, clamado na imprensa que havia grandes incorrecções na circumscripção judicial decretada em 1874, e que contra ella se levantavam os clamores dos povos, esteja ha tanto tempo no poder, não tenha até hoje trazido ao parlamento nenhuma proposta para emendar os defeitos d'essa circumspecção, e se limite a propor que sejam desannexadas duas freguezias. A final, parece que de tantos que se enumeravam, era este o unico defeito: pertencerem á comarca de Montemór as freguezias de Alfarellos o Granja do Ulmeiro.
Se eu tivesse vaidade n'este assumpto, devia estar muito satisfeito por ver que na circumscripção geral de todo o paiz só houve a iniquidade ele passarem para Montemór o Velho as freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro.
Ora, sr. presidente, as circumstancias não mudaram, o rio Mondego não mudou ele direcção, não está agora mais caudaloso do que era, não se tornou n'elle impraticavel a navegação, não se deu facto algum extraordinario que torne penosa áquellas freguezias a sua annexação á comarca de Montemór o Velho em nome, pois, de que principio vem o governo com tanta pressa propor a desannexação das mesmas freguezias d'aquella comarca, para voltarem a pertencer á comarca de Soure, em vez de se reservar para considerar este assumpto quando tratasse da reforma geral da divisão comarca? Não comprehendo, e por isso propuz o adiamento do projecto que v. exa. poz em discussão, no que me parece faço até serviço ao governo, como logo mostrarei.
Alem d'isso sabe v. exa. que este projecto propõe não só a desannexação das referidas freguezias para os effeitos administrativos, mas tambem para os effeitos judiciaes. Nunca veiu á camara um projecto d'esta ordem em que se tratasse de uma medida com effeitos judiciaes, que não fosse ouvida a commissão de legislação.
A camara está dividida em commissões, cada uma com competencia especial, e realmente parece-me falta de consideração, de certo não intencional, ou pelo menos não é regular, que em uma desannexação que tem effeitos judiciaes se não ouça aquella commissão, a fim d'ella dar o seu parecer sobre o assumpto.
O meu adiamento, como disse, e é preciso que se note não envolve idéa alguma politica; esta questão é demasiado insignificante para ser levantada até á altura ele questão politica; o eu não encontro motivo algum que me faça persuadir de que o governo possa ter rasão para se oppor ao adiamento d'este projecto. Pelo contrario, entendo que deveria reservar esta questão para quando tratasse de reformar a divisão judicial.
A desannexação das duas freguezias, de que trata o projecto da comarca de Soure, foi um assumpto muito debatido, sendo decretada a annexação das mesmas freguezias ao concelho de Montemór o Velho em 13 de junho de 1879; ora nós estamos em maio, o que quer dizer que apenas são passados onze mezes depois que o parlamento votou a lei que determinou esta annexação; portanto, vir agora o governo pedir a esta mesma camara que reconsidere o sou voto, sem que se désse alguma circunstancia urgente, ou motivo que tivesse mudado as condições d'aquellas duas freguezias, não me parece uma cousa regular.
Sr. presidente, o prestigio da individuos vale alguma cousa, mas o prestigio das instituições vale muito mais, extremamente mais.
Se se quer que ellas sejam respeitadas, que se elevem á altura devida, é preciso que ellas comecem por se respeitar a si proprias, e que haja entre todos os poderes do estado mutuo respeito pela sua dignidade.
Querer o poder executivo que o corpo legislativo cáia em contradicções, obrigando-o sem rasão admissivel a reconsiderar o seu voto, tendo apenas decorrido onze mezes depois d'elle o ter dado, acho que é um facto muito pouco agradavel para esta camara.
Não quero alongar o debate, entrando desde já no assumpto do projecto; limito aqui, por emquanto, as minhas considerações para apoiar o adiamento que propuz.
Leu-se na mesa a proposta de adiamento do sr. Barjona de Freitas.
É do teor seguinte:
Proposta
Proponho o adiamento do parecer n.° 63, para ser con-