DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 587
que se não tinham pedido informações algumas ás auctoridades, e que nem havia necessidade de se pedirem; porquanto, tendo a questão de ser resolvida pelas camaras, e não pelo governo, não tinha este necessidade alguma de pedir informações.
Ora, sr. presidente, pondo de parte a extravagancia d'esta theoria, eu vou provar á camara que as informações tinham sido pedidas, e que, se lhe não foram apresentadas, foi porque não convinha.
Em virtude dos esclarecimentos que solicitei pelo ministerio do reino, foi remettido a esta camara o orneio que passo a ler.
(Leu.)
Do que a camara acaba de ouvir collige-se que as informações foram effectivamente pedidas ás auctoridades de confiança do governo, e que até hoje não foram enviadas para a secretaria do reino, não obstante terem sido exigidas já em 30 de junho de 1876. Porque é então que não vieram as taes informações, sendo pedidas a auctoridades de confiança do governo, que apresentou a proposta de lei que aqui foi votada no anno passado, e que de certo seriam dadas se ellas conviessem ao governo?
A resposta parece-me muito simples. Não vieram, porque não podiam vir em harmonia com os desejos do governo, o que prova que a proposta do anno passado era injusta. Já a camara vê que foi menos bem informada n'esta parte, e por isso em logar de sustentar a sua deliberação, deve pelo contrario revogal-a.
Mas ha mais.
Na discussão do anno passado disse-se tambem que as freguezias de Alfarellos e Granja do Ulmeiro tinham passado judicialmente para a comarca de Montemór em virtude de representações dos povos d'aquellas freguezias. O digno par, o sr. Barjona, não sei se por cautela, se por habito, não restituiu os seus discursos proferidos então, e tenho d'isso muita pena. É certo, porém, que se quiz fundamentar a mudança das freguezias nas representações dos povos.
Eis aqui outro ponto em que a camara foi completamente illudida.
O documento que vou ler, e que, por exigencia minha, foi enviado pela secretaria da justiça, prova evidentemente que taes representações nunca existiram.
(Leu.)
Já vê a camara que foi inteiramente enganada quando votou a desannexação das freguezias em questão, e que, longe de dever sustentar a votação do anno passado, deve pelo contrario reparar a injustiça que inconscientemente praticou.
Resumindo. Fez-se a desannexação sem informações das auctoridades e sem reclamação dos povos. Agora ha representações das juntas de parochia das duas freguezias, favoravelmente informadas pelas auctoridades competentes. Reflicta a camara, compare e resolva.
Mas, sr. presidente, se a posição especial do digno par, o sr. Barjona, o obriga pela sua gratidão a impugnar o projecto, visto que foi eleito deputado por mais de uma vez pelo circulo de Montemór, permitia me s. exa. que lhe diga que podia ser grato a Montemór, sem ser ingrato a Soure e Condeixa, porque d'estes dois concelhos recebeu s. exa. exuberantes provas de consideração. E basta que eu refira um facto para provar a minha proposição. Solicitou o digno par, o sr. Barjona, os votos dos concelhos de Soure, Condeixa e Penella para ser eleito deputado pela opposição o digno par, o sr. Andrade Corvo. Foi unanime a votação da concelhos de Soure e Condeixa a favor do sr. Corvo. E unanime foi tambem a do concelho de Penella, mas contra o sr. Corvo.
O sr. Barjona de Freitas: - Não alludi nem a esse nem a outro ponto.
O Orador: - Quer a camara saber como o digno par, o sr. Barjona, se desempenhou da sua gratidão em relação aos tres concelhos na divisão comarca que decretou? Tirou ao concelho de Soure as duas freguezias da questão, e levou-as para Montemór, dando-lhe sómente em compensação a freguezia da Ega do concelho de Condeixa, que não póde comparar-se com as outras duas freguezias. Ao concelho de Condeixa fez-lhe o especialissimo obsequio de o retalhar em tres partes, mandando umas freguezias para a comarca de Coimbra, a freguezia da Ega para a comarca de Soure, como já disse, e outras para a comarca de Penella, que creou de novo, para agradecer-lhe o favor de não ter consentido que se desse um unico voto ao seu amigo o sr. Corvo!
Fez ainda mais. Deixou a freguezia de Belide do concelho de Condeixa pertencendo ecclesiasticamente ao concelho de Soure, administrativamente ao concelho de Condeixa, e judicialmente a Coimbra a distancia de mais de 18 kilometros. E tudo isto porque? Porque os dois concelhos de Soure e Condeixa não têem sido ultimamente favoraveis ás pretensões de s. exa., á parte o obsequio que s. exa. quiz fazer-me pessoalmente.
Permitta-me, porém, que lhe diga que não procedeu bem, e é possivel que no futuro tenha de arrepender-se. E a proposito referir-lhe-hei um conselho, que me deu um dos primeiros, senão o primeiro, estadista do nosso paiz, e que de certo não é suspeito ao digno par. O sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, meu conterraneo, e que me honrava com a sua amisade, disse-me, em certa occasião que sendo eu ainda muito novo (n'essa epocha já se entende), e por isso pouco experimentado nas cousas publicas me dava o seguinte conselho - "nunca se lembre ámanhã do mal que hontem lhe fizeram em politica". Ora reflicta o digno par n'este conselho, e diga-me depois se fez bem ou mal em hostilisar os concelhos de Soure e Condeixa. E não repita s. exa. que o concelho de Soure ficou perfeitamente compensado, fazendo passar para ali a freguezia da Ega, porque esta só passou judicialmente, emquanto que as freguezias de Alfarellos e Granja passaram para o concelho de Montemór judicial e administrativamente, e basta a falta de rendimento de uma barca pertencente á freguezia de Alfarellos para fazer grande prejuizo ao concelho de Soure, porque ha annos em que rende para cima de réis 300$000. E diz o digno par, o sr. Barjona, que tem amigos em Soure. Parece impossivel que os tenha; mas se os tem, elles que lhe agradeçam os obsequios, que até aqui lhes tem feito, e ainda hoje lhes está fazendo. Disse mais o sr. Barjona, que entre Alfarellos e Montemór se interpunha sómente o rio Mondego.
Permitta-me, porém, que lhe responda que isso não é exacto. Entre Alfarellos e o rio Mondego ha ainda uma grande porção de campo, e s. exa. sabe perfeitamente que o que eu assevero é rigorosamente verdadeiro. Disse mais o digno par, que ficando tão proximo das duas freguezias o mercado de Montemór, era isso de grande vantagem para os seus habitantes.
Em primeiro logar responderei que, apesar de taes vantagens, os povos não representaram para ficar pertencendo a Montemór, emquanto que agora reclamaram para voltar para Soure.
Mas, sr. presidente, eu vou mais adiante dizendo, em segundo logar, que as vantagens a que se refere o digno par não podem comparar-se com as que os povos das duas freguezias recebem do mercado de Soure.
Como já fiz sentir no relatorio que precede o parecer, ha um mercado semanal em Soure, sendo o domingo o dia designado para elle; dia em que o povo póde frequentar o referido mercado sem perda alguma de tempo para os trabalhos agricolas, emquanto que o mercado de Montemór é quinzenal, ordinariamente em dia de trabalho, e, portanto, de mais difficil concorrencia.
Mas ha mais ainda. É que o mercado de Montemór não é de tanta vantagem para os pequenos proprietarios, os quaes constituem o maior numero, por isso que ali se fazem
56 *