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Diário das Sessões do Senado-

Sr. Presidente: o facto não é tam difícil de prever que não assistisse eu a una caso de gravidade semelhante, acontecido a bordo dom paquete alemão, em que vinha de Marselha para Portugal.

Sabendo-se perfeitamente que o navio tinha tocado em Nápoles, as autoridades de Marst-lha deixaram-no seguir com carta limpa!

No dia seguinte começavam a haver perturbações intestinais entre os passageiros de l.a classe, que felizmente não provocaram alarme, e digo felizmente porque' esses passageiros, em quantidade reduzida, eram pessoas com a cabeça no seu lugar e entenderam não dever fazer alarido a propósito do caso.

Mas o comandante, com medidas enérgicas e decisivas, conseguiu, em dois ciias, liquidar completamente ocaso, tendo mandado sair peias escotilhas todos os" frescos tomados em Marselha e Nápoles, e ordenado que os serviços de higiene e o da alimentação fossem feitos com água fervida.

Passámos a ter calor a bordo e não ter, durante os primeiros dias, comidas geladas, nem água gelada, mas, ao terceiro dia, tudo tinha entrado no seu lagar, sem mais complicações, e ò navio não comunicou com Tânger.

Por isso, disse a V. Ex.a e à Câmara que, no estado actual da sciência, quando se queira procurar a origem duma doença, atacando de súbito um grupo de pessoas, isso se pode fazer com relativa facilidade, e não há desculpa para as autoridades centrais não mandarem averiguar e investigar da origem dessa doença, esteja ela onde estiver.

Estão nesta sala pessoas competeiitís-simas em questões de higiene; quatro médicos distintos vejo eu, um deles especializado em questões médicas, delicadas, ainda ontem Ministro, não se sabendo se hoje já deixou de o ser, e podem dizer se não é absolutamente indecoroso, acontecendo factos que levam para o hospital pessoas à guarda do Estado, não se averiguar imediatamente da gravidade da doença e não se procurar o modo d!e a combater rápida e deliberadamente.

Mas, levantado aqui o meu protesto, chamada a atenção de V. Ex.a e da Câmara, na falta de membros do Governo, para este caso duma grande gravidade,

quero também revelar um outro facto-gravíssimo, duma miséria moral de tal ordem, que pede severo castigo e imediata sanção.

Tenho a certeza absoluta do facto — foi-me comunicado por pessoa fidedigna. — de um moço oficial, um sr. tenente, durante três semanas ter estado absolutamente privado de receber notícias da família! Posso assegurar, porque tenho a-afirmação por absolutamente verdadeira, e me foi confirmada por uma pessoa interessada, pela ligação que tem de laços de família, com alguns desses oficiais,, que simples bilhetes postais dirigidos ao tenente-coronel Sr. Raul Esteves têm sido* apreendidos e não lhe são entregues!

Diga-me V. Ex.a se num regime democrático, em pleno século actual, se-pôde consentir que sejam privados prisioneiros, e prisioneiros à guarda do Estado, oficiais do exército, todos portugueses, das notícias das suas famílias, ansiosas por saber, em presença dum alarme destes, do seu estado de saúde.

Amargura-se-lhe a vida com esta ignomínia de impedir a recepção de simples bilhetes postais que, como correspondênr-cia aberta, se vê se levam preparações revolucionárias ou simples indicações de saúde ou carinhos de família. • Sr. Presidente: é necessário fazei* averiguar de quem é a culpa. Se a culpa é-no primeiro caso do cozinheiro imprudente ou malévolo encarregado de fornecer a alimentação a esses oficiais, e no-segundo, se é dentro do forte ou na administração dos correios que se suprime a correspondência.

Talvez o meu protesto não tenha outro efeito, mas há de saber-se que protestei contra esse inqualificável abuso, porque o é.

Até aos prisioneiros de direito comum.' se não nega o direito de comunicarem, com as famílias; e que estes, que não sei mesmo se podem ser considerados prisioneiros de direito político, se isolem das pessoas das suas relações, das pessoas da* sua família, e nem sequer recebam as notícias abertas de quem se interessa por eles, é uma infâmia!