592 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 66
mas sociais, têm instantemente recomendado que se fomente o acesso à propriedade, não só como meio eficaz de conjurar o perigo comunista, mas também de lançar as bases da justa solução da questão social.
Maior do que é em geral, se afigura, porém, a importância da propriedade, quando respeita ao próprio lar da família.
Na verdade, a casa de habitação não representa apenas um refúgio material, como o poderia ser o quarto de um notei ou qualquer inóspito telheiro que abrigasse o homem das inclemência do tempo e lhe permitisse o descanso estritamente corpóreo. O lar é o quadro da vida da família, que na sua inviolabilidade exprime a independência e a intimidade desta; é o local onde o homem encontra as alegrias mais profundas, o repouso mais completo e são, o lugar onde ele se sente plenamente senhor, mas senhor intensamente humano, por haurir a sua autonomia na estima e nos afectos que o ligam a todos quantos o rodeiam; o lar como que se amolda e reflecte, fortalecendo-a, a personalidade dos que a habitam, e como que materializa as tradições, as penas e alegrias, todas as recordações da família, formando como que o corpo material dela, a ponto de na linguagem corrente os vocábulos «lar» e «casa» poderem designar indiferentemente a habitação ou a família que a habita.
Para ter, todavia, este sentido humano, a casa de habitação há-de ser rodeada de garantias do estabilidade, há-de incorporar o trabalho dos seus ocupantes e deve manter-se quanto possível na mesma família, furtando a continuidade desta à precária contingência da vida dos seus membros. Só assim o lar poderá incorporar verdadeiramente a família, dar-lhe a plena segurança de vida íntima e de confiança no futuro e ser veículo eficaz de transmissão das tradições familiares.
Para que tal aconteça, porém, é necessário que o lar pertença à própria família. A casa própria é, pois, a solução ideal para o problema da habitação, considerada esta em toda a plenitude da sua função social, e não somente como imperativo de natureza material.
As circunstâncias modernas modificaram, infelizmente, por modo radical as condições de vida, e hoje poucas famílias poderão possuir lar próprio e independente; basta referir a este respeito que na cidade de Lisboa não atinge 3,5 por cento do total das habitações o número das casas ocupadas por proprietários ou comproprietários, segundo se infere do inquérito feito pelo Instituto Nacional de Estatística, em 1949, às rendas de casas e a outras características das habitações lisboetas.
A este grave (problema pode trazer solução oportuna, posto que forçosamente parcial, o desenvolvimento da propriedade por andares ou propriedade horizontal.
0 elevado custo dos terrenos e da construção, tal como os pesados encargos de conservação e a própria necessidade de evitar o excessivo desenvolvimento das cidades em extensão são obstáculos irremovíveis à aquisição de moradias independentes para a maioria dos habitantes das grandes cidades. A solução de aproveitar o solo em construção no plano vertical, com grande economia de espaço e com a redução do custo da construção e conservação (por alguns avaliada em 50 ou 60 por cento do normal), permitirá, de certo, que grande número de famílias atinjam o ideal do lar próprio, sem o agravamento dos problemas gerais da urbanização.
Neste campo da habitação, encarado em toda a plenitude do seu significado humano, assentam, pois, um dos aspectos mais {relevantes e uma das mais prometedoras perspectivas do instituto que nos vem ocupando.
3. A este ideal do lar próprio para cada família opor-se-á sempre, infelizmente, a falta de meios de fortuna para isso necessários e a limitação inevitável do crédito, que não permitirá supri-la relativamente à maioria das famílias. Estas não têm, em geral, capacidade para suportar a amortização de uma casa em prazo curto, e a construção de casas destinadas a serem adquiridas pelos moradores exige, por isso, largo recurso ao crédito, o qual atingiria verbas astronómicas se tal sistema se aplicasse a número substancial dos habitantes das grandes cidades; o investimento de capitais, obtidos por crédito, na construção nunca poderia, aliás, representar um montante muito avultado no total dos investimentos, sob pena de, estiolando as actividades económicas mais produtivas, se privarem os beneficiários da habitação dos próprios recursos necessários para a amortizarem. Esta questão, como quase todas aã de natureza social, depende fortemente do aumento do rendimento nacional.
A isto acresce que muitas famílias, pelo aumento intenso do número dos seus membros e pela flutuação dos condições e do local de trabalho, têm vantagem em não se prenderem a certa casa, e preferem, por isso, habitações arrendadas as próprias.
É de presumir, que, nestas circunstância», a habitação continue, por largo tempo, a basear-se, em grande parte, no sistema do inquilinato. É de esperar que, no entanto, também neste campo o desenvolvimento da propriedade horizontal contribua para melhor solução do problema.
A chamada questão do inquilinato surgiu com agudeza no período seguinte à primeira guerra mundial, em virtude do urbanismo e da depreciação: da moeda, então verificada.
A falta de habitações necessárias para as grandes massas que afluíam às cidades e o despedimento, em larga escala, de inquilinos no termo do arrendamento, com o fim de actualizar as rendas, a avidez de lucro e as especulações dos que, recém-chegados ao estado de fortuna, procuravam negócios cada vez anais rendosos, tudo deu lugar a um grave problema de habitação, anteriormente quase desconhecido.
Para solucionar esta questão surgiram naturalmente dois meios susceptíveis de aplicação imediata e eficaz: o fomento da construção e a modificação do regime do arrendamento, no sentido de garantir aos inquilinos a máxima estabilidade das suas moradas.
Estas soluções eram tanto anais urgentes, quanto nada se fez para combater o urbanismo e as demais causas do fenómeno. Não deram, contudo, o resultado que era de esperar e em certa medida agravaram até o problema.
Em particular, as modificações introduzidas no contrato de arrendamento, a título transitório, afastaram da construção os capitalistas mais desinteressados, dando lugar ao aparecimento dos célebres «gaioleiros», e contribuiu, ainda, para o agravamento das rendas, gerando a necessidade de amortizar o custo dos prédios em prazo curto, como defesa contra a estagnação das rendas, imposta por lei.
Mais graves foram, todavia, as alterações profundas que, praticamente pelo menos, se introduziram na natureza do contrato de arrendamento.
Na concepção tradicional este implicava apenas relações de carácter obrigacional que, na realidade de vida, superavam fortemente a mera disponibilidade da casa arrendada. O senhorio fornecia a habitação contados os seus cómodos e pertenças, obrigava-se a conservá-la em estado de ser habitada, poupava ao arrendatário os encargos e incómodos da administração e dr conservação do prédio, garantia-lhe a fruição deste contra os direitos de terceiros, etc. (conf. artigo 1606.