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596 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 56

Admitida, porém, esta correcção, parece ser esta a forma mais perfeita de estruturar a propriedade horizontal. Cada proprietário tem um direito exclusivo; mas, para que esse direito constitua propriedade de uma casa incorporada no solo, de uma coisa imóvel, dotada de todas as características jurídicas e psicológicas dos bens imobiliários, esse direito é integrado por uma comunhão nas partes não exclusivas do prédio, que assegura ao proprietário, na medida do possível, a plenitude da propriedade de raiz. Assim se asseguraria a cada condómino a plena titularidade duma casa, enraizada no solo, com todas as características jurídicas e sociais que a ela soem andar ligadas.
Nesta concepção a propriedade horizontal é, por conseguinte, a propriedade exclusiva duma habitação integrada num edifício comum. O direito de cada condómino em conjunto é o direito sobre um prédio, portanto sobre uma coisa imobiliária, e como tal é tratado unitàriamente pela lei; mas o objecto em que incide é misto - é constituído por uma habitação exclusiva, que é o principal, e por coisas comuns, que são o acessório.
Sendo assim direito sobre um prédio, a propriedade horizontal pode ser limitada por quaisquer direitos reais sobre coisa alheia, nos termos gerais de direito. Pode, inclusivamente, cada apartamento ser onerado por servidões; estas não são necessárias para explicar a propriedade horizontal, mas não repugnam à natureza do instituto, e podem constituir-se livremente sobre as fracções autónomas, como a respeito de qualquer prédio.
Este sistema adapta-se, como se vê, a tradição jurídica e permite, como é óbvio, regime menos complexo e susceptível de traduzir a interdependência que, para os proprietários, resulta de os seus direitos recaírem num mesmo edifício, uno sob o aspecto material.
Nessa interdependência reside o fundamento da própria economia que a propriedade horizontal introduz na construção e conservação dos prédios, bem como a facilidade resultante de poder adoptar-se administração unitária, e por isso essa interdependência deve manifestar-se não só quanto aos direitos, mas também no tocante às obrigações.
Advirta-se, todavia, que nada há na propriedade por andares que implique existir entre os condóminos qualquer affectio societatis, nem sequer qualquer solidariedade de carácter obrigacional. Trata-se, apenas, do entrelaçamento inevitável que entre as virias propriedades se verifica em razão de todas incidirem, se bem que exclusivas, num todo material unitário. Essa interdependência implica apenas a comunhão forçada de certas coisas e a repartição obrigatória de alguns encargos, tudo com natureza acessória e real.
Este carácter acessório e real tem especial importância quanto às obrigações, por ser necessário prevenir cada proprietário contra a falta de cumprimento das obrigações comuns por parte dos outros e contra as alienações das propriedades exclusivas que eles por ventura façam. As obrigações comuns, em tudo quanto corresponda a encargos naturais da propriedade horizontal, devem ter o carácter de obrigações propter rem, ou de obrigações reais, naquele sentido em que Correia Teles, ao lado do direito real -aquele que tinha essa natureza em virtude de a faculdade de o exercer ser anexa a certa coisa, sem respeito da pessoa que a possuía-, admitia a obrigação real, que era aquela que se encontrava anexa à posse duma coisa (Digesto Português, §§45.º e 46.º).
Tal é pois a natureza do instituto em causa: é um conjunto de propriedades exclusivas de apartamentos, incorporados num mesmo edifício, integradas por uma comunhão nas parcelas não adstritas a nenhuma habitação em particular, comunhão acessória e de natureza real, da qual resulta certa interdependência entre os condóminos de carácter igualmente real.
O artigo 2335.º do Código Civil contém um regime ambíguo, que permitiria enquadrá-lo, sem esforço, quer nesta concepção, quer na anterior. O projecto pelo contrário, e muito bem, parece fundamentar-se na doutrina acima defendida, embora em alguns aspectos não a apresente com o carácter imperativo que é imposto pela natureza do instituto.

7. Em síntese, poderemos concretizar quanto se expôs anteriormente nos seguintes princípios:
a) A propriedade horizontal é uma modalidade de propriedade apta para assegurar a maior número de famílias lar próprio, contribuir para resolver o problema da habitação em geral e para facilitar melhor repartição e circulação de bens de raiz;
b) O instituto da propriedade por andares não se confina nos limites do problema da construção, posto que possa concorrer para o solucionar, e não deve esquecer-se este aspecto na regulamentação daquele instituto;
c) Na sua estrutura a propriedade horizontal constitui direito exclusivo sobre uma habitação incorporada num prédio e integrada por comunhão nas partes não exclusivas deste;
d) Esta comunhão, de carácter acessório, implica certa interdependência de direitos e obrigações, puramente reais, em tudo que há de essencial ao instituto.

8. Para completar esta apreciação na generalidade cumpre ainda fazerem-se duas observações.
Por um lado parece aconselhável que o diploma em que deve transformar-se o projecto revista a natureza de decreto-lei. Conquanto se trate de um regulamento, convém, como se dirá, que por ele se introduza uma pequena alteração no regime hoje consagrado no artigo 2335.º do Código Civil. Demais, o projecto consagra princípios que, embora possivelmente implícitos nesse preceito, apresentam novidade suficiente para não ser justificável o uso da forma de decreto simples.
Por outro lado conviria ajustar-se ao sistema tradicional a técnica da articulação do projecto, pois não se afigura conveniente a prática de englobar no mesmo artigo, sem discriminação de parágrafos, vários trechos distintos, insusceptíveis de serem citados com facilidade e uniformidade.

II

Exame na especialidade

9. Entrando-se no exame do projecto, em especial cumpre mencionar, antes de mais, o notável e douto relatório que o antecede, o qual é muito útil para a compreensão do problema em causa e evidencia ela raramente a prudência e o bom critério com que aquele foi elaborado.
Na parte expositiva contém o projecto princípios relativos a diversos aspectos da propriedade horizontal os quais poderemos sistematizar, para comodidade de estudo, repartindo-os pelas seguintes rubricas:

a) Definição da propriedade horizontal (artigo 1.º);
b) Constituição (artigo 2.º) e formalidades complementares (artigos 3.º a 9.º);
c) Direitos e obrigações dos condóminos (artigos 10.º a 35.º);
d) Administração (artigos 26.º e seguintes).