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8 DE SETEMBRO DE 1955 595

gem de ordem, social. Do ponto de vista jurídico, aquele sistema subverteria, com efeito, a noção de prédio e, com ela, a de servidão.
O Código Civil Português, como outros do século transacto, e mesmo alguns recentes, como o italiano, consagram uma noção de prédio que se filia na tradição do velho direito germânico, que olhava o solo como um bem fundamental, e nas doutrinas fisiocráticas, desenvolvidas no fim do século XVIII, para as quais o terreno era o único bem produtivo; embora ultrapassadas essas concepções,- mantém-se em alguns aspectos a mentalidade de que elas eram afloramento, e isso levou os códigos a considerarem prédio só o próprio terreno, ou qualquer coisa estàvelmente incorporada nele.
Assim, o artigo 374.º do nosso Código Civil define prédio rústico como sendo constituído pelo terreno e prédio urbano o edifício incorporado neste.
Não foi o código tão longe como alguns autores, que consideram os edifícios sempre acessórios do terreno. Mas em todas as suas disposições ele revela que considera sempre o solo ligado ao edifício, ou este incorporado naquele; ao regular a acessão imobiliária, o código resolve por modo variável o problema da propriedade do solo e do edifício nele erguido, mas em todos os casos atribui a propriedade de ambos à mesma pessoa, mostrando que solo s casa formam um todo indissolúvel (Código Civil, artigos 2304.º e 2305.º). Esta era, aliás, a solução que se impunha num código que desconhece o direito de superfície.
Nesta ordem de ideias, o Prof. Guilherme Moreira (Instituições de Direito Civil, I, p. 344) ensina que se consideram prédios urbanos «quaisquer edifícios ou casas incorporados no solo com certa permanência»; e acrescenta: e quando o edifício não esteja incorporado, isto é, ligado ao solo directa ou indirectamente pelos alicerces, colunas, estacas ou qualquer outro meio, será considerado, em si, como coisa móvel por natureza». Sustenta ainda que «as diversas partes do edifício e os elementos que as compõem e que não possam dele separar-se ... formam um todo com o solo, constituindo o prédio urbano, de que são partes componentes».
Também o conceito de prédio urbano consagrado no Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, artigo 1.º, § 1.º, não obstante evidenciar que o terreno pode ser acessório do edifício, revela com clareza que juridicamente eles são inseparáveis um do outro.
Ora a concepção que deixámos esboçada acima conferiria a cada andar a qualidade autónoma de prédio, fazendo surgir prédios «suspensos», em absoluto desacordo com o espírito das leis vigentes.
Por outro lado, sendo as servidões constituídas sempre sobre um prédio em favor de outro (artigo 2267.º do Código Civil), ou se reconheceria efectivamente a qualidade de prédio a cada apartamento ou seria forçoso modificar-se o conceito de servidão.
E, devendo a propriedade horizontal enquadrar-se em muitos aspectos, quiçá imprevisíveis em pura teoria, no regime geral da propriedade e de todo o direito das coisas, afigura-se imprudente e incorrecto fundá-la an concepções diversas das que inspiram esse regime a esse direito.
O recurso ao direito de superfície, como explicação Ia propriedade por andares, teria implicações semelhantes, igualmente desaconselháveis.
Encarado o problema pelo prisma social, as concepções referidas afiguram-se também de repudiar.
Antes de mais, seria muito complexa a rede de servidões e de comunhões parcelares, que embaraçaria, como atrincada teia, as propriedades dos vários pisos. Não e trataria apenas de relações gerais, respeitantes a cada difícil em globo, mas de servidões que onerariam separada e reciprocamente as várias propriedades, desfibrando-se em tantas relações quantas as que poderiam surgir entre um proprietário e todos, e cada um dos outros; inevitavelmente se cairia na comunhão dispersa de cada parede, de cada tecto ou pavimento estabelecida entre dois ou mais proprietários, nem sempre os mesmos em todos os casos, e respeitando essa comunhão muitas vezes a simples parcelas do seu objecto, apenas discriminadas pela respectiva localização.
Sendo por esta forma dispersas e restritas a alguns proprietários as relações determinadas pela coexistência no mesmo edifício, dificílimo se tornaria estabelecer qualquer sistema de administração geral, e esta consideração bastaria, de per si, para condenar o sistema. Numerosas seriam ainda as possibilidades de conflitos, sem que qualquer providência de conjunto as pudesse prevenir eficazmente.
Acresce que tal concepção inspiraria aos proprietários excessivo espírito de liberdade e exclusivismo, prejudiciais à função e à vida do edifício em conjunto, proprietários absolutos de cada apartamento, porque não haveriam eles de o utilizar para quaisquer fins, mesmo que incómodos para os outros? Porque não haveriam de ornamentar a fachada do seu alojamento pelas formas mais díspares e caprichosas? Porque haveriam eles de concorrer para despesas comuns?
Com a mentalidade que, assim, facilmente infundiria nos proprietários a concepção em exame desapareceria a economia de conservação e administração que a interdependência dos vários apartamentos pode tornar possível e perder-se-ia provavelmente todo o valor moral e psicológico que, para cada morador, pode ter o conjunto do edifício, o seu enraizamento no solo e o respectivo decoro exterior.
Quer dizer: aparentemente fomentadora de maior autonomia, a concepção referida seria origem de atritos e de embaraços que prejudicariam as várias propriedades separadas.
Sem embargo da divisão em alojamentos autónomos, o edifício não deixa de ser um só e de, por esta unidade material, dar lugar a certa interdependência dos proprietários parcelares. Melhor se afigura, por isso, reconhecer francamente esta realidade e basear nela a estruturação jurídica da propriedade horizontal.

III - Outra concepção, finalmente - a mais difundida, posto que com alguma variedade nos pormenores de aplicação -, é a que apresenta a propriedade horizontal como propriedade exclusiva dos apartamentos, completada pela comunhão de todos os proprietários nas parcelas dos prédios não destinadas restritamente a cada uma das habitações.
Cada apartamento ou alojamento seria objecto de propriedade exclusiva; tudo o mais no edifício, particularmente aquilo que constituísse o fundamento e estrutura deste ou por natureza se destinasse ao uso comum, seria pertença de todos os condóminos, mais a título acessório, como complemento forçado da propriedade de cada um.
A propriedade exclusiva recaía, assim, pròpriamente na «casa» ou «habitação», olhada como unidade social e jurídica mais do que como objecto material; o apartamento seria, como já se definiu, um «cubo de ar» compreendido entre as paredes e pavimentos que o delimitam.
Neste último ponto a concepção é exagerada, móis sugestiva do que rigorosa, pois não pode deixar de reconhecer-se a cada condómino o direito à utilização de paredes e pavimentos do lado interior da casa, na medida em que tal não exclua o direito geral dos outros proprietários.