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1054 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 104

mente cumprir a sua missão nos períodos de crise que a situação económica da comunidade eventualmente tenha de atravessar ...».
Sendo certo que o projectado diploma foi antecedido de largos e demorados estudos, feitos por uma comissão de jurisperitos e postos à disposição desta Câmara, torna-se manifesto que, dominando, com segura e ampla informação, os numerosos elementos do problema que tenciona resolver, o Governo tem já opinião muito fundamentada e claramente definida sobre as soluções que se propõe dar-lhes.
É sob um ângulo delimitado por esta circunstância capital que se procederá à crítica do projecto de decreto-lei n.º 518.

2. Sob a epígrafe geral «Dos delitos contra a saúde pública e infracções afins e dos delitos antieconómicos», o diploma em projecto divide-se em quatro capítulos, cujos títulos são, sucessivamente, «Das infracções e das penas», «Das regras da competência e do processo», «Das infracções disciplinares contra a economia nacional» e «Das disposições gerais e transitórias». E só o capítulo I é subdividido em duas secções, que se intitulam «Das infracções em especial» e «Da responsabilidade penal em geral».
Mas a estrutura real do projecto não obedece rigorosamente à sua epígrafe geral. No capítulo I «Das infracções e das penas» prevêem-se várias infracções antieconómicas, que o próprio projecto classifica de contravenções (artigos 16.º a 19.º, 23.º e 24.º), e todo o capítulo III trata, como a sua própria epígrafe diz, de infracções disciplinares. Como é sabido, nem as contravenções nem as infracções disciplinares cabem no conceito de crime ou delito, e, assim, a menção exclusiva, de delitos antieconómicos na epígrafe geral mostra que, quanto ao grupo de infracções contra a economia nacional, a realidade vai além da nomenclatura.
Apesar do seu carácter puramente formal, esta observação não é despicienda, pois não poderá negar-se o asserto de que as leia devem ser redigidas com o maior rigor possível, não só quanto à linguagem em si, mas também quanto à propriedade desta.

3. Na secção II do capítulo I «Da responsabilidade penal em geral» o projecto ocupa-se de matérias de vária natureza, unidas entre si apenas pelas relações de cada uma com a parte especial, tratada na secção I.
Esta colocação relativa é discutível. Na nossa lei-padrão em matéria criminal, o Código Penal Português, e matéria geral constitui o objecto do livro I, enquanto a matéria especial é tratada no livro II. Não havendo motivo que contra-indique esta sistematização de base, é de aconselhar que na proposta em discussão se siga orientação semelhante. E, aplicando o mesmo princípio, no possível, às matérias tratadas na própria secção II, devem também alguns dos seus artigos mudar de posição em relação a outros.

4. No caso concreto em estudo, para além destes aspectos superficiais, surge também um problema de estrutura, o de se saber se convém reunir num mesmo diploma a regulamentação de dois tipos de ilícitos, o penal e o disciplinar.
É de simples intuição que entre as infracções próprias dos dois géneros há diferenças profundas. Sem querer, por descabido, aprofundar doutrinàriamente o problema, bastará recordar que, segundo o princípio nullum crimen sine lege, não há infracção penal sem lei anterior que como tal a classifique, regra esta consagrada na Constituição Política (artigo 8.º, n.º 9.º). Pelo contrário, a infracção disciplinar afecta o dever genérico de respeitar certa ordem jurídica, normalmente funcional; em consequência, há frequentemente nas leis a enumeração de infracções disciplinares de certos tipos, mas é decerto impossível discriminar previamente todas as que podem cometer-se sem relação a qualquer matéria. No próprio diploma em projecto se manifestam estes princípios, pois, enquanto os delitos e as contravenções ali vêm especificadamente definidas (artigos 1.º a 24.º), se dá da infracção disciplinar uma única definição genérica (artigo 54.º), e se apresenta uma enumeração delas puramente exemplificativa (artigo 55.º). Não há dúvida de que a síntese legislativa tentada no capítulo III da proposta «Das infracções disciplinares contra a economia nacional» é do maior interesse.
Dada a progressiva regulamentação das actividades nacionais, que a organização corporativa vai estendendo no plano interno e que as pressões do mundo externo, cada vez mais próximo e mais semelhante, vão impondo pela necessidade de se tomar parte nas competições do mercado internacional, a disciplina da actividade dos organismos e das pessoas é exigência imperativa. E ao direito, como sistema de normas reguladoras da vida social, compete definir, enquadrar e reger as relações que daí derivam.
Mas, olhando ao fundo das coisas, deve notar-se que, no aspecto substantivo, o complexo jurídico relativo às infracções disciplinares previstas no projecto se relaciona estreitamente com a organização corporativa (artigos 54.º, 55.º, n.ºs 1.º, 2.º, 3.º e 8.º, 56.º, n.ºs 6.º e 7.º, 57.º, 58.º e 59.º) e que, por outro lado, se separa totalmente do complexo penal no tocante à aplicação de sanções. Enquanto para julgar as questões relativas a este são competentes, em princípio, os tribunais comuns (artigo 39.º), o sistema previsto para dirimir as controvérsias referentes àquele prevê recursos hierárquicos de tipo administrativo, que num recurso administrativo contencioso vem a culminar (artigo 60.º), ao mesmo tempo que a organização dos processos se manda fazer recorrendo ainda a regras de carácter administrativo (artigo 61.º).
Por outro lado, a Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956, que promulgou as bases para a instituição das corporações, atribui a estes organismos competência para, com assentimento do Estado, estabelecer normas sobre a disciplina das actividades e dos mercados [base V, alínea f)]. Não foram instituídas ainda as primeiras corporações, mas, logo que o sejam, do seu funcionamento resultará a necessidade de introduzir nos respectivos regimentos disposições de carácter disciplinar. Ao iniciar-se uma nova fase no desenvolvimento da organização corporativa, a qual forçosamente implicará novas regulamentações, cuja estabilização virá a fazer-se, provavelmente, só depois de tentativas e ensaios, parece prematuro ir condensar já num regime breve e único as normas reguladoras da disciplina em matéria por sua natureza instável e fluida.
Ora, considerando o conjunto destes elementos, entende a Câmara Corporativa que a regulamentação disciplinar prevista no projectado decreto-lei deve ser destacada dele, para constituir objecto de diploma autónomo, a publicar em momento oportuno.

5. Cindido em dois diplomas distintos, o projecto ainda apresentará, no seu corpo propriamente penal, uma complexidade discutível, a que resulta do agrupamento de infracções de naturezas muito distintas, as relativas à saúde pública e as referentes à economia nacional.
Na verdade, há uma linha divisória bem aparente a separar umas das outras. Enquanto as infracções contra a saúde pública atentam directamente contra a lei moral em si mesma, cujas normas o direito adopta,