1058 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 104
tícios, de 23 de Agosto de 1902, que passou ao § único do artigo 1.º do Decreto n.º 20 282. Nada a opor-lhe. Finalmente, o n.º 3 do artigo dá o conceito de falsificação. É um conceito sintético, que abrange duas formas: a contrafacção e a alteração dos produtos; limitado à materialidade dos factos que prevê, revela-se como inteiramente satisfatório.
13. No artigo 2.º, n.º l, prevêem-se conjuntamente cinco infracções relativas a géneros alimentícios falsificados, avariados ou corruptos: a venda, exposição à venda, aquisição, transporte e 'armazenamento para comércio, das quais só a aquisição aparece explicitamente como nova em relação à incriminação anterior (Decreto n.º 20282, artigo 17.º). Mas este complexo divide-se em dois grupos pela expressão copulativa «... e bem assim». No primeiro figuram somente a venda e a exposição à venda dos produtos, simples actos materiais e objectivos. No segundo grupo, constituído pela aquisição, transporte e armazenamento, a incriminação só se fará se houver um elemento moral - o de o destino de qualquer destas operações ser o comércio, dos produtos. E curial é que assim seja, pois quem adquire, transporta ou armazena produtos falsificados sem ser para comércio só como vítima, e não como criminoso, pode ser considerado.
Olhando ao fundo das coisas, vê-se que há outro agrupamento a fazer aqui. Por um lado, a venda, a exposição à venda e o armazenamento para comércio, infracções nas quais não pode deixar de admitir-se que o seu autor conhece o estado dos produtos ou tem, em princípio, obrigação de o conhecer, salvo o caso de géneros contidos em invólucros de origem sem prazo de garantia, em que nem sequer mera negligência pode existir.
Mas é outra a situação quanto à aquisição e ao transporte. Nos casos de aquisição por correspondência e nos de transporte de produtos cujo empacotamento não permite notai1 à simples vista o estado dos géneros, impõe-se para a incriminação a exigência de outro elemento moral - o conhecimento daquele estado, sob pena de se ferir a simples equidade.
As alíneas do n.º 1 fixam as penas, duas para os crimes dolosos, conforme os géneros forem nocivos à saúde ou simplesmente impróprios para consumo, e a última para o caso de o defeito dos géneros ser ignorado do responsável por desleixo ou incúria. Estes dois motivos são característicos da negligência e não é fácil mesmo imaginar situações em que a ignorância do estado dos produtos possa ser devida a outras razões. Nestas circunstâncias e para evitar divergências de interpretação, parece preferível substituir a expressão final da alínea c) pela palavra a cujo conceito ela corresponde.
A comparação das penas previstas nos artigos 1.º e 2.º faz surgir um problema de equilíbrio entre estas sanções. No caso de falsificação dolosa, mas sem nocividade para a saúde do consumidor, o delito é punido somente com multa [artigo 1.º, n.º 1, alínea b)], ao passo que a venda dos produtos falsificados somente impróprios para consumo o é com prisão de três dias a seis meses e multa [artigo 2.º, n.º 1, alínea b)]. Semelhantemente, se a falsificação for apenas culposa, mas nociva, cabe-lhe a multa de 500$ a 3.000$ [artigo 1.º, n.º 1, alínea c)], ao passo que a venda de produtos falsificados é punível com multa de 600$ a 10.000$, se o defeito dos produtos for ignorado por negligência [artigo 2.º, n.º 1.º, alínea c)]. É, portanto, claro que o vendedor de produtos falsificados é mais severamente castigado do que o próprio falsificador.
Esta situação está em desacordo com o sentimento geral de justiça, que atribui ao autor da iniciativa criminosa maior responsabilidade do que a daquele que dela apenas se aproveita. E não pode esquecer-se que este sentimento tem expressão nos princípios gerais do direito penal, de harmonia com os quais o segundo seria mero encobridor (Código Penal, artigo 23.º, n.º 4.º) e beneficiaria de redução na pena (idem, artigo 106.º). Nestas condições, parece razoável diminuir as penas da segunda infracção.
Nem colhe contra estas considerações o facto de no artigo 2.º se punir a venda não só de produtos falsificados, mas também a dos avariados e corruptos, pois a falsificação exige de si mesma uma actuação dolosa positiva, ao passo que as vendas de produtos falsificados, avariados ou corruptos têm o traço comum da não intervenção do agente no facto doloso originário e o defeito dos produtos pode ser devido a simples efeitos naturais.
Em contraste com a prolixidade do artigo 53.º do Decreto n.º 20 282, o n.º 2 do artigo define em termos de grande nitidez e simplicidade o que deve entender-se por géneros corruptos e avariados. Nada a opor-lhe.
14. Tratando especialmente dos transportes, estabelece o artigo 3.º, n.º 1, a presunção de que ele é feito para comércio sempre que os géneros sejam daqueles a cujo comércio se dedica o destinatário. É uma fórmula simples e clara, fácil de aplicar com todo o discernimento a cada caso concreto, se for possível ilidir a presunção. Sendo este o espírito do preceito, convém, todavia, dizê-lo expressamente.
A regra do n.º1 completa-se com a do n.º 2, cuja função é de simples esclarecimento. Mas ela afigura-se inútil desde que, como se propôs, para a incriminação do transportador se exija o seu conhecimento sobre o estado dos géneros. E daí a vantagem de reduzir o artigo 3.º a simples número do artigo 2.º
15. No artigo 4.º admite-se como acto isentador de pena a declaração da existência de géneros alimentícios falsificados, avariados ou corruptos, quando feita perante a Inspecção-Geral dos Produtos Agrícolas e Industriais, antes de qualquer intervenção oficial ou denúncia. É norma cuja fonte está no artigo 59.º do Decreto n.º 20 282 e cuja razoabilidade se não pode impugnar.
16. Prevêem-se e punem-se nos artigos 5.º a 7.º algumas infracções relativas ao abate de animais, regulamentação esta que vem do Decreto n.º 15 982, de 31 de Agosto de 1928, e do Decreto-Lei n.º 32 334, de 20 de Outubro de 1942, mas recebe no projecto forma nova. No artigo 5.º trata-se do abate de reses impróprias para consumo, infracção cujos elementos essenciais são que as reses se destinem ao consumo e se conheça o seu estado. Versa o artigo 6.º sobre a matança clandestina, que como tal classifica quando for feita sem prévia inspecção sanitária às reses. E, finalmente, o artigo 7.º prevê a matança de animais fora de certas condições, entre as quais há a relativa aos lugares próprios para o sacrifício. Reflectindo sobre o alcance destes preceitos, nota-se que o projecto faz depender somente da falta de inspecção das reses a clandestinidade da matança (artigo 6.º). Mas, se para esta há lugares destinados por lei, os indicados na alínea a) do artigo 7.º, a matança feita fora deles não pode deixar de considerar-se clandestina. As condições objectivas da clandestinidade exprimem-se, pois, em dois preceitos do projecto, mas é manifesto que devem reunir-se num só. As relações entre os três artigos suscitam assim um problema de estrutura, a resolver com melhor articulação da matéria.