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1060 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 104

As excepções assim estabelecidas justificam-se pelos seus próprios termos. Mas o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 29 964 admitia ainda ao princípio geral da incriminação uma excepção que o projecto não prevê - a do pequeno produtor agrícola que recusar a venda das reservas destinadas a obter no decurso do ano as importâncias necessárias à sua manutenção e actividade (n.º 2).
Na base, tanto do sistema actual como no do projecto, está uma amplitude que não é de aceitar.
O açambarcamento caracteriza-se essencialmente pela retenção de mercadorias, impedindo o seu lançamento no comércio em certo momento, com o fim de mais tarde se procurar obter melhor preço de venda. No fundo visa a conseguir um lucro reputado ilícito e por isso pode ter por objecto tanta produtos agrícolas como industriais e ser praticado pelo produtor agrícola ou industrial ou pelo comerciante.
Mas a liberdade de preços é de lei geral em regime de mercado como aquele em que vivemos e, dentro deste, os preços variam segundo a acção das leis económicas, entre as quais a dá oferta e da procura. A este regime pode o Estado pôr limites por motivos de interesse público e assim faz quando tabela os preços, ou condiciona a venda, ou determina o máximo dos lucros. Mas se não impõe concretamente nenhuma destas restrições não é de admitir que por meio de uma norma punitiva introduza um condicionamento indirecto, mas geral, que só tem lugar natural em regime socialista.
De resto, é imensa a dificuldade de o fazer dentro do próprio sistema do projecto. Dizendo que o açambarcamento existe quando se retêm mercadorias e se recusa à sua venda ao preço corrente do mercado, o projecto esquece a impossibilidade prática para o fiscal ou o juiz de determinar qual é este preço na grande maioria dos casos.
Pode ainda assim distinguir-se entre os preços industriais e os agrícolas. Enquanto o produtor industrial fixa os seus com estabilidade relativa para períodos indeterminados e quando os altera se limita, em geral, a agravá-los ou a diminuí-los por meio de simples percentagens, o produtor agrícola sofre desamparado os efeitos da lei da oferta e da procura. Os preços variam de ano para ano, de época para época, de feira para feira. Onde encontrar aqui o «preço do mercado»?
Por outro lado, o rendimento da produção agrícola no País é notoriamente baixo e os volumes da produção variam de ano para ano em proporções elevadas, segundo as contingências do tempo em relação às culturas.
Numa série de conjunturas assim fluidas, o produtor agrícola a quem a pressão das necessidades não obriga a desfazer da totalidade das suas colheitas procura muitas vezes reter uma parte destas à espera de melhores preços, com o fim de equilibrar os anos maus com os bons. Este intuito malogra-se frequentes vezes, mas mesmo quando é levado a bom termo significa apenas medida de autodefesa de bem precários resultados e não tentativa de auferir altos rendimentos com prejuízo do agregado social. A admitir-se o princípio geral do projecto, o viticultor que resolver vender conjuntamente duas colheitas de vinho, o criador de gado que decidir não vender os seus animais num ano em que os preços lhe pareçam ruinosos ou simplesmente adiar essas vendas de uma feira para outra, o avicultor que em época de superprodução, como a Primavera, guardar os ovos para os vender quando o mercado estiver menos abastecido, estarão incursos em crime de açambarcamento.
Salta à vista que em regime de mercado livre tal situação é incongruente e hostiliza as realidades. Sendo assim, entende a Câmara que as restrições à liberdade de venda a fazer no artigo 9.º, n.º l, devem referir-se apenas aos produtos tabelados ou de venda condicionada. E não se vê que disto possa resultar qualquer inconveniente de ordem social. O Estado tem a faculdade de intervir na vida económica. Quando o entenda necessário, tabela os preços ou regula o condicionamento de venda de novos produtos, estendendo assim, por um simples acto de governo, a esfera de aplicação do artigo 9.º a mais sectores da economia.
Assente este ponto de princípio, cumpre examinar em pormenor o conteúdo do n.º 2 do artigo.
Segundo ele e a sua alínea a), - não constitui infracção ter o produtor recusado a venda das quantidades indispensáveis à satisfação das necessidades do seu abastecimento doméstico anual ou das exigências normais da sua exploração durante o ano. Esta excepção subentende que todos os produtos agrícolas, e não só os frutos, são de produção anual; mas não sucede assim, por exemplo, com o azeite, em relação aos pequenos olivicultores. É sabido que as oliveiras dão os seus frutos em anos alternados, havendo assim os anos chamados de safra e os de contra - safra. Para o grande olivicultor não haverá dificuldade de abastecimento, pois mesmo em anos de contra - safra a sua baixa produção lhe permitirá obter o azeite necessário ao consumo doméstico. Mas o pequeno olivicultor pode ter necessidade de guardar o azeite de uma colheita para gastar no ano dela e no seguinte. A actual redacção da alínea a) não lho permitirá sem perigo de açambarcamento; deve, por isso, dar-se-lhe forma que tome para ponto de referência não o ano, mas o período necessário à renovação das existências.
A alínea b) do mesmo número contém uma excepção do tipo da anterior, mas em benefício do comerciante. Nada a opor-lhe.
No n.º 3 do artigo indicam-se as situações equiparáveis à recusa. Não há objecções a fazer às suas alíneas a) e b). Mas a alínea c), relativa ao não levantamento de mercadorias, está redigida de modo tão genérico que pode permitir imputar responsabilidades ao destinatário de mercadorias que nem sequer as tenha encomendado, situação esta que deve ser acautelada. Além disso a alínea distingue entre mercadorias sujeitas a racionamento ou condicionamento de distribuição e mercadorias livres; assentando-se em que o delito de açambarcamento só pode ter por objecto mercadorias da primeira categoria, impõe-se a adaptação do preceito a esta situação.
Prevê a alínea para este levantamento o prazo de cinco dias. Mas deve ter-se em conta que em certas épocas do ano o movimento nas empresas de transportes é tal que se torna impossível cumprir tal prazo, e como nada contra-indica que seja um pouco maior, deve ele ser alargado para dez dias, pelo menos.
O último número do artigo, o 4, equipara à recusa o encerramento voluntário do estabelecimento, com o fim de eximir à venda a respectiva existência [alínea a)] e a limitação da venda pelos industriais ou comerciantes quando essa limitação tenha sido declarada prejudicial pela entidade competente. Nada há a opor à primeira situação, mas a segunda pode ter o efeito de inutilizar em parte o preceito da alínea b) do n.º 2; para evitar esse inconveniente deve fazer-se na redacção a necessária ressalva.

22. No artigo 10.º fixa-se a pena do crime de açambarcamento, quer para o caso de dolo, quer para o de culpa, e declaram-se sempre puníveis a tentativa e a frustração. Não há objecção a fazer-lhe.