1064 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 104
possibilidade de as solver. Esta regra hostiliza o princípio de que a responsabilidade criminal deve ser sempre imputada e provada e, por outro lado, é inútil para o fim a que visa. Com efeito, os agentes dos delitos são punidos pela aplicação directa das normas reguladoras da incriminação e a responsabilidade criminal apenas pode recair nos mesmos agentes (Código Penal, artigo 28.º), entre os quais se contam os mandantes e instigadores (idem, artigo 21.º). Por este modo, quaisquer outras responsabilidades que o preceito pretende impor só podem ser de natureza civil; e o cumprimento destas assegura-o o artigo seguinte. O artigo 26.º deve por isso ser suprimido.
39. No artigo 27.º institui-se a responsabilidade solidária das sociedades civis e comerciais pelas multas e indemnizações em que forem condenados os seus representantes ou empregados, contanto que estes tenham agido nessa qualidade ou no interesse da sociedade, a não ser que se prove terem procedido contra ordem expressa da administração.
Este preceito vem do Decreto-Lei n.º 29 964 (artigo 10.º) e tem correspondência muito aproximada nos princípios que regem a responsabilidade fiscal de natureza civil (Contencioso Aduaneiro, artigos 20.º e 22.º a 24.º). Não pode negar-se-lhe fundamento moral e vantagem prática, pelo efeito intimidativo que produz.
40. Estabelece-se no artigo 23.º o princípio dê que às sociedades civis e comerciais suo aplicáveis medidas de segurança.
Conforme resulta da regulamentação fundamental, da matéria (Código Penal, artigo 70.º), as medidas de segurança têm carácter nitidamente pessoal e os próprios termos, muito vagos, do preceito conduzem a pensar que, na prática, elas são inaplicáveis às sociedades, isto, porém, sem embargo de o poderem ser, como providências autónomas, alguns dos seus efeitos.
O artigo 28.º deve, por isso, ser eliminado; e como nos artigos 32.º e 34.º se versam vários aspectos da mesma matéria, para a crítica deste grupo de preceitos se reserva o estudo da regulamentação das medidas de segurança que é possível e conveniente aplicar às sociedades.
41. Contém o artigo 29.º algumas disposições acerca da pena complementar da multa, a primeira das quais é a de que, em relação a cada infracção, ela não poderá ser inferior ao dobro do valor das mercadorias que desta constituíram objecto, nem superior a 1:000.000$ (n.º 1). Se a infracção consistir em transacção efectuada por preço superior ao normal ou ao legalmente estabelecido, atender-se-á, na fixação da multa aplicável, ao montante total do preço convencionado para a transacção; nos demais casos atender-se-á ao valor da mercadoria no seu estado normal (n.º 2).
No caso do crime de especulação, visado na primeira parte do número, este critério pode dar lugar a grandes anomalias. Assim, numa transacção sobre mercadorias com o valor de 20.000$ em que o lucro ilícito seja também de 20.000$ a multa será de 40.000$; mas, se o crime incidir sobre mercadoria do valor de 500.000$ e o lucro ilícito for também de 20.000$, a multa ascenderá a 1:000.000$. Perante tamanha incongruência, impõe-se variar o critério da fixação da multa complementar conforme a natureza dos crimes. Por isso, quanto ao crime de especulação, deve tornar-se como base do cálculo, não o valor da mercadoria objecto do delito, mas a importância do lucro ilícito auferido. Neste caso, porém, o coeficiente fixo do dobro é insuficiente e deve ser alterado para uma importância variável entre o dobro e o décuplo, por exemplo, que o prudente arbítrio do julgador adaptará a cada caso concreto.
A fixação da pena de multa no máximo de 1:000.000$ tem muito interesse. Segundo o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 35 809, em vigor, ao crime de açambarcamento cabe sempre a pena complementar de multa de valor igual a dez vezes o valor das mercadorias seu objecto, sem limitação alguma, e, nos termos do artigo 4.º, à pena de prisão pelo crime de especulação acresce a multa de 1.000$ a 1:000.000$, mas nunca inferior a dez vezes o valor do preço da transacção ilícita que se efectivou ou pretendeu efectivar, ou a do valor das mercadorias cujo preço se alterou ou tentou alterar. Da aplicação destes preceitos resulta, muitas vezes, a imposição de multas tão vultosas que os próprios julgadores hesitam em considerar provados os factos a que tais sanções têm de corresponder, as quais quando são efectivamente decretadas se mostram incobráveis, com manifesto desprestígio da justiça. Tal frustração tornar-se-á improvável em face do máximo fixado no artigo, pois em juízo a multa será naturalmente graduada pela gravidade real dos delitos e a situação económica dos infractores.
No n.º 3 do artigo declara-se aplicável às multas previstas no diploma o disposto nos §§ 2.º e 3.º do artigo 63.º do Código Penal, sem prejuízo da comparticipação estabelecida pela legislação em vigor a favor dos participantes, autuantes ou descobridores dos crimes contra a saúde pública. Tendo em atenção que no artigo 39.º se ressalva a competência actual do Tribunal Colectivo dos Géneros Alimentícios, que, fundamentalmente, é a de julgar os delitos e transgressões sobre géneros alimentícios (Decreto n.º 27 207, de 16 de Novembro de 1936, artigo 157.º), parece cloro que a norma projectada está em relação com este preceito. Manter-se-ia, assim, o Tribunal com organização especial, para julgar infracções especiais, através de um processo especial, baseado em autos e participações lavrados por fiscais com remuneração especial.
Não há dúvida de que os comandos da regra em vigor e da norma proposta são adaptáveis a qualquer dag formas da organização judiciária; mas admitindo-se a extinção do Tribunal Colectivo de Géneros Alimentícios, a subsistência do princípio ressalvado no n.º 3 para ser aplicado nos tribunais comuns, em relação apenas a um dos grupos de infracções tratadas no projecto, avultada logo como uma anomalia. Além disso, a evolução dos conceitos sobre a dignidade das funções de fiscalização tem-se feito no sentido de libertar os respectivos agentes da suspeição geral de actuarem mais na prossecução do seu próprio interesse do que na defesa do interesse público, não lhes dando, portanto, qualquer comparticipação nas multas. E o que sucede, por exemplo, com os agentes da Polícia de Viação já a partir do Código da Estrada de 1930 (artigo 147.º, § único). É certo que a comparticipação nas multas serve de estímulo para maior actividade no serviço de fiscalização, mas não é menos verdade que algumas vezes ela faz perder de vista aos agentes a exacta dimensão das infracções, chegando a haver quem os acuse de tentarem suscitá-las. No plano superior dos interesses morais do Estado, mais vale deixar impunida uma ou outra infracção do que castigar com injustiça algum delinquente ou inocente; e por isso melhor será pôr de parte a norma projectada.
Ora, admitindo-se esta conclusão, o primeiro comando do n.º 3 torna-se inútil, pois o artigo 38.º do projecto, tornando o Código Penal como lei subsidiária, conduz de per si à solução que ele visa. Em tais condições, deve este número ser eliminado.
42. No artigo 30.º estabelece-se o perdimento dos produtos ou mercadorias que constituam objecto das in-