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504 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 32

Mas ainda dessa feita não foi possível dar realização aos propósitos enunciados.
Enfim, o Decreto-Lei n.º 41 036, de 20 de Março de 1957, fundiu numa só - a Comissão da Reforma Fiscal - as duas comissões criadas pelo diploma de 1951.
Parece ser chegado agora o momento em que se torna viável concretizar as intenções e anseios expressos nas já distantes Leis de Meios para 1948 e 1951.
O relatório ministerial sobre a proposta ora em discussão insere, a tal respeito, alguns esclarecimentos, quer sobre as razões dá demora na conclusão dos trabalhos preparatórios, quer no tocante aos princípios gerais, de ordem económica, financeira e jurídica, que norteiam a nova legislação tributária.
Compreende perfeitamente esta Câmara que a complexidade e o melindre do assunto, aliados à natural hesitação sobre a própria oportunidade de certas orientações na fase presente da conjuntura nacional e europeia, houvessem feito protelar a efectivação da reforma.
É, todavia, essa mesma conjuntura que torna cada vez mais instante a remodelação do nosso sistema fiscal, em ordem não apenas a simplificar textos e técnicas, mas, acima de tudo, a adequar as normas tributárias às exigências dos tempos actuais e às necessidades prementes do nosso desenvolvimento.
Cabe aqui uma palavra de elementar justiça sobre a reforma tributária de 1929, cujos princípios, a trinta anos de distância, mantêm ainda larga soma de virtualidades. Ela constituiu o alicerce fundamental da restauração financeira do Estado em tempos particularmente difíceis e nessa base firme pôde assentar-se toda uma política de renovação económica, social e administrativa, do País.

21. O conteúdo do artigo 4.º da proposta suscita, porém, algumas reflexões.
Em primeiro lugar, parece depreender-se dos seus termos ser intenção do Governo publicar, no decurso de 1959, mediante decretos-leis, os textos de reforma dos principais impostos sobre o rendimento e o património, tal como acaba de fazer para a sisa e o imposto sucessório.
Não se afigura actualmente susceptível de controvérsia, que, à face da letra da Constituição Política, pode o Governo legislar sobre matéria tributária por intermédio de decretos-leis. É doutrina que deve considerar-se pacífica, sobretudo depois da última revisão constitucional, efectuada pela Lei n.º 2048, de 11 de Junho de 1951, e que resulta do confronto entre os artigos 70.º e 93.º da mesma Constituição (21).
Simplesmente, não tem o Governo, por via de regra, usado dessa faculdade, e antes, em homenagem, aliás, a uma velha tradição nacional, que vem desde as Cortes de (Coimbra de 1261, costuma submeter à apreciação da Câmara Corporativa e da Assembleia Nacional, geralmente através das. propostas de leis de meios, as bases gerais referidas no § 1.º do artigo 70.º da Constituição - incidência, taxas de imposto, isenções, reclamações e recursos a favor do contribuinte.
Não foi esse, evidentemente, por motivos óbvios, o caso da reforma de 1929 e da restante legislação tributária publicada no período ditatorial que antecedeu a entrada em vigor da Constituição de 19133. Mas de então para cá procurou-se manter o princípio de que o Governo só se propõe legislar sobre as aludidas matérias em casos de urgência e necessidade pública.

O próprio decreto-lei que em 1946 reorganizou o imposto complementar - o principal diploma fiscal publicado desde 1929- fê-lo, como se lê no seu preâmbulo, "usando da autorização conferida pelo artigo 6.º da Lei n.º 2010, de 22 de Dezembro de 1945", que determinara a forma geral de incidência, a isenção base e a razão e limites de progressividade das taxas.
Também, pela Lei n.º 2070, de 8 de Junho de 1954, se regularam recentemente certas formas de isenção da contribuição predial em casos de aumento de rendimento de prédios rústicos.
Ora a proposta de lei em exame não inclui qualquer norma específica sobre bases de incidência, taxas, isenções, reclamações e recursos a inserir na futura reforma fiscal.
Contém, é certo, o relatório ministerial, como já aludimos, alguns princípios de ordem doutrinária a que, consoante se afirma, obedeceu a elaboração dos novos diplomas, mas daí nada se pode concluir quanto à sua aplicação em cada caso concreto, isto é, em cada uma das categorias tributárias que se pretende remodelar.
Restará, assim, à Assembleia Nacional e a esta Câmara tomarem contacto com as questões que cabem dentro da sua competência efectiva na matéria por ocasião da próxima Lei de Meios, tendo em vista o disposto no § 2.º do citado artigo 70.º da Constituição.
Simplesmente, é manifesto que semelhante tarefa - dada a extensão da reforma e a sua fundamental importância e repercussão em todos os sectores da vida nacional - se mostra dificilmente compatível com as limitadíssimas condições de tempo em que necessariamente tem de circunscrever-se a apreciação de uma lei de meios.
Afigura-se a esta Câmara que as circunstâncias expostas teriam porventura justificado a elaboração de uma proposta de lei especial, contendo, para cada um dos impostos a remodelar, as bases gerais de tributação a que se refere o mencionado preceito constitucional. Caberia aí explanar, em adequado preâmbulo, as linhas mestras de economia e direito fiscal que inspiravam a reforma.
Tal como se encontra redigido, o artigo 4.º da proposta não encerra alcance útil, a não ser para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, sem embargo de se reconhecer a intenção do Governo ao procurar expor, no douto relatório que precede a proposta, os princípios de natureza teórica que orientaram a nova legislação. Assim, não deixará a Câmara de fazer alguns breves comentários a respeito daqueles princípios, tendo em vista, sobretudo, a sua adequação às finalidades essenciais que atrás se apontaram como devendo orientar, no presente condicionalismo económico-social, a nossa política tributária: estímulo ao aforro, incentivo e orientação do investimento, melhoria de distribuição dos rendimentos.

22. Podem esquematizar-se como segue as directivas genéricas que, segundo o relatório, informam a anunciada reorganização fiscal:
Princípios de ordem económico-financeira:

a) Preferência pelo rendimento real como base de tributação;
b) Conveniente reajustamento de taxas;

(21) Cf. parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei n.º 111 (alterações à Constituição Política), Diário das Sessões n.º 74, de 24 de Fevereiro de 1951, pp. 405-406; Assembleia Nacional, discussão da proposta de lei n.º 111 na especialidade, Diário das Sessões n.º 102, de 26 de Abril de 1951, pp. 928-929; decreto da Assembleia Nacional sobre a revisão constitucional, Diário das Sessões n.º 106, de 1 de Maio de 1951, p. 1012; Miguel Veiga e Manuel de São Paio, Direito Fiscal, segundo as prelecções do Dr. Alexandre Pinto Coelho do Amaral ao 3.º ano jurídico, Coimbra, 1957, pp. 27-30.