1164 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA
3. Se se notar que são decorridos mais de dois decénios sobre a promulgação da Lei n.º 1952 e se se tomar em conta a rápida evolução que se tem operado por toda a parte nas formas de protecção ao trabalho, compreender-se-á que aquele diploma se mostre presentemente desactualizado em muitos dos seus aspectos. É certo que, entretanto, a celebração de numerosas convenções colectivas e a publicação, ao abrigo do Decreto-Lei 11.º 32 749, de 15 de Abril de 1943, de diversos despachos de regulamentação do trabalho vieram, relativamente a muitas actividades profissionais, melhorar os direitos dos trabalhadores e reforçar as garantias de carácter social que a lei outorgara. Importa reconhecer, no entanto, que o contrato colectivo ou o despacho normativo não dispensam, antes pressupõem, que os conceitos fundamentais do direito do trabalho se apresentem actualizados e que as prerrogativas e os deveres de patrões e trabalhadores estejam, no seu conjunto, devidamente enunciados em texto legislativo de aplicação geral, o qual não pode deixar de ser revisto em função do desenvolvimento económico do País e da progressiva instauração de uma mentalidade mais favorável à realização dos princípios de cooperação e de justiça social.
Atente-se, por outro lado, em que os contratos colectivos são obra de compreensão e de boa vontade. Quando estas faltem, sejam deficientes, ou só dominem no espírito de uma das partes, a celebração de acordos para a resolução de conflitos de trabalho está condenada. Acresce que tais convenções, com o decurso do tempo, são ultrapassadas e nem sempre os representantes dos empresários e dos trabalhadores conseguem chegar a entendimento sobre o conteúdo e os limites da sua revisão, ainda quando uns e outros a reputem necessária.
Com a publicação do referido Decreto-Lei n.º 32 749 foi autorizado o Subsecretário de Estado, das Corporações e Previdência Social a regular as condições de prestação de trabalho e a sua remuneração, em ordem a poder suprir-se a ausência de acordo entre as entidades patronais e os trabalhadores. A verdade, porém, é que esta faculdade foi aproveitada quase exclusivamente na fixação de ordenados e salários mínimos, por se entender que, salvo em casos especialíssimos, deviam respeitar-se, no tocante às demais condições de trabalho, os preceitos da lei fundamental, ou seja da Lei n.º 1902.
Além disto, o recurso à regulamentação normativa consentida por aquele decreto-lei foi sempre utilizado com as maiores cautelas, pois não faria sentido que o Governo, em face da doutrina que, nos termos do texto constitucional, deve pautar a sua acção, se substituísse normalmente aos organismos corporativos, e interviesse, logo às primeiras dificuldades surgidas, estatuindo os regimes de trabalho. A análise do que tem sido neste campo a actuação, primeiro, dos Subsecretários de Estado e, depois, dos Ministros das Corporações e Previdência Social revela que os poderes conferidos apenas têm sido usados a título de excepção e só na medida em que circunstâncias prementes o determinaram.
Isto evidencia a vantagem que há em promover, à luz da experiência e dos imperativos de ordem social, a remodelação da lei que em 1937 consignou os princípios essenciais sobre o contrato de trabalho. Só assim será possível assegurar posição mais estável e justa no exercício da actividade profissional à generalidade dos trabalhadores e, em especial, aos que estão abrangidos por contratos ou acordos colectivos desactualizados e àqueles que nem sequer têm qualquer convenção ou despacho a regular complementarmente as condições do seu trabalho.
4. A remodelação da Lei n.º 1952 tem sido ultimamente uma das mais salientes pretensões dos sindicatos nacionais, secundados muitas vezes pelos próprios grémios. Estas aspirações justificam-se de modo particular nos casos em que os sindicatos representam simultaneamente trabalhadores cujos direitos derivam apenas da Lei n.º 1952 ou vêm definidos em convenções colectivas já antiquadas e trabalhadores protegidos por convenções que Concedem maiores, regalias. Sucede ainda, com relativa frequência e sem que razões ponderosas o justifiquem, que, em actividades idênticas e até adentro das mesmas empresas, prestam serviço profissionais cujos regimes de trabalho acusam flagrantes contrastes. Tais disparidades poderão, porventura, admitir-se, mas dentro de certos limites e. se forem consequência de condicionalismos especiais, decorrentes da natureza da profissão, das possibilidades económicas das empresas ou dos ramos de actividade, ou ainda de acto gracioso das entidades patronais.
De resto, a revisão da Lei n.º 1952 não poderia, de forma alguma, pretender a uniformização das condições contratuais de trabalho. Para além do conteúdo legal, importa aceitar as determinações concretas da vontade das partes e reservar-lhe uma margem bastante larga em que livremente possa manifestar-se e desenvolver-se.
5. O direito do trabalho está em franca elaboração. Mais do que qualquer outro não pode ser reduzido a fórmulas que se suponham definitivas. E é de assinalar que as normas da Lei n.º 1952 em muito concorreram para que os direitos e garantias nela previstos sofressem profundas transformações através de uma evolução operada nos últimos 23 anos no mundo das relações do trabalho, a qual, sem os quadros jurídicos daquele documento e o impulso social que dele resultou, teria sido inviável.
De qualquer maneira, o direito do trabalho não está ainda numa fase em que o legislador possa defini-lo com a mesma pretensão de estabilidade de que é susceptível, por exemplo, a reforma de um código civil. Mesmo que a lei se situe na linha do justo equilíbrio entre os interesses em causa, as realidades, tais como surgem na actividade, na empresa ou na profissão, hão-de encarregar-se sempre de ir além dos esquemas prescritos. Esta feição tão peculiar do direito do trabalho e, sobretudo, a sua origem de sentido marcadamente corporativo - já que emerge ou deve emergir tanto quanto possível do encontro da vontade dos que fornecem e dos que aceitam o trabalho, ou das instituições que os representam - não podem ser ignoradas e, antes, têm de ser respeitadas pela lei. A regulamentação legal, generalizada e exaustiva, mesmo que possível, das condições de trabalho seria, pois, indesejável.
Mas há um mínimo de condições ou de garantias nas relações entre patrões e trabalhadores que é forçoso fixar, com carácter geral e abstracto, independentemente da vontade de uns e outros, na medida em que sejam essenciais para a realização da justiça e para a coordenação da política de protecção ao trabalho.
Não será ocioso chamar ainda a atenção para a tendência, que por vezes se nota, de serem tidas como limitação máxima as prerrogativas mínimas previstas na legislação do trabalho. Não faltará quem se disponha a dar só o que a lei obriga, como se, por vezes, a justiça não reclamasse mais. Tal circunstância, quando aliada à transformação do condicionalismo social e económico considerado na elaboração da lei, também impõe que esta seja revista para se não tornar prejudicial ou inútil.
6. De 1937 - data da promulgação da Lei n.º 1952 - até hoje fortaleceu-se a opinião de que se-