222 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31
lugar a que nenhum ramo da medicina se encontre em semelhante ebulição, de maneira que as doutrinas surgem, vivem e envelhecem em curto prazo.
Bem faz o Governo em querer acompanhar esse movimento progressivo, apresentando este projecto de proposta de lei. Sendo o primeiro diploma da nossa legislação que regula no seu conjunto a assistência aos alienados de 1889 (Lei Sena), o segundo de 1911 (Lei de Júlio de Matos) e o terceiro já de 1945 (Lei n.º 2006), tornava-se, na verdade, necessário seguir essa marcha acelerada das doutrinas sobre a saúde mental e actualizar a solução do nosso problema, de maneira a corresponder assim ao interesse que as gerações passadas sempre manifestaram pela defesa dos loucos.
Por outro lado, o conhecimento das estatísticas, a observação dos factos, a contemplação do que vai pelos outros países, o raciocínio sobre os acontecimentos que sobressaltam o globo dão-nos a certeza e a justificação do número, sempre assustadoramente crescente, de perturbados mentais e do aparecimento, igualmente crescente, de novas causas que alteiam o equilíbrio mental das gentes, por isso, prevê-se a impossibilidade de se conseguir o tratamento dos doentes por falta de instalações e de pessoal segundo as directrizes habitualmente usadas. Há, pois, que pensar em evitar a doença para não ter de a remediar ... Com o programa que o projecto enuncia procura-se organizar e pôr em marcha uma campanha de profilaxia psiquiátrica, preparar um equipamento que permita um maior rendimento, aproveitando instalações já em trabalho, organizando outras mais económicas, anexando algumas a serviços de saúde já instalados ou coordenando ainda a sua acção de maneira mais lógica e fomentando o tratamento dos doentes, sempre que possível, em consultas, em regime ambulatório, em regime domiciliário e em regime familiar. Não dissemos em regime asilar, porque entendemos que a palavra asilo deve desaparecer da nomenclatura dos estabelecimentos de assistência psiquiátrica, como já havia desaparecido o termo manicómio.
Asilos, hospícios, pressupõem a morte em vida, inactividade, quietação, quando é certo que hoje, em qualquer período de vida, mesmo para aqueles doentes crónicos, que outrora se atiravam para o esquecimento em estabelecimentos pouco cuidados, há indicações formais de os chamar à actividade, conseguindo-se muitas vezes, se não uma reabilitação suficiente, pelo menos condições humanas que lhes amenizem a vida.
Em sua substituição entende a Câmara que deve haver «centros de recuperação», ou, melhor, «centros de recuperação pelo trabalho»; sob esta rubrica englobam-se os antigos asilos centrais e regionais, as colónias agrícolas, os centros para anormais perigosos e associais, asilos para crianças ou adolescentes anormais e ainda as colónias e casas de recuperação para alcoólicos toxicómanos etc.
Com a recuperação pretende-se, à custa da medicina física de serviços psicossociais e de orientarão profissional, que o indivíduo se baste, se sustente e se respeite a si mesmo.
Quer dizer pretende-se restituir a um indivíduo incapacitado a sua utilidade óptima sob o ponto de vista físico, mental, social, profissional e económico.
Nos centros de recuperação trabalham, além do psiquiatra, do sociólogo e do antropólogo, do internista, do enfermeiro, dos fisioterapeutas ocupacionais e recreacionais, trabalhadoras sociais, psicólogos e mestres de oficinas. Por muito dispendiosa que pareça esta tarefa é fácil verificar que custa menos recuperar uma pessoa do que ficar toda a vida a assistir a um invalido, razão esta que leva a Câmara a considerar urgente a organização de estudos superiores, se possível integrados na Universidade portuguesa (1) e onde seja instruído e preparado todo o pessoal tão necessário, visto ser grande o número de crónicos incapacitados que têm vivido em albergues e que urge procurar recuperar.
Cada vez se considera de mais alto valor a terapêutica ocupacional e recreativa, a ponto de se dizer, em psiquiatria que, antes de se prescrever uma droga ou uma dieta, há que estudar e enfermo por forma integral, averiguar das suas necessidades de diversão e de ocupação e saber escolher as que mais convêm, pois entre os extremos de comportamento de uma pessoa solitária, silenciosa, deprimida, hipoactiva e um eufórico e hiperactivo há muitos graus de introversão e extroversão, depressão e exaltação, de reserva, timidez, agressividade, arrogância, etc., que costumam modificar-se profunda e rapidamente por actividades ocupacionais e recreativas.
É, pois, a enfermeira bem preparada que desempenha o papel predominante na recuperação do paciente, levando-o a reter ou recuperar a sua independência para comer, descomer, dormir, mover-se, vestir-se, comunicar e restabelecer relações humanas satisfatórias, isto é, executar as actividades comuns da vida diária.
9. Promover a saúde mental representa, no momento presente, um dever urgente e imperioso, pois, independentemente do valor intrínseco do problema, há que considerar a sua acuidade, visto as perturbações mentais entre nós, como em toda a parte, evoluírem em ritmo aceleradamente progressivo.
Em todos os países se vive sob a pressão, para não dizer a mais impressionante preocupação, do valor das alterações da razão que os povos vão apresentando através das diferentes classes, alterações desencadeadas por vários factores, alguns por enquanto inamovíveis e outros removíveis com grandes dificuldades e a largo prazo.
Há, pois, necessidade inadiável de prestar assistência aos grandes e pequenos alienados e bem assim proceder a defesa da sociedade no sentido de se obter uma profilaxia eficiente, uma terapêutica activa da loucura e uma reabilitarão tanto quanto possível perfeita das suas vitimas.
Correspondendo a estas três modalidades da actuação, há que organizar, na verdade, um arsenal numeroso e bem equipado, constituído por dispensários e serviço social; hospitais psiquiátricos para tratamento de casos agudos; centros de recuperação para os doentes de doença prolongada em regime de ergoterapia (colónias agrícolas, fábricas, oficinas, colocação familiar, etc. ), centros de educação e assistência para crianças anormais, centros de observação, hospitais de dia, hospitais de noite nos grandes meios, como instituições complementares de estudo e assistência.
Vive-se num mundo de angústia. A angústia dos homens já não é hoje uma modificação superficial e passageira dos seus sentimentos pessoais, afecta gravemente o equilíbrio individual, como transforma as suas reacções de conjunto, é, pois, uma fonte permanente de sofrimento.
(1) Assim à Universidade portuguesa fosse concedida a autonomia suficiente para, de moto próprio, responder às solicitações sociais criando os cursos e centros de investigação cada vez mais necessário.