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236 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31

das diligências probatórias necessárias para apurar a verdadeira situação (substituídas por uma presunção - verdade formal - resultante do internamento e durando o que este dura), a nomeação ipso jure como uma medida normal, destinada a estabelecer o regime da gestão dos interesses do internado, enquanto o for. Podem diminuir-se as formalidades da interdição, aumentar-se a celeridade à custa da ponderação, mas só para estabelecer um sistema provisório de gerência dos interesses do demente em face da urgência em o fazer, do periculum in mora. Não se pode assentar numa summaria cognitio, num procedimento célere e por isso pouco seguro, uma deslocação para outrem do poder de gerir o próprio património, deslocação essa a título definitivo, ou pelo menos por tempo indeterminado, sem a justificação da urgência e a garantia de que a situação será apreciada mais detidamente. Crê a Câmara que tal possibilidade representaria uma violação grave das garantias da pessoa, sujeita a ver-se privada da gestão do seu património, com todos os perigos e prejuízos materiais que tal acarreta, sem um exame atento e profundo das circunstâncias, feito ou a fazer no mais curto possível espaço de tempo.

A imposição da curatela ipso jure, sem a intervenção judicial, sem um exame do caso concreto (que só em tribunal se concebe) (1), traz necessàriamente casos de injustiça, ainda mesmo que se excluam (como é devido) os casos em que o internado se mostre apto a continuar a gerir o seu património (que ele melhor quo ninguém conhece e poderá manejar) (2), os casos em que, sendo o internado casado, a mulher assegure a gestão dos seus interesses e os casos em que o internado constitua representante voluntário (como pode fazer enquanto não for interdito, assim como destituí-lo).
Por outro lado, sujeito o internado a um regime de curatela in abstracto, há o problema da determinação do curador in concreto.
Essa determinação pode ser feita também ipso jure - por exemplo o director do estabelecimento onde alguém fosse internado seria ipso jure seu curador. Esta solução é referida só como exemplo, para esclarecimento do sistema que se analisa, porque as suas desvantagens são patentes não parece conveniente sobrecarregar uma pessoa que é - normalmente pelo menos - técnico em psiquiatria, com funções de administração patrimonial, que não terá interesse, tempo, ou competência especial para desempenhar.
O sistema da lei francesa em Portugal não seria possível sem uma profunda reforma da orgânica dos nossos hospitais de psiquiatria, cuja direcção clínica e administração estão confiadas a órgãos singulares (um director clínico e um administrador, por vezes com um adjunto).
Foi propositadamente guardada para último lugar a apreciação do sistema da lei civil quanto à interdição por demência, sistema que consta do artigo 320.º do Código Civil. Aplicando-o à matéria em causa, poderia estatuir-se que internado o doente num estabelecimento de saúde mental, automaticamente ficaria investido nas funções do seu curador de bens o cônjuge (1), na falta, o pai; na falta de ambos, a mãe, e assim por diante, pela ordem do artigo 320.º do Código Civil Simplesmente, a determinação no caso concreto da pessoa que fica investida na curatela, a comunicação a essa pessoa das suas funções, a solução das múltiplas questões que neste domínio se podem levantar, como escusas, remoções, reunião do conselho de família, etc. . , tudo são factores que aconselham a intervenção do tribunal e apoiam o sistema da jurisdicionalização.
Acresce que, nas hipóteses em que «a evolução da doença nem já terá duração suficiente para permitir recorrer à interdição do doente» (relatório, n.º 9), nesse tempo diminuto pode uma pessoa que pretenda desempenhar-se das suas funções conscienciosamente não ter tempo para se habilitar a bem gerir um património que desconhecia. Uma doença mental fulminante e rápida do seu titular representará sempre, na gestão do património, um mal inevitável - não há sistema que possa evitar neste caso que sobrevenham prejuízos. E há sempre ainda que recear o perigo da desonestidade de qualquer substituto do titular do património para a sua gerência e administração.

24. Estudado o problema em abstracto aprecie-se agora a solução que lhe dá o projecto governamental, na sua base XXIV.
Por mais estranho que pareça, parece poder afirmar-se que lhe não dá nenhuma. A base XXIV contém dois números o n.º 2 é uma mera remissão para a lei civil; o n.º 1 ajusta-se sem dificuldade ao sistema vigente, com a única ressalva da substituição da palavra curador pela palavra tutor.
E nem se pense que esta diferença terminológica tem valor relevante. A interpretar a palavra pelo rigor dos princípios, a palavra curador restringira os poderes do representante legal a esfera jurídica patrimonial (tutor datur personae, curator bonis). No entanto, por um lado, isso não se justifica para um doente tempoiàriameute incapaz de reger a sua pessoa; por outro lado, esta diferença não é levada pelo projecto governamental às suas consequências lógicas, dado que se atribuem ao curador poderes no hemisfério pessoal - o de exigir a alta do doente [base XIX, n.º 1, alínea a)], o de tomar conta da sua correspondência (base XX n.º 2). Aliás, se o fundamento do regime proposto no projecto é a conveniência de se nomear uma pessoa com poderes «penas para gerir e administrar o património do doente, deve então notar-se que o § 1.º do artigo 314.º do Código Civil permite, sem sombra de dúvida, uma nomeação de tutor assim restrita.
É pois já válida no direito português a norma segundo a qual poderá ser nomeado curador às pessoas maiores ou emancipadas (deveria aliás dizer-se capazes), hospitalizadas ou não, que por motivo de doença ou anomalia mental, bem e como de toxicomania, se mostrarem temporàriamente (2) incapazes ou estejam

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(1) Que o director do estabelecimento, ou do centro, por exemplo, on do Instituto de Saúde Mental, resolva, se há-de constituir-se curatela ou não, é sistema de repudiar em absoluto. O único órgão que tal pode fazer é o tribunal
(2) E quem julgaria dessa aptidão? Teria de se admitir de novo a intervenção do tribunal.

(1) Salvo nos caso, do artigo 120.º, n.º 1, do Código Civil, aos quais se devem juntar os do artigo 234.º, por forca do artigo 321.º Note-se que, no impedimento do marido, o cônjuge administra os bens do casal; neste ponto, o sistema em vigor não carece de ser alterado.
(3) Fundamento da interdição por demência (artigo 314.º do Código Civil) é o estado de mentecapto, ou qualquer estado anormal de faculdades mentais, seja temporário (só se devendo ressalvar o que seja de considerar acidental - artigo 353.º do Código Civil) ou permanente, provenha ou não de toxicomania ou alcoolismo