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12 DE DEZEMBRO DE 1962 239

que se recorra ao processo de interdição, assim o comunicará ao Ministério Público, bem como ao cônjuge, se o houver, e aos parentes sucessíveis do desassisado (cf artigo 315.º do Código Civil) cuja identidade possa descobrir. Parece à Câmara que nisto se deve cifrar a função de promoção do processo interditório confiada ao curador. Não lhe deve ser licito propor ele tal processo, já que este é predominantemente de natureza pessoal, ao passo que as funções atribuídas ao curador são de natureza exclusivamente patrimonial.
Por último, caberá ao curador uma função de protecção do doente mental. Nesta ordem de ideias, sempre que venha ao conhecimento do curador que certa pessoa tira ou pretende vir a tirar vantagens da situação mental do doente, deverá, além de comunicar o facto ao Ministério Público, se foi caso disso comunicar oficialmente à pessoa em causa o estado mental do doente. Com isso preencher-se-á uma condição de que o artigo 335.º do Código Civil faz depender a possibilidade de anulação futura de actos e contratos celebrados por demente não interdito - ser o estado de demência conhecido da outra parte. Se o recipiente da comunicação persistir em praticar o acto e se dele resultar grave prejuízo patrimonial para o demente, atribui-se ao curador legitimidade para, em nome do doente, propor a acção de anulação.
Por último, a função de esclarecimento e concelho traduz-se (como a designação indica) no poder-dever de esclarecer e aconselhar todos aqueles a quem certo caso de doença mental levanta problemas de carácter jurídico patrimonial ou pessoal (e esperamos mesmo que problemas de carácter moral se aqueles que forem investidos nestes cargos de curador cuja criação a Câmara ora propõe entenderem a sua função como verdadeiramente um múnus público).
Restringe-se porém a legitimidade para pedir esclarecimento ou concelho àqueles que não possam recorrer a outro consultor as pessoas cujos meios habilitem a recorrer a um advogado, ou aqueles que se possam dirigir a um consultor jurídico qualquer não parece justo que tomem o tempo do curador como os desamparados e pobres para quem ele se pretende seja o conselheiro natural.
Assim se pretende que este órgão se integre por conseguinte na rede de para-assistência (ou peri-assistência) social que deve acompanhar e rodear. Toda a assistência psico ou somático-sanitária.
Convém ainda registar que o curador pode, se o considerar conveniente, delegar as suas funções num parente próximo do doente mental desde que este se apresente como idóneo, poderia então exigir-lhe a prestação de caução (ou dispensá-la, a seu critério) e em qualquer dos casos esta delegação será sempre revogável.
Em regulamento se disciplinarão os aspectos menos importantes, aí se estabelecerão os quadros do órgão ora citado permitindo-se designadamente ao curador ter delegados sob as suas ordens nos estabelecimentos mais importantes. Por isso na base XII n.º 1, proposta pela Câmara se fala das funções de curadoria e não do curador.
Esta é a posição que a Câmara entende dever tomar quanto ao segundo dos problemas jurídicos fundamentais eliminados, o da gestão do património dos doentes mentais não feridos de incapacidade jurídica.

29. Passamos assim ao terceiro e último dos referidos problemas, que pelo seu carácter fundamental serão tratados na apreciação na generalidade - o da protecção da liberdade individual em face da possibilidade de aplicação, contra vontade do paciente, de medidas de tratamento psiquiátrico.

30. A protecção da liberdade das pessoas contra a aplicação irregular de medidas de assistência psiquiátrica consagra o projecto uma série de disposições que pretendem, segundo diz o relatório (n.º S), «reforçar o regime de defesa dos direitos individuais, particularmente delicada no caso dos internados em regime fechado».
Estas disposições são bastante particularizadas e incidem sobre diversos pontos. Regulam antes de mais com certo pormenor as formalidades de admissão, exigindo a sua justificação. E consagram o direito, para qualquer pessoa ou entidade de requerer que o tribunal do comarca conheça da legalidade da admissão em regime fechado, o direito para o tribunal, de ordenar a alta de hospitalizados (podendo fazê-lo sobre recurso interposto da recusa do director do estabelecimento onde a pessoa em causa está internada), o direito para o hospitalizado de manter contacto com o exterior e o dever, para o procurador da República, de zelar pela salvaguarda da liberdade individual nos casos de hospitalização.
Os pontos em que este regime se afasta do actualmente vigente (contido na Lei n.º 2006, de 11 de Abril de 1945, e no Decreto-Lei n.º 34 502, de 18 de Abril do mesmo ano) são, de resto - com uma única excepção, discutível e criticável - de pormenor. Assim, no referente à legitimidade para requerer que o tribunal conheça da legalidade de certa hospitalização, pela lei vigente essa legitimidade só cabe a quem justifique interesse (base XVII, n.º 8, da Lei n.º 2006), hoje cabe a quem quer que seja, regulou-se também de maneira diferente o direito de contacto e introduziram-se outras alterações puramente de forma (1).
A diferença mais importante está na supressão, no projecto, da base XIX da Lei n.º 2006, segundo a qual «o internamento nos asilos para anormais perigosos ou anti-sociais carece de confirmação judicial», dada através do processo a que se refere o artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 34 502. Embora a expressão da referida base possa, dar lugar a dúvidas, o Prof. Cavaleiro de Ferreira faz equivaler o internamento nela previsto ao internamento em regime fechado, definido no artigo 52.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 34 502 (2), e essa interpretação parece demonstrar-se pela comparação entre ou artigos 12.º e 16,º do referido decreto-lei.

31. A tutela da liberdade pessoal contra a aplicação ilícita de medidas psicossanitárias pode confiar-se fundamentalmente a duas ordens ou categorias de órgãos, os órgãos judiciais, os órgãos administrativos de saúde mental. A estruturação da intervenção de uns e outros neste problema exige uma delicada ponderação de vantagens e inconvenientes.

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(1) Assim, pela base XX, n.º 2, da Lei n.º 2006, o Procurador da República «poderá promover quaisquer diligências necessárias para salvaguarda da liberdade individual», pela base XXIII do projecto, a ele «incumbe zelar pela salvaguarda da liberdade individual». A diferença e só de forma trata-se juridicamente de um poder dever.
(2) Curso de Processo Penal, II, p 462. A base XIX da Lei n.º 2006 foi substituída pela base XXI do projecto. Aparentemente semelhantes, as disposições são profundamente diferentes, e a segunda parece inteiramente de suprimir, como se dirá quando do seu exame na especialidade