842 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 82
resultar claro o grau de responsabilidade de cada entidade na execução do Plano.
Na análise de cada capítulo de especialidade haverá que ter presente este formulário, por ele avaliando a qualidade do projecto apresentado à Câmara. Por agora, apenas se poderá dizer que se depara, na parte II do projecto, relativa às projecções, com um certo número de anotações que levam a compreender ter-se realizado, pelo menos um pouco, a tarefa de revisão das projecções globais e sectoriais à luz das informações vindas dos sectores. Não se vislumbra outra origem para a profunda alteração dos números tendenciais relativos às indústrias extractivas, por exemplo.
Porém, quanto à análise e selecção de projectos, aparece no texto do Governo alguma coisa que à Câmara não se afigura absolutamente clara e que merece ser examinada com atenção.
27. A dúvida surge diante do quadro relativo aos investimentos prioritários - somando 34,4 milhões de contos na metrópole - e que se pensa corresponderem apenas à categoria da «primeira prioridade», definida alguns parágrafos antes desse mesmo quadro.
Desde os primeiros planos portugueses que se fala acerca de «critérios de prioridade», assim como de empreendimentos «do plano» contrapostos aos empreendimentos «fora do plano»; e também se afirma inalteràvelmente - agora uma vez mais - a destrinça entre a feição «indicativa» de uma parte do Plano, ao invés do resto, que será de execução «imperativa». Haverá algum nexo entre estas questões, e, a existir, terão as distinções propostas razão de ser? (1).
Quando os países ocidentais começaram a seguir a via do planeamento - aberta em 1928 pela Rússia soviética-, constituiu preocupação ideológica, ao mesmo tempo que correspondia a uma situação efectiva, a oposição do indicativo e do imperativo. Perante sociedades democráticas não se afigurava possível a introdução de uma forma de política económica até então identificada com a organização totalitária de leste; e a solução esteve, precisamente, em apelidar esta última de imperativa, ao passo que o Ocidente ensaiaria tipos de planeamento, sim, mas indicativos. Evidentemente, não poderia ser total a ausência de imposição em tais planos; mas reservou-se essa característica para os projectos do sector público, uma vez que não se levantava, por aí, qualquer contradição relativamente à lógica de mercado e à ideologia da livre empresa, ao mesmo tempo que essa condição de compromisso estadual se coadunava com exigências da lei e da prática em matéria de finanças públicas.
Fizeram-se as primeiras experiências de planeamento; e ao êxito dos planos - recorda-se, por nos afectar mais directamente, o impulso sobre a economia nacional que significou o I Plano de Fomento - andou associada a verificação de que, efectivamente, não deveriam ser imperativos apenas os empreendimentos públicos, porque alguns projectos do sector privado ou de economia «mista» eram verdadeiramente fulcrais para garantir progresso acelerado e harmonioso. Nasceu, assim, a segunda distinção, entre os empreendimentos do Plano - e esses seriam imperativos - ao lado dos empreendimentos além ou fora do Plano, meramente indicativos.
Dão-se, entretanto, progressos na natureza do planeamento e nas suas técnicas; e diante de um plano que se apresenta composto por um sistema de projecções globais e sectoriais, discriminando-se ainda um certo número de projectos, tanto do sector público como do sector privado, cabe perguntar: ainda são válidas as distinções tradicionais, ou devem ser corrigidas, como se fez em parte no projecto, ao falar nos empreendimentos de primeira prioridade?
28. O debate da questão leva a concluir o seguinte:
a) As projecções são parto integrante do Plano, e não mero estudo técnico orientador para a preparação e execução do mesmo; o compromisso da autoridade económica estende-se exactamente a questões como o ritmo de crescimento do produto, que só ganham sentido como elemento da programação;
b) Há razões para destacar, na elaboração, apresentação e processo de contrôle de execução do Plano, um certo número de empreendimentos: grandeza no quadro da economia nacional, número elevado de relações de interdependência de que sejam o centro (e tanto na fase de funcionamento como na fase de execução), premência das utilizações a que se dirijam, relação directa e importante com algum dos objectivos propostos ao Plano;
c) Estes projectos, expressamente discriminados no Plano, tanto serão do sector público como do sector privado; mas nem esgotam o Plano, nem são necessariamente prioritários, nem podem conduzir a qualquer classificação de imperativos - perguntar-se-ia, em muitos casos, porquê?
Resolvido parcialmente o problema - pois já se sabe, agora, que a antiga distinção entre projectos ou empreendimentos do plano e além do plano fica reduzida à citação expressa de alguns deles dentro de uma programação integral - resta analisar que valor conservam os adjectivos indicativo e imperativo quando aplicados a quinhões de um plano de fomento, assim como se impõe uma palavra acerca de critérios da selecção de empreendimentos.
E, muito em concreto, que pensa a Câmara das características que poderá assumir o novo plano nacional em termos de compromisso por parte do Estado?
29. Seja qual for a natureza e amplitude do plano, haverá sempre uma parte do trabalho feito que é de índole técnica e outra parte que assume ressonância política. Levantar, pois, a dúvida de poder o Estado (e fosse através da Assembleia, ou seja por decisão do Governo) assumir compromissos em relação a um sistema de projecções macroeconómicas, por se prestarem a erros de ordem técnica, equivale a pôr em causa a possibilidade de todo e qualquer compromisso de política económica - desde que tenha, ao menos, um resquício de fundamento científico; só o empirismo puro, se acaso existe, se apresenta isento de risco técnico ... A conclusão vale, evidentemente, para a aprovação de um orçamento do Estado, por exemplo. Parece, pois, que a dificuldade se resume, afinal, em esclarecer o alcance do compromisso a assumir, o que é o mesmo que tentar definir com clareza em que diferem o imperativo e o indicativo nos planos e na política económica.
Aprovado um programa, executam-se os empreendimentos que apareceram destacados no plano, mais outros empreendimentos também públicos ou privados; e nuns casos por intervenção directa do Estado, noutros casos adoptando este as apropriadas medidas de política, em especial a definição de enquadramentos e a concessão de incentivos (políticas indirectas). Se tudo acontecer de acordo com as previsões, não importam as distinções teóricas; mas quando surgem razões de desvio em relação ao plano é que pode averiguar-se efectivamente qual é o grau de compromisso que ele envolve. Ora a verdade é que essas razões de desvio
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(1) Sobre este ponto e as explanações a que deu lugar quando da apreciação do II Plano de Fomento, convém ver Câmara Corporativa, Paraceres, VII Legislatura, 1958, pp. III, 368 e 657.