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618 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 67

n.ºs 2009, 2048 e 2100, a que vem de se aludir, pretende ver também consagrado na Constituição, ao lado de uma multiplicidade de alterações de alcance menor, fruto predominante de uma preocupação de perfeição técnica, de um propósito de outorgar competências flexíveis ao legislador ordinário, de coerência sistemática ou de simples actualização, um certo número de modificações mais ou menos significativas, tanto no plano dos valores e opções políticas fundamentais como igualmente no da ordenação da vida estadual.
Pode mesmo dizer-se, com verdade, que, dentre todas as propostas de revisão constitucional até hoje submetidas à consideração da Assembleia Nacional, ó a presente a que pretende consagrar maior número de inovações de tomo.
Entre estas, destacam-se as que dizem respeito aos direitos, liberdades e garantias individuais, ao estatuto dos brasileiros em Portugal, à competência reservada da Assembleia Nacional, com destaque para o facto de se fazer constituir reserva praticamente absoluta da lei a criação dos impostos, ao chamado "direito de necessidade do Estado", à defesa da Constituição e, por último, à situação constitucional das províncias ultramarinas.
Trata-se de inovações, certamente - mas não de algo que, de alguma maneira e sob qualquer aspecto, constitua uma destruição da Constituição plebiscitada em 1933 e uma solicitação ou apelo a que a Assembleia Nacional, na presente oportunidade, subverta as bases constitucionais do Estado Português ou altere o seu regime; trata-se de algo cuja aprovação deixará intacta a lei fundamental, no que ela tem de mais característico e identificante.

2. Em matéria de direitos, liberdades e garantias individuais, sempre se imputou à Constituição o pensamento de que elas seriam tantas e tão amplas quanto o permitissem as exigências do interesse social, as imposições do bem comum. Longe declaradamente estiveram sempre das intenções do legislador constituinte preocupações ou objectivos transpersonalistas, a fazer da pessoa humana um simples elo ou engrenagem de um ente transindividual, em que ela se apagasse e dissolvesse, com total disponibilidade ao serviço da Nação, do Estado, de um partido ou de qualquer outra realidade totalizante e integradora.

3. Tanto quanto as contingências da política interna brasileira o permitiram, ao longo do período de vigência da presente Constituição, no nosso país fez-se sempre o possível pela instituição e consagração de uma efectiva "comunidade luso-brasileira", correspondente às aspirações mais profundas e mais autênticas dos povos irmãos do Brasil e de Portugal. Alguns passos foram dados em direcção à meta desejada da associação ou comunidade das duas nações. E chegada a oportunidade de outros passos mais firmes e mais ousados serena tentados - e não será o menor, nem o menos significativo, aquele que, por nossa parte, ora pretendemos dar: nada mais, nada menos, do traduzido na equiparação de direitos privados e de direitos políticos entre portugueses e brasileiros, em cada um dos dois países: velha; e cara ideia que, em muito boa hora, se pretende introduzir na lei fundamental portuguesa, depois de o ter sido já na Constituição do Brasil.
Tem-se consciência da importância histórica da decisão agora tomada pelos dois países e essa importância não pode a Câmara Corporativa deixar de sublinhar.

4. Desde que, primeiro as realidades, a constituição efectiva, e, depois, o próprio texto da Constituição formal conferiram ao Executivo em Portugal uma competência legislativa paralela à da Assembleia Nacional, sentiu-se a necessidade de demarcar um sector de matérias em que não valesse o princípio da competência concorrente dos dois órgãos da soberania, o qual ficaria reservado à Assembleia Nacional para por ela ser versado sob a forme, de leis formais. A ideia, concretizada há vinte anos, cor respondeu à comum compreensão de que há assuntos que pela sua transcendência social ou política, pelas repercussões que na esfera dos direitos individuais têm as providências normativas que os disciplinam, pela necessidade de obter uma adesão e um assentimento particulares dos cidadãos para a normação a instituir, e por outras circunstâncias ainda, hão-de, por princípio, ser legislativamente tratados e discutidos e constituir objecto de resolução pelo órgão legiferante mais representativo. Em regra, este não irá preocupar-se com pormenores de regulamentação, deixará essa "legislação" secundária para o Executivo - mas deverá ser ele, exclusivamente, a ocupar-se das directrizes normativas fundamentais, do essencial dos regimes jurídicos adequados a esses assuntos.
São a experiência e as variações da sensibilidade política que vão ditando, com o decorrer dos anos, ao legislador de revisão, o quadro, que em princípio se irá alargando, de matérias fechadas ao processo da chamada "legislação burocrática", que ó o processo da legislação por decretos-leis.
A Constituição não contém nenhuma objecção de princípio, expressa ou implícita, a que o legislador de revisão proceda ao alargamento da "reserva da lei". Neste domínio, um limite estará designadamente nas expectativas de eficiência de um sistema que obriga o parlamento a desempenhar-se de tarefas cada vez mais amplas. Trata-se de um problema, digamos, técnico, de um problema "de organização".

5. Quanto ao Staatsnotrecht, é notório que, se por alguma coisa a vigente Constituição se individualiza, não é seguramente por ter sido preocupação do legislador constituinte de 1933 instituir embaraços ao Estado na defesa dos valores constitucionais contra a desordem e a subversão. Simplesmente, estas, nos dias que vão correndo, assumem novas e mais subtis formas e contra elas não é fácil lutar com instrumentos pensados, desde o século XIX, para uma época e para uma sociedade em que a desordem e a subversão eram excepcionais e só se manifestavam! (no plano interno) sob as formas catastróficas e macroscópicas da guerra civil e da revolta armada. As realidades desta nossa época são bem outras, a patologia social conhece outras síndromes subversivas muito mais variadas, insidiosas e quase constantes - e por toda a parte se torna necessário habilitar o Estado e a sociedade a defenderem-se e à própria Constituição com outros remédios menos drásticos do que os que foram imaginados ou inventados no passado, exclusivamente para aquelas hipóteses de maior gravidade.

6. A Constituição instituiu, logo de início, todo um sistema de defesa dos princípios, formas e competências por ela perfilhados ou estabelecidos, que nada devia, em perfeição técnica e em ousadia teórica, à generalidade das constituições europeias, em geral inspiradas no princípio do primado do Legislativo (primeiro (representante da Nação, depositário, portanto, de toda a soberania, a qual se considera transposta da Nação para ele) e no ideia de que a garantia das leis contitucionais residia fundamentalmente na própria autolimitação da assembleia ou das assembleias parlamentares.