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622 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 67

certo processo, clássico ou simplificado, contanto que sejam publicados na colectânea oficial da legislação interna (sistema da integração automática).
O primeiro sistema (sistema da recepção especial) destinou-se a assegurar a participação do "poder legislativo" na criação de leis materiais editadas sob a forma de tratados. Dispondo, geralmente numa lei com um único artigo, que certo tratado sobre matéria legislativa pode ser ratificado ou se execute, o parlamento expressa a sua vontade de dar às normas do tratado "força de lei". Assim se salvaguardaria todo o alcance do princípio da separação dos poderes.
O segundo sistema (sistema da integração automática), porém, não prejudica o interesse público que possa haver em que o poder legislativo intervenha substancialmente a dar o seu acordo às normas dos tratados que tenham natureza de leis materiais. Num sistema constitucional com separação dos poderes, a ratificação dos tratados deste género segue-se à aprovação deles pelo parlamento, e, portanto, este tem sempre ocasião de se pronunciar sobre a conveniência da incorporação das suas normas no direito nacional, incorporação que ele pode vetar, justamente na medida em que lhe ó possível não aprovar esses tratados para ratificação.
Num sistema constitucional como o nosso, o processo de recepção específica não teria, por outro lado, justificação em relação aos tratados que fossem objecto de aprovação do Governo e não da Assembleia Nacional, visto não existir entre estes dois órgãos, no que respeita à generalidade da função legislativa, uma autêntica separação. Parece, pois, que a ratificação deles, em seguida a tal aprovação, deve bastar como expressão da vontade do Estado de incorporar no direito interno o seu conteúdo.
Num e noutro caso (isto é, haja o tratado sido aprovado pela Assembleia Nacional ou haja sido aprovado pelo Governo), será sempre necessário, para que ele se torne obrigatório na ordem jurídica interna, que o acto da ratificação seja, como se disse, seguido pela verificação de uma condição suspensiva, que é a publicação do tratado na colectânea oficial da legislação. Sem isso, no nosso direito, o tratado não se poderá aplicar no âmbito do direito interno.
Questão diversa da anterior é a de saber se, uma vez entrado automaticamente a fazer parte da ordem jurídica interna, em consequência da perfeição das condições para que ele obrigue internacionalmente, acrescentadas da publicação, um tratado se torna logo aplicável pelos tribunais e demais órgãos estaduais internos.
É que os tratados estão por vezes nas condições de certas leis internas: contêm apenas bases gerais, carecidas da indispensável ou conveniente pormenorizaçao dos regimes jurídicos que estabelecem. Tal como sucede com essas leis, não são self executing e precisam, para serem aplicáveis aos seus destinatários, de outras normas complementares, digamos: de uma segunda legislação - essa, por sua vez, exclusivamente, a domestic legislation: Impõe-se sempre a interpretação dos tratados automaticamente recebidos em ordem a concluir se, sim ou não, as Partes contratantes quiseram que esses tratados fossem logo, directamente e sem uma segunda "legislação", aplicáveis na ordem interna, pelos tribunais e outros destinatários.
Quanto à posição assumida neste capítulo pelo nosso actual direito, deve assinalar-se que não é fácil aceitar que ele consagra o sistema da transformação implícita, particularmente porque, como lembra o Prof. André Gonçalves Pereira, a aprovação parlamentar não reveste a forma de lei: reveste a de resolução (Constituição, artigo 91.°, n.° 7.°); e a aprovação por parte do Governo não tem, constitucionalmente, de revestir a forma de decreto-lei (Constituição, artigo 109.°, n.° 2.°) 2. E parece, por outro lado, que não é rigorosamente viável extrair de quaisquer passos do texto constitucional em vigor a conclusão de que nele se haja tomado posição ao menos deliberada ou consciente, entre o sistema & transformação explicita e o sistema da recepção automática, plena ou parcial. Na prática constitucional e na jurisprudência tem havido diferentes interpretações enquanto, por sua vez, a doutrina portuguesa se encontra também dividida a este respeito 3.
Parece, pois, ser a actual uma boa oportunidade paia como vem sendo requerido, se acabar de vez com dúvidas a este propósito.
No texto proposto pelo Governo, consagra-se o sistema da transformação implícita, na medida em que dele se depreende que o direito internacional pactício vigorará na ordem interna após resolução de aprovação dos tratados pela Assembleia Nacional ou pelo Governo, e a devida publicação do seu articulado.
Não repugnaria a consagração deste sistema se com ele se cobrissem todas as hipóteses que se nos apresentam. O certo, porém, é que assim não sucede, uma vez que há acordos em forma simplificada que, nos termos da constituição efectiva ou viva, não carecem de aprovação da Assembleia Nacional nem do Governo, entrando em vigor na ordem internacional logo após a assinatura.
Parece, portanto, preferível, que mais não seja para fugir a esta dificuldade, consagrar-se o sistema da recepção automática, em cujos termos os tratados (em sentido lato) vigoram na ordem interna a partir do momento em que, tendo entrado em vigor na ordem internacional, hajam sido publicados na colectânea ou colectâneas oficiais da legislação interna portuguesa (Diário do Governo e Boletins Oficiais, conforme os casos).
Deixará, assim, de haver dúvidas sobre o alcance de certos preceitos que se referem à aplicabilidade na ordem jurídica interna de preceitos de direito internacional, como seja o artigo 49.°, § 1.°, da Constituição: serão puras traduções singulares do preceito ou cláusula de recepção automática plena, consagrado no novo parágrafo do artigo 4.°
As normas recebidas na ordem jurídica interna portuguesa terão uma eficácia supra legal, mas não supra constitucional. Os preceitos legais incompatíveis com as convenções não serão eficazes (cf. Miguel Galvão Teles, Eficácia dos Tratados na Ordem Interna Portuguesa, 1967, pp. 83 a 111).

17. Em conclusão, o § 1.° do artigo 4.º poderia ter a seguinte redacção:

As normas de direito internacional geral vigoram na ordem interna desde que não haja preceito contrário de direito nacional ou desde que os órgãos o agentes do Estado Português tenham concorrido, com os seus actos ou omissões, para a respectiva formação; por seu turno, as normas constantes de tratados e acordos vinculativos do Estado Português vigoram na mesma ordem interna desde que produzam os seus efeitos na ordem internacional e hajam sido devidamente publicadas em Portugal.

2 V., por último, a este respeito, deste autor, Curso de Direito Internacional Público, 2.ª ed., pp. 103 e segs.
3 Cf. obra e autor citados, pp. 87 e segs., e bibliografia aí mencionada.