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626 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 67

Artigo 5.º, § 2.º

27. A nossa Constituição não se limita a aludir à igualdade perante a lei, ficando por esta fórmula breve. No corpo do artigo 5.°, na redacção em vigor, mencionam-se duas formas de igualdade, na medida em que aí se consagra a eliminação dos obstáculos a que todos os cidadãos ascendam aos benefícios da civilização (igualdade substancial ou material) e se dispõe que todos os elementos estruturais da Nação - a começar, naturalmente, pelos cidadãos - participem no "governo" e na administração. E mo § único, por seu turno, volve-se ao assunto, não só para dar o sentido geral do princípio da igualdade jurídica (a negação de qualquer privilégio), como também para referir uma específica aplicação de tal princípio: a igual admissibilidade ao provimento nos cargos públicos.
Ora o princípio da igualdade jurídica (que aliás se refere tanto a indivíduos com a pessoas jurídicas e mesmo a entidades desprovidas de personalidade jurídica) envolve bastante mais do que essa igualdade no direito de provimento nos cargos públicos.
Em primeiro lugar, é um princípio constitucional que se deve considerar dirigido não apenas ao legislador ordinário, mas também aos juizes e aos órgãos da Administração.
O princípio em causa, pelo que respeita aos juizes, poderia ser constitucionalmente expresso de forma específica, transportando-se para a Constituição a norma do artigo 110.° do Estatuto Judiciário, segundo a qual os juizes estão exclusivamente vinculados à lei. E de uma norma sensivelmente formulada nestes termos (artigo 101.º da Constituição Italiana) que a doutrina em Itália faz derivar a conclusão de que os juizes devem constitucionalmente obediência ao princípio da igualdade. Crê-se, porém, que a simples inclusão na Constituição do princípio da igualdade perante a lei basta para se entender que os juizes estão obrigados pelo cânone da igualdade de tratamento dos cidadãos.
No que respeita à Administração, o princípio não se encontra também especificadamente articulado na Constituição. Crê-se, entretanto, que ele resulta constitucionalmente consagrado, na medida em que seja lícito concluir que a Constituição perfilha o "princípio da legalidade da administração" (Constituição, artigo 109.°, a.° 4.°). Mas não tem seguramente tradução constitucional no que respeita ao exercício dos poderes discricionários da Administração. Em Itália, por exemplo, julgou-se oportuno incluir na Constituição o chamado "princípio da imparcialidade", para traduzir a ideia de que, no âmbito da sua liberdade, a Administração deve decidir em obediência ao cânone da igualdade dos administrados (artigo 97.°).
O nosso legislador constituinte teve em vista, ao dispor sobre a igualdade jurídica, sobretudo, quando não exclusivamente, formular uma directriz endereçada ao legislador. E este, aliás, o sentido tradicional das declarações constitucionais na matéria: desejou-se especialmente que o legislador ordinário tivesse em conta que se encontravam abolidos os antigos privilégios de nascimento e de sexo.
Isto significa que os órgãos constitucionalmente competentes não podem legislar discriminativamente, tendo em mente consagrar ou manter privilégios injustificados à luz da filosofia social consagrada na Constituição. A nota fundamental e sobre todas significativa do preceito do § único do artigo 5.°, em vigor, e do proposto § 2.° deste artigo, é, assim, aquela que se exprime na negação de qualquer privilégio. E esta norma que o legislador deve ter sempre presente; e é nesta norma, por outro lado, que o intérprete deve permanentemente atentar, ao reconstituir o pensamento das leis ordinárias.

28. Pretende-se na proposta que a enumeração dos privilégios negados seja agora diferente da que vinha estabelecida, desde início, na Constituição. No texto em vigor exclui-se qualquer privilégio de nascimento, nobreza título nobiliárquico, sexo ou condição social; no texto proposto enumeram-se, para os arredar, os privilégios de nascimento, raça, sexo ou condição social.
No direito constitucional comparado, a lista dos privilégios que o legislador ordinário não pode respeitar ou, seja como for, admitir ou consagrar, é variável e por via de regra mais extensa. No modo de ver desta Câmara, a enumeração tem sempre de se entender como simplesmente exemplificativa, e não como taxativa. O que o legislador constituinte pretende dizer, na sua, é que não são constitucionalmente lícitas normas legislativas que admitam privilégios, discriminações, diferenciações ou desigualdades em si próprias objectivamente injustificadas e injustificáveis, ante o sistema de valores constitucionalmente consagrados e a comum consciência social. Assim, o facto de aparecer agora expressamente proibida qualquer discriminação racial não importa uma inovação. O artigo 5.° e o seu § único, vigentes, são de entender como negando, já hoje, a legitimidade de qualquer privilégio racial.

29. O legislador constituinte, para ser completo no elenco das expressões do princípio da igualdade jurídica, enquanto vinculativo para o legislador, deveria dispor sucessivamente, sobre a igual sujeição dos cidadãos às leis e à jurisdição do Estado, tanto no domínio das questões civis como no das criminais e das administrativas, sobre a igualdade no gozo dos direitos privados e públicos, sobre a igual admissibilidade ao provimento em cargos públicos, civis e militares, sobre a igual repartição das vantagens ou benefícios, sobre a igual sujeição aos encargos públicos, sobre a igual tutela jurisdicional e sobre a igual sujeição às penas.
Entretanto, a Constituição apenas se refere, de forma positiva, à igualdade do direito ao provimento em cargos públicos e, implicitamente, à igualdade nas vantagens ou benefícios a repartir pelos cidadãos e à igualdade na sujeição aos encargos públicos.
É evidente que em todos, estes domínios são admitidos os desvios ou excepções que a própria Constituição determina ou fixa. Assim, por exemplo, a igualdade do direito ao provimento em cargos públicos ó negada em relação aos parentes até ao 6.° grau dos reis de Portugal (Constituição, artigo 74.°).
Ao lado dos desvios reais ao princípio da igualdade, como aquele de que se acaba de falar, há os desvios aparentes. Com efeito, o princípio da igualdade jurídica não impõe um tratamento absolutamente parificado de todos os cidadãos, uma igualdade de facto entre todos eles. O princípio em causa apenas requer paridade de tratamento quando sejam iguais as condições objectivas e subjectivas. A diversidade das circunstâncias implica uma diversidade de tratamento legislativo - não parecendo, assim, inclusive, vedada, no plano constitucional, a possibilidade de leis individuais ou pessoais e, muito menos, de "leis-providência". Por outro lado, a natureza das coisas justificará que a lei não seja aparentemente igual para todos os cidadãos. A isso se podem opor, com efeito, óbices de ordem natural, biológica e moral, considerada esta segundo os padrões da civilização crista. Ponto é que esses desvios se não possam interpretar como expressão de privilégios ou de encargos ligados às pessoas como tais.

30. Assim, afigura-se a esta Câmara que o § 2.°, para ficar redigido em termos tecnicamente correctos, teria de ser reformado, do princípio ao fim. Em homenagem, po-