630 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 67
Artigo 8.°, n.° 11.°
43. O texto actual do n.° 11.° do artigo 8.° refere-se exclusivamente às penas. Segundo o ordenamento jurídico português vigente, as "penas" não esgotam a categoria das sanções ou reacções criminais; constituem apenas um sector desta categoria, existindo ao seu lado o das genericamente chamadas "medidas de segurança". As razões por que a Constituição se limita a prever a sua existência, no artigo 124.°, apontadas no relatório da proposta de lei, são historicamente compreensíveis. Seria injustificável, porém, que não se aproveitasse o ensejo para, na presente revisão, fixar as regras (relativas às modalidades que podem revestir as medidas de segurança e aos termos da sua aplicação) que mereçam, pelo seu carácter de verdadeiras garantias do cidadão, ser elevadas à categoria dos preceitos integrantes do artigo 8.° da Constituição. Essas garantias, como também exactamente se afirma no referido relatório, são tanto mais imperiosamente requeridas quanto "as medidas de segurança, que podem ser tão gravosas da liberdade individual como as penas, apresentam melindre superior, visto que falta, para justificá-las, a culpabilidade".
Na base destas considerações apresentou o Governo a sua proposta de alteração do referido n.° 11.° do artigo 8."
Perante a redacção proposta para substituir o texto actual, cumpre ponderar o que se segue:
a) As razões que estão na base da exigência de que as medidas de segurança não sejam perpétuas nem assumam carácter tendencialmente perpétuo - sendo por isso materialmente inconstitucionais tanto as de duração ilimitada como (e é o caso da generalidade das previstas no ordenamento jurídico português actual) as estabelecidas por períodos indefinidamente prorrogáveis - estão expostas em síntese, com absoluta exactidão, no relatório da proposta de lei, e só há que concordar com elas. A doutrina portuguesa actual não deixava já, de resto, de acentuar a duvidosa legitimidade constitucional da prorrogação indefinida, mesmo à luz do texto vigente do n.° 11.° do artigo 8.º (v. Eduardo Correia, Direito Criminal, 1, p. 74).
Não deverá, por tudo isto, deixar-se de saudar vivamente uma inovação que, vindo ao encontro das propostas de construção do nosso direito penal do futuro, marca um rumo de indiscutível progresso na maior garantia da liberdade da pessoa humana, frente ao poder sancionador do Estado, e merece, assim, a mais incondicional adesão.
b) Resta o problema de saber se tal garantia deve também estender-se às medidas de que sejam passíveis os inimputáveis, isto é, aqueles que praticaram um facto criminoso típico em virtude de anomalia psíquica que lhes furtou a capacidade para avaliar a ilicitude do facto ou para se determinarem por aquela avaliação.
Uma coisa parece certa: não basta invocar a utilidade ou necessidade da medida que atinge o inimputável e a sua finalidade terapêutica para daí logo se poder concluir pelo carácter ilimitado ou indefinidamente prorrogável daquela; o inimputável é ainda e sempre um homem que, embora na sua forma "modificada" de existir, não pode transformar-se em meio para os outros alcançarem quaisquer fins. Isto significa que tombem às medidas de segurança para inimputáveis tem de presidir uma ideia ética, em espécie a de que a liberdade externa social tem como necessário condicionamento e pressuposto a liberdade interior, ética ou moral.
Mas, desta forma, parece que, mesmo de um estrito ponto de visto ético, se justificará que, relativamente a inimputáveis perigosos (mas só relativamente a eles e já não a imputáveis, mesmo que também uma medida de segurança por eles sofrida tenha fundamento em anomalia psíquica e fim terapêutico), a medida de segurança só cesse quando o tribunal competente verifique que deixou de existir o estado de perigosidade que lhe deu causa. E essa, aliás, a solução prevista no referido projecto de Código Penal, aceite tanto na comissão revisora como na 1.ª revisão ministerial.
44. Conclui-se, assim, pela integral adesão às ideias contidas na proposta do Governo, sugerindo-se - peles razões acabadas de expor - redacção diferente para a parte final do preceito. O texto do n.° 11.° do artigo 8.° poderia, em face do que fica dito, ser o seguinte:
Não haver pena de morte, salvo no caso de beligerância com pais estrangeiro e para ser aplicada no teatro da guerra, nos termos da lei penal militar, nem penas ou medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade pessoal com carácter perpétuo, com duração ilimitada ou estabelecidas por períodos indefinidamente prorrogáveis, ressalvadas as medidas de segurança para inimputáveis.
Artigo 8.°, n.º 21.°
45. A proposta mão vai ao ponto de consagrar ou reconhecer genericamente como direito fundamental o "direito de agir" em tribunal para tutela do próprio direito material. No plano do contencioso civil, esse "direito de agir" está entre nós reconhecido na lei ordinária - no Código de Processo Civil (artigo 2.°) -, mas admite-se aí que a um direito material possa, excepcionalmente, não corresponder uma acção. Verifica-se que o "direito de agir" ó encarado por agora, no plano constitucional, apenas no domínio do contencioso administrativo.
E é neste domínio, realmente, que mais se vem fazendo sentir um preceito do tipo do que é agora proposto pelo Governo.
As nossas leis, por vezes, limitam os vícios ou ilegalidades que são susceptíveis de ser invocados em recurso contra determinados actos administrativos e restringem, assim, correspondentemente, as garantias jurisdicionais dos administrados aos quais esses comportamentos ilegais da Administração especialmente prejudiquem; e, com maior frequência ainda, excluem todo e qualquer recurso contencioso contra decisões ou deliberações definitivas e executórias da Administração, vendo-se os administrados na situação de não poderem reagir contra tais actos, porventura flagrantemente ilegais, pela via jurisdicional.
Esta categoria de actos irrecorríveis ou parcialmente imunes de fiscalização contenciosa deve desaparecer num Estado de Direito (v. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 8.ª ed., 11, p. 1126).
Os termos em que se encontram redigidos os artigos 15.º e 16.° da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo (Decreto-Lei n.° 40 768, de 8 de Setembro de 1956) já têm sido interpretados no sentido de que foram por eles revogadas todas as disposições legais anteriores que declaravam certos actos administrativos do Governo e dos órgãos dirigentes dos serviços públicos personalizados insusceptíveis de recurso. Mas é evidente que especiais disposições legais posteriores com esse alcance se sobrepõem à norma geral da referida Lei Orgânica. A aprovação de uma norma como a ora proposta acarretará a prática ineficácia dessas disposições especiais, já que não poderão ser aplicadas pelos tribunais nos feitos submetidos a julgamento, dada a sua superveniente inconstitucionalidade material (artigo 123.º da Constituição).