16 DE MARÇO DE 1971 635
apreciação dos factos da vida real nesse domínio. Enveredando pelo primeiro caminho, resultará que os tribunais de trabalho terão a sua organização fixada pelas normas do ordenamento judiciário geral, facto que implicará ficarem os juizes exactamente com o mesmo estatuto dos juízes dos tribunais ordinários comuns fixado na Constituição (artigo 119.°) e no chamado Estatuto Judiciário. Enveredando pela segunda via, teremos para os tribunais de trabalho uma organização especial e para os juizes um estatuto, no estabelecimento do qual o legislador ordinário não encontra pela frente vínculos constitucionais.
Constitui um progresso importante o facto de a Constituição deixar de impor esta segunda via, impedindo o legislador ordinário de trilhar a primeira, se, como muitos julgam, ela se lhe afigurar preferível, quer no que respeita à tutela adequada dos direitos privados, quer no que concerne ao próprio estatuto dos magistrados.
Artigo 39.º
57. Na sua actual redacção, este preceito limita-se a proibir a greve e o lock-out, a negar o direito à suspensão concertada do trabalho pelos dadores dele e a interrupção da laboração por parte dos empregadores. Mas não faria nenhuma espécie de sentido que, à supressão destes direitos, mediante o exercício dos quais trabalhadores e empresários procurariam realizar, em cada momento, a justiça comutativa nas suas relações de emprego, não correspondesse, como contrapartida, a obrigatoriedade de as respectivas organizações sindicais e gremiais (ou, quando estas últimas não existam, aquelas organizações e as empresas interessadas) procurarem uma solução pacífica para os seus litígios ou diferendos colectivos nas relações de trabalho, recorrendo a um sistema de conciliação por meio de comissões mistas e, no caso de este procedimento fracassar, se socorrerem de uma instância arbitral cuja imparcialidade e cujas possibilidades, de documentação estejam asseguradas. A sociedade tem especialíssima obrigação de curar da regulamentação adequada dos institutos da conciliação e da arbitragem, já que, com a denegação do direito de greve e de paralisado temporária da produção de certos bens ou serviços, de se liberta de sérios prejuízos no domínio da produção, do rendimento nacional e da sua distribuição. Especialmente pelo que concerne à arbitragem, é necessário providenciar para que ela seja confiada a quem realmente se encontre acima dos interesses contrapostos dos patrões e dos operários e tenha possibilidade de se documentar devidamente sobre a situação das categorias em litígio, designadamente sobre as condições financeiras das actividades. Será augurável que, sob a forma arbitral, os salários e outras condições de trabalho venham a ser lixados, dentro da zona de indeterminação, naquele ponto de equilíbrio transaccionai que corresponda ao que se fixaria ao fim da greve ou do lock-out. Numa economia em fase de desenvolvimento, como a nossa, em que circunstâncias excepcionais vêm impondo ou explicando a denegação de tais direitos à suspensão do trabalho ou da produção, justifica-se que a própria Constituição incumba ao legislador ordinário a adopção de sistemas de solução pacífica de diferendos colectivos nas relações de trabalho que façam o mais possível esquecer a impossibilidade, de recurso ao ultimum remedium - à greve e ao lockout.
No nosso sistema jurídico faltou, até ao Decreto-Lei n.° 49 212, de 28 de Agosto de 1969 (de que algumas disposições passaram a ter nova redacção por força do artigo 1.° do Decreto-Lei n.º 492/70, de 22 de Outubro, tendo-lhe também, aliás, este último diploma acrescentado alguns preceitos), a exacta individualização dos órgãos de conciliação e de arbitragem. Este defeito foi corrigido por esse importante diploma, que será a execução por parte do legislador ordinário do imperativo preceito, que ora se trata de estabelecer ao nível da lei fundamental.
Artigo 43.° (corpo do artigo)
58. Faltava na Constituição (salvo quanto ao ensino primário) uma directriz sobre a que se vem chamando, ainda que impropriamente, "democratização do ensino e da cultura" e que melhor se dirá "direito fundamental à instrução ou à educação e direito fundamental à cultura".
Neste artigo, na sua versão actual, com exclusão daquele ensino, limita-se o legislador constituinte a consignar que o Estado manterá escolas dos vários graus de ensino e instituições de alta cultura, sem definir uma orientação sobre as responsabilidades que ao Estado cabe nos dias de hoje assumir no domínio do acesso dos cidadãos do ensino e à cultura e sem reconhecer, por outro lado, o correspondente direito de cada homem, dentro da comunidade nacional, ao acesso a um e à outra.
No plano constitucional, perfilha-se e vinha-se, aliás, perfilhando desde o século XIX, afinal de contas, uma concepção "liberal", em cujos termos a educação e a cultura média e superior estariam abertas a todos. Simplesmente, o custo dos estudos punha-as fora do alcance do maior número. As carreiras mais lucrativas ou prestigiosas (as "carreiras liberais" ou "profissões liberais") estavam abertas a todos, a ninguém estava barrado o acesso a elas - mas, de facto, os detentores de riqueza tinham-no mais facilitado. Os liceus e Universidades estavam, na realidade, destinados à formação dos elementos dos estratos sociais materialmente privilegiados, sendo os meios de fortuna dos pais os factores determinantes da selecção.
Entretanto, já em 1942, Pio XII, na sua Mensagem de Natal, aludira a estes direitos fundamentais e os proclamara; e os seus sucessores. João XXIII, na Pacem in Terris, e Paulo VI, em mais que um documento e designadamente, na Populorum Progressio, bem como, por seu turno, também o Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, insistiram mais demoradamente na justiça e na necessidade da sua consagração. Em síntese, nestes textos proclama-se um direito universal do homem a uma educação, instrução ou cultura de base e a uma formação técnico-profissional correspondente ao grau de desenvolvimento da comunidade política a que ele pertence. Para além disto, caberá ao Estado proceder de tal modo que faculte aos cidadãos, de acordo com os seus respectivos méritos, capacidades e engenho, ascenderem aos graus superiores da instrução e da cultura e chegarem, na sociedade, a lugares, postos e responsabilidades o mais possível adaptados aos talentos, aptidões e competências alcançados.
Note-se que na proposta se não impõe, senão como meia directriz, ao Estado, a obrigação de assegurar a todos os cidadãos o acesso aos vários graus de ensino e aos bens da cultura, sem outra distinção que não seja a resultante das capacidades e dos méritos. Não são fixados os termos em que esta obrigação há-de ser cumprida. Este aspecto do problema será, portanto, versado em legislação ordinária. Da política concreta a adoptar neste domínio dependerá a efectivação do princípio da igualdade de oportunidades requerido pelo respeito devido à personalidade humana, que não é compatível com discriminação entre os homens.